Cuidado da Funai

TRF-4 condena União a indenizar por invasão indígena

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19 de janeiro de 2012, 14h27

A União terá de pagar R$ 30 mil de indenização, a título de danos morais, a cada um dos agricultores que tiveram suas terras invadidas e parte de seus bens destruídos por indígenas da Reserva Ibirama – La Klãnõ, localizada no interior de Santa Catarina. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região. Para os desembargadores, a Funai descuidou de seus deveres constitucionais na tutela dos índios, permitindo que estes afrontassem o direito dos demais cidadãos, o que gerou o dever de indenizar. Cabe recurso.

A relatora das Apelações, desembargadora federal Sílvia Maria Gonçalves Goraieb, afirmou, inicialmente, que a 2ª Seção e a 4ª Turma do Tribunal já decidiram pela legitimidade passiva tanto da União quanto da Funai para responder pelos danos causados por invasões de indígenas a propriedades privadas.

Para a desembargadora, é preciso diferenciar a atuação da administração pública federal indigenista da atuação de comunidades indígenas e indígenas individualmente considerados. Assim, a administração pública não pode ser responsabilizada por ilícitos praticados pelas comunidades indígenas e seus membros de forma isolada, devendo os mesmos responder pelos seus próprios atos. A Constituição Federal, por sua vez, em seu artigo 232, dispõe que os índios "são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses’’, razão incontestável para admitir que eles têm capacidade processual, frisou.

‘‘Outra situação é a prática de atos pela comunidade em reivindicação por terras historicamente habitadas por índios, objeto de processo demarcatório conduzido pela União e pela Funai, que tinham conhecimento das circunstâncias de ocupação do imóvel e, portanto, condições de impedir ou cessar os ilícitos’’, destacou.

Os agricultores ingressaram em juízo pleiteando o pagamento de danos morais e materiais contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) depois que tiveram as suas terra invadidas. A reserva indígena ocupa parte dos municípios catarinenses de Vitor Meireles, José Boiteux, Itaiópolis e Doutor Pedrinho.

Na primeira invasão — de julho de 1998 a janeiro de 1999 —, os índios destruíram e furtaram bens, segundo a petição inicial. Dentre os bens destruídos, estavam 3.500 mudas de pinus (essência florestal). Posteriormente, os índios voltaram a causar prejuízos. O dano mais relevante foi a subtração de 6.500 árvores de pinus, com aproximadamente 10 anos, que seria destinada ao mercado madeireiro. O fato aconteceu em 2006.

O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente os pedidos dos autores. Com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), condenou a União a indenizar os agricultores por danos patrimoniais decorrentes da subtração das árvores de pinus, em montante a ser apurado em sede de liquidação de sentença; e danos morais decorrentes da invasão perpetrada pelos indígenas em 2006, no valor de R$ 20 mil para cada um dos autores. A sentença ficou sujeita a reexame necessário.

Mesmo vencendo parcialmente a demanda, os autores não se conformaram com os termos da sentença, pois não foram ressarcidos pela primeira invasão — ocorrida em 1998. Apelaram ao TRF-4, pedindo a majoração da indenização por danos morais.

Em síntese, sustentaram que o prazo prescricional começa a fluir com o fim dos eventos criminosos, que se desenrolaram por mais de oito anos; ou somente após sentença no âmbito penal em relação aos ilícitos penais, por aplicação do artigo 200 do Código Civil, do artigo 3º do Decreto 20.910/32, da Súmula 443 do STF, e da Súmula 85 do STJ.

A Funai também interpôs recurso contra a decisão condenatória. Argumentou que os índios têm capacidade civil para responder por seus atos e que não há prova concreta de que estes sejam os únicos responsáveis pelo corte das árvores de pinus. Por fim, solicitou o afastamento da condenação à indenização por danos morais, por tratar-se de ‘‘conduta reivindicatória de terras totalmente esperada’’.

Já a União pediu reconhecimento de ilegitimidade passiva. Argumentou que, nos termos do artigo 7º, da Lei 6.001/73, lhe cabe apenas tutelar o silvícola conceituado como o índio não integrado à comunhão nacional. No mérito, alegou a inaplicabilidade à administração pública da responsabilidade civil por culpa in vigilando, que somente é admitida na teoria subjetiva. Também alegou a ausência de prova efetiva da ocorrência dos danos e do nexo causal entre a conduta dos órgãos públicos e os prejuízos descritos na inicial.

No caso dos autos, a desembargadora afirmou que os indígenas invadiram as terras em 1998, passando a habitar o local. Somente retiraram-se por ordem judicial expedida em Ação de Reintegração de Posse. Novas invasões sucederam-se, sem que qualquer providência tenha sido tomada pelo poder público, culminando, no confronto, com disparos de arma de fogo.

Com relação à prescrição da pretensão indenizatória, a relatora lembrou que a demanda foi ajuizada em 2006. Como decorreram mais de cinco anos desde a produção dos prejuízos (1998), o direito a pedir indenização, em relação a esses danos, está prescrito desde 2003.Também foi considerada prescrita a pretensão de obter danos morais pelos fatos perpetrados pelos indígenas em 1998. Já as pretensões indenizatórias pela perda das 6.500 árvores de pinus e os danos morais pela invasão ocorrida em 2006 não prescreveram.

Incúria do estado
Ao análise do mérito, relatora citou os termos da sentença como razões de decidir. Para ela, ficou caracterizada a omissão do órgão público no seu dever legal de vigilância, bem como evidenciado o nexo causal entre a omissão e os danos sofridos pelos agricultores. A sentença, inclusive, transcreve a lição de José Cretella Junior, citado por Yussef Saide Cahali, em sua obra Responsabilidade Civil do Estado:

‘‘Não apenas a ação produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria administração. A omissão configura a culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como o bonus administrador. Foi negligente. Às vezes, imprudente e até imperito. Negligente, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental.’’

A desembargadora decidiu aumentar o valor da indenização por danos morais a cada um dos autores — de R$ 20 mil para R$ 30 mil, para compensar o dano sofrido e punir o réu. O voto foi seguido, a unanimidade, pelos demais integrantes do colegiado, o desembargador Vilson Darós e o juiz federal convocado Cândido Alfredo da Silva Leal Júnior.

Clique aqui para ler a íntegra do acórdão.

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