Seguro da usina

Justiça inglesa anunciará regras da disputa sobre Jirau

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12 de janeiro de 2012, 20h57

A Justiça inglesa vai anunciar na próxima semana a decisão que pode definir o ringue para a briga entre as construtoras da hidrelétrica de Jirau e a seguradora da obra. O que vai ser decidido é se deve ser aplicada a legislação inglesa ou a brasileira e, a partir daí, se o conflito vai ser resolvido por meio de arbitragem na Inglaterra ou pelo Judiciário do Brasil.

Em audiência na tarde desta quinta-feira (12/1) em Londres, a corte superior de Justiça (High Court) manteve liminar concedida em dezembro, que proíbe as seguradas de acionar a Justiça brasileira para resolver o conflito e paralisa o andamento da arbitragem iniciada na Inglaterra. Já no Brasil, uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro proíbe a seguradora de buscar solução em território estrangeiro, já que o foro e a legislação de regência seriam do Brasil. Nenhuma das liminares está sendo respeitada.

A batalha se trava em torno dos danos causados pelos tumultos na obra de Jirau em maio de 2011. O valor estimado do prejuízo vai de R$ 400 milhões a R$ 1,5 bilhão. A seguradora se recusou a pagar a indenização e, no mesmo dia que comunicou o consórcio sobre isso, deu entrada em uma câmara de arbitragem administrada por seguradoras em Londres. Para a SulAmérica (líder das seguradoras), o prejuízo não está coberto pelo seguro por ter sido causado pelos funcionários. Já o consórcio Energia Sustentável do Brasil, formado pelas construtoras Enesa Engenharia e Camargo Corrêa, argumenta que os estragos foram criminosos não foram contidos pela Polícia, e, por isso, devem ser arcados pela seguradora.

A definição da nacionalidade da legislação aplicável ao caso será determinante para a solução do conflito. É que, de acordo com as normas e jurisprudência brasileiras, a briga já estaria praticamente perdida pela SulAmérica. Mas, se for aplicado o Direito inglês, a seguradora ainda tem chances. Neste caso, o risco é de o conflito ter duas soluções: uma no Brasil e outra na Inglaterra, que dependeria de homologação para ser executada em território brasileiro.

Advogados da SulAmérica se apoiam em cláusula de arbitragem constante na apólice do seguro, que prevê: “No caso do segurado e a seguradora não entrarem em acordo sobre o montante a ser pago (…), tal disputa será encaminhada para um processo de arbitragem sob as regras de arbitragem de Arias [câmara arbitral londrina especializada em seguros]”. Mais para frente, está previsto que "a sede da arbitragem ficará em Londres".

A defesa das construtoras afirma que a cláusula arbitral é inválida. O contrato de seguro assinado pelas partes prevê que o Brasil seja o foro para solução de controvérsias. Apenas na apólice remetida depois para as seguradas fala-se da arbitragem em Londres, mas sem a anuência das seguradas. Assim, apenas a seguradora se comprometeu com a arbitragem fora do país, mas não a segurada. A arbitragem só se torna obrigatória se o segurado concordar expressamente com ela no contrato, o que os advogados do consórcio construtor alegam que não aconteceu no caso de Jirau.

As regras do jogo mudam se forem aplicadas as normas inglesas. Na Inglaterra, arbitragem prevista na apólice vincula também o segurado. O consórcio, então, não poderia se recusar a resolver o conflito por arbitragem. Na audiência desta quinta-feira, os advogados da Enesa alegaram que uma tentativa de mediação é pré-requisito para a arbitragem e, como ela não aconteceu, mesmo sob a legislação inglesa, a disputa não pode ficar nas mãos de uma câmara de arbitragem.

A defesa da SulAmérica rechaçou a mediação como pré-requisito. A seguradora alegou que o conflito deve ser resolvido na câmara de arbitragem inglesa especializada Arias, de acordo com a legislação inglesa. Os advogados das construtoras rebateram com o argumento de que, se as partes são brasileiras, o contrato e o financiamento foram feitos no Brasil, a obra é em território brasileiro, por que então as regras aplicadas deveriam ser as inglesas? A manobra de levar a discussão para a Inglaterra é apontada como uma exigência de resseguradoras.

BNDES e Susep
Enquanto as duas liminares — a inglesa e a brasileira — são descumpridas e os processos judiciais seguem em paralelo nos dois países, os advogados do consórcio de construtoras prometem levar o caso para a Superintendência de Seguros Privados (Susep) apurar. Eles acusam a SulAmérica de descumprir regulamentação brasileira ao iniciar uma arbitragem contra a vontade do segurado. De acordo com um dos advogados da Enesa, Paulo Piza, as irregularidades que devem ser apuradas pela Susep foram confessadas pelos próprios advogados da seguradora na Justiça inglesa. A Susep pode multar a seguradora caso reconheça irregularidades.

Quem também deve entrar em ação é o BNDES, um dos financiadores da construção da hidrelétrica de Jirau, que é parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O banco se mostrou descontente com a recusa da SulAmérica em pagar a indenização e convocou para a próxima terça-feira (17/1) uma reunião com as seguradoras para discutir o problema. Cerca de R$ 3,6 bilhões investidos na construção têm como origem o banco, com verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O ressarcimento que criou a peleja internacional tem como destino o próprio BNDES, uma vez que o contrato de financiamento assinado entre o banco e as construtoras prevê que “qualquer valor recebido decorrente dos seguros e das garantias (…) serão compartilhados entre o BNDES e os agentes financeiros, por meio e na forma da celebração de contrato de compartilhamento de garantias e outras avenças”.

A discussão não para por aí. O Sindicato dos Corretores de Seguros do Estado de São Paulo, preocupado com o significado do conflito criou uma comissão para examinar se o deslocamento do litígio para Londres foi uma tática leal da parte das seguradoras. Interpelada, a SulAmerica ainda não respondeu ao pedido de explicações da entidade.

Texto alterado às 10h09 desta sexta-feira (13/1) para correção de informações.

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