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É imperiosa a revisão da lei de tributação internacional

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11 de janeiro de 2012, 10h53

A razão da escolha de um tema ligado à tributação internacional para a coluna de estreia nesse espaço mensal está na importância que a matéria tem ganhado ao longo dos últimos anos, conforme revelam a intensa produção legislativa[1] e o consequente aumento de processos administrativos e judiciais a esse respeito.

Tal fato não pode deixar de ser visto como reflexo direto da inserção do Brasil como um dos principais atores no mercado global, seja na condição da grande exportador de matérias-primas, seja na condição de receptor de investimentos nos mercados financeiro e de capitais e nas (urgentes) obras de infra-estrutura, seja na condição de importante investidor em terceiros países através das multinacionais brasileiras.

O marco inicial dessa produção legislativa pode-se identificar na edição da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que, rompendo com uma antiga tradição das regras de tributação pelo imposto de renda então adotadas no país, veio substituir o princípio da territorialidade pelo princípio da universalidade (world wide income).

Desse modo os limites objetivos que a tributação da renda observava — “o lucro proveniente de atividades exercidas parte no país e parte no exterior somente será tributado na parte produzida no país”(art. 268 do RIR/80) — deixaram de ter relevância para fins tributários, elegendo-se como conexão necessária e suficiente para autorizar a tributação brasileira o elemento subjetivo da titularidade da renda.

A partir de então, os rendimentos obtidos pelas atividades exercidas por empresas brasileiras diretamente ou através de filiais e sucursais sem personalidade jurídica no exterior, que antes estavam fora do alcance da tributação brasileira, por se referirem a renda produzida fora do território nacional, passaram a poder ser tributados pelo Brasil.

Assim, por exemplo, passaram a poder ser tributados no Brasil os juros de uma aplicação financeira realizada por uma pessoa jurídica brasileira em títulos da dívida publica norte-americana, os rendimentos de contratos de prestação de serviços de engenharia executados no Iraque, os ganhos de capital obtidos na venda de uma fazenda situada no Uruguai, etc.

Ocorre que a Lei 9.249/95 não se limitou a tributar os rendimentos obtidos pela atividade direta exercida no exterior, estendendo seus tentáculos para alcançar também os lucros obtidos por sociedades estrangeiras. Com efeito, o artigo 25 da Lei 9.249/95 veio encampar um modelo de tributação extraterritorial, ao estabelecer que os lucros obtidos por sociedades controladas e coligadas no exterior de pessoas jurídicas brasileiras deveriam ser adicionados ao lucro líquido dessa última, na proporção da sua participação, independentemente da sua efetiva distribuição.

Assim, por exemplo, os lucros obtidos por uma empresa domiciliada na Argentina, controlada ou coligada de uma empresa brasileira, passaram a estar sujeitos ao imposto de renda brasileiro por ocasião da sua mera apuração, mesmo que não sejam distribuídos ao controlador brasileiro como dividendos, destinando-se à capitalização ou ao reinvestimento.

Tal regra é contrária ao princípio da universalidade o qual, conquanto permita, sem sobra de dúvidas, a tributação dos dividendos eventualmente distribuídos pelas sociedades estrangeiras, não autoriza, de forma alguma, a tributação extraterritorial de renda alheia, com total desconsideração da personalidade jurídica do titular do lucro.

Na verdade, a lei brasileira adotou um regime de transparência fiscal internacional, eis que o lucro de pessoa jurídica estrangeira será tributado integralmente, antes do desconto dos impostos locais, por adição direta ao lucro da empresa nacional. Mas tal transparência é apenas parcial, uma vez que a mesma lei proíbe a compensação no Brasil dos prejuízos e perdas eventualmente apurados pelas empresas estrangeiras (art. 25, § 5º da Lei n.º 9.249/95).

Não se desconhece que há em inúmeros países legislações que também submetem a tributação automática lucros de controladas estrangeiras independentemente da sua distribuição. São as chamadas leis do tipo “CFC”, acrônimo da expressão inglesa Controlled Foreign Corporation, que tem sua origem nas normas da legislação norte-americana de 1963 (“Subpart F”). Tais normas, no entanto, não alcançam a totalidade dos lucros de controladas e coligadas em quaisquer países, antes se limitam a alcançar rendimentos passivos (juros, aluguéis, royalties) obtidos em países de nula ou muito baixa tributação.

Trata-se, na verdade, de normas antielisivas que têm por objetivo impedir o diferimento da tributação de certas categorias de rendimentos. Tal diferimento seria obtido com a deslocalização, para uma jurisdição de baixa ou nula tributação, da titularidade à percepção de que, caso recebidos pela pessoa jurídica domiciliada no país de tributação regular, por assim dizer, seriam nele automaticamente gravados, ao passo que sendo atribuídos a uma pessoa jurídica distinta, domiciliada num outro país, apenas poderão ser tributados no primeiro quando da distribuição dos dividendos.

A lei brasileira, todavia, não é do tipo “CFC”, pela singela razão de que não é excepcional e sim geral, aplicando-se indistintamente a todas e quaisquer controladas no exterior, independentemente do local de sua sede e da natureza dos rendimentos obtidos.

São inúmeras as discussões jurídicas a respeito da validade jurídica do sistema de tributação em questão, sendo impossível discorrer com a necessária profundidade, analisando todos os ângulos de argumentação, nesse curto espaço, sem cansar demasiadamente o leitor[2].

Apenas para se ter noção da complexidade da matéria, está sendo travada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588-DF, ainda em curso de julgamento no Supremo Tribunal Federal, a discussão a respeito da (in)compatibilidade desse sistema com o fato gerador do imposto de renda consagrado no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que exige a efetiva aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça começam a ser proferidas decisões a respeito da ilegalidade das disposições de atos administrativos (nomeadamente a Instrução Normativa 213/02) que, inovadoramente e contra legem (o art. 25, § 6º da Lei n.º 9249/95), prevêem a incidência da tributação sobre o resultado positivo da equivalência patrimonial. São exemplos dessas decisões os RESps 1.211.882-RJ e 1.236.779-PR.

Na esfera administrativa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem se debruçado a respeito da compatibilidade ou não do regime de tributação em questão com disposições de tratados contra a dupla tributação celebrados pelo Brasil com os países de domicilio das subsidiárias, tratados esses que têm prevalência de aplicação ex vi do artigo 98 do CTN. Há inúmeras as decisões do Carf a respeito da matéria, que adotam distintas linhas de interpretação, das quais citamos como referência os Acórdãos 107-07.532, 108-08.765, 101-95.802, 101-97.070, 1101-00.365 e 1402-00.391.

No domínio específico dos tratados contra a dupla tributação, é interessante observar que o próprio sistema acabou por deflagrar um legítimo movimento de proteção das empresas brasileiras contra a aplicação da lei interna pela opção de investimentos diretos ou pela localização de holdings em países que celebraram referidos tratados com o Brasil.

Isto porque referidos tratados que seguem o Modelo da OCDE, contemplam regra (art. 7º) segundo a qual os lucros obtidos por uma empresa situada num Estado apenas são tributáveis nesse Estado. Referida regra, que outorga competência tributaria exclusiva para o país de domicilio da pessoa jurídica, tem por finalidade assegurar a estabilidade das relações entre Estados soberanos frente às respectivas e legitimas pretensões de tributação das operações internacionais.

Ao longo do ano, em outras colunas, teremos a oportunidade de voltar aos temas, comentando decisões especificas sobre as questões.

Queremos nesse espaço inicial chamar a atenção para o efeito perverso de desestímulo ao investimento brasileiro no exterior pelas nossas multinacionais que o modelo atual implica.

O regime de tributação em vigor é um desincentivo ao investimento brasileiro no exterior quando submete ao imposto de renda no Brasil os lucros não distribuídos de empresas controladas no exterior que são menos onerados pelo imposto de renda local ou imposto similar (quando existente).

Tome-se como exemplo um investimento em país de menor nível de desenvolvimento. Há inúmeras empresas brasileiras investindo na África (Angola, Moçambique, Guiné, etc.), nas Américas do Sul e Central (Bolívia, Equador, Nicarágua, El Salvador, etc.) em países que — precisamente para atrair investimentos — concedem isenções de imposto temporárias totais ou parciais. Fará algum sentido que o Brasil se aproprie da renúncia fiscal legítima daqueles Estados soberanos, tributando pelo IRPJ e CSL combinados de 34%, os lucros isentados, quando é certo que um dos fatores essenciais para a viabilidade econômica do projeto reside justamente na exoneração fiscal? É evidente que não faz qualquer sentido. Trata-se em sombra de dúvidas, de um grave entrave à expansão das multinacionais brasileiras, principalmente quando investem em países de menor grau de desenvolvimento.

Agora imaginem se o Estado alemão impusesse a tributação automática dos lucros obtidos por uma empresa brasileira, controlada de empresa alemã, situada na área de atuação da Sudam ou da Sudene, beneficiando-se, assim, de uma redução de IRPJ e adicionais. Seria razoável que esse benefício fiscal legitimamente concedido pelo Estado brasileiro fosse apropriado pelo governo alemão, quando os lucros obtidos foram (no caso da parcela isenta por determinação legal) reinvestidos no empreendimento pela pessoa jurídica brasileira? É óbvio que faltaria razoabilidade ao sistema. Por isso alguns autores[3] têm considerado que o regime brasileiro, caso fosse encarado como uma medida antielisiva, violaria o princípio da proporcionalidade, dado o efeito devastador que produz ao tratar igualmente situações diferenciadas.

Tudo o que acima se expôs aponta no sentido da necessidade imperiosa de revisão e reformulação do modelo atual de tributação dos lucros de empresas controladas no exterior, de modo a adequá-la às práticas internacionalmente aceitas, de modo a que o quadro legislativo sirva como incentivo e não desincentivo à expansão dos investimentos brasileiros no exterior.


[1] Referimo-nos especialmente às normas de preços de transferência (Lei n.º 9.430/96), de tributação diferenciada dos países de tributação favorecida e dos regimes fiscais privilegiados e as normas de sub-capitalização, (Lei n.º 12.249/10) de tributação de ganhos de capital de residentes no exterior (Lei n.º 10.833/03), entre outras.

[2] Para maiores desenvolvimentos sobre a matéria cfr. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª edição, Rio de Janeiro, 2010

[3] Cfr. João Francisco Bianco, “Transparência Fiscal Internacional”, São Paulo 2007, p. 80 e ss. 

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