Autonomia administrativa

Convênio da Defensoria não precisa ser com a OAB

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29 de fevereiro de 2012, 19h00

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal concluiu que a obrigatoriedade de convênio entre a OAB-SP e a Defensoria Pública de São Paulo fere a Constituição Federal. De acordo com os 10 ministros que votaram, dispositivos da Constituição do estado e da Lei Complementar estadual 988/2006 afrontam a Constituição.

O julgamento desta quarta-feira (29/2) se referia a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, em que a Procuradoria-Geral da República questionava a constitucionalidade do artigo 109 da Constituição de São Paulo e também do artigo 234 e de alguns parágrafos da lei complementar. Os dispositivos versavam sobre a obrigatoriedade da celebração de convênio entre a Defensoria Pública de São Paulo e a OAB paulista.

O convênio prevê que só a OAB-SP tem o direito de prestar assistência judiciária a cidadãos de baixa renda quando a Defensoria não puder atendê-los, diante do seu parco quadro de defensores.

No que foi qualificado como “zona de conflito entre a seccional paulista da OAB e a Defensoria Pública” o mérito do julgamento se estendeu para o debate sobre o caráter constitucional da Defensoria, a natureza da insuficiência dos seus quadros em toda a Federação, bem como a tensão provocada pelo exercício concorrente da advocacia dativa e da prática pro bono.

Antes dos votos dos ministros, o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso, em defesa da ADI, questionou, durante sua sustentação oral, a própria conceituação de “convênio” para descrever a situação entre a OAB-SP e a Defensoria local. Para Barroso, convênios não podem ser compulsórios, ao contrário, têm de ser legitimados pela concordância e condições de igualdade entre as partes que o assumem e o consagram. Barroso classificou ainda a exclusividade e obrigatoriedade que permeia o pacto estabelecido entre a Defensoria paulista e a OAB do estado como monopólio, afirmando, para tanto, que “monopólios são invariavelmente ruins por si só”. “A presença maciça da Ordem [no estado] já foi parte da solução, hoje é parte do problema”, afirmou Barroso.

Abrindo a votação, o relator, ministro Cezar Peluso, formulou a ideia de que os dispositivos contestados “deturpam e descaracterizam o conceito de convênio”, uma vez que “não há espaço para a escolha dos partícipes”. O presidente da corte centrou sua argumentação no fato de que o que pesa é o choque “direto e frontal com a norma da autonomia” da Defensoria, sendo esta que tem de prevalecer na concorrência dos valores constitucionais presente no debate.

Segunda a votar, a ministra Rosa Weber lembrou que, somente na pauta do dia, constavam cinco ADIs que versavam sobre o tema. Rosa observou que, em todos os processos, “a aspiração única”, era avaliar o correto posicionamento do papel e vocação das defensorias públicas estaduais.

Foi então que, apesar do clima de concordância em relação a acatar a ADI em julgamento, o ministro Marco Aurélio, pedindo a palavra para uma questão de ordem, afirmou que o âmago do debate não era somente a autonomia da Defensoria, como postulou o presidente da corte, mas também a defesa da inflexibilidade no exercício do monopólio, pela Defensoria Pública, da assistência jurídica aos cidadãos economicamente desfavorecidos.

De acordo com Marco Aurélio, a delegação de advogados para assistência legal a hipossuficientes, frente à carência de quadros, perverte em absoluto a missão constitucional da Defensoria Pública. Peluso rebateu o argumento, afirmando que o Plenário estava “diante de um dilema”, se a Defensoria pode recorrer a expedientes diversos para suprir deficiências de infraestrutura ou se a mesma devia “ser testada naquilo que lhe falta”.

O ministro Gilmar Mendes criticou então o que entendeu por um desvio da questão básica, colocado por Marco Aurélio. Segundo Mendes, o cerne da discussão não era o convênio em si, mas a obrigatoriedade e a exclusividade do convênio com a OAB do estado de São Paulo.

Mendes disse que, a despeito da contrariedade com o que entende por “pretensões de caráter corporativo”, as atividades de convênio deveriam ser estimuladas frente à gravidade da situação da Justiça no Brasil. Em um empréstimo e inversão do argumento do professor Luís Roberto Barroso, Mendes argumentou que não era preciso enfatizar tanto a questão do monopólio da assistência jurídica aos necessitados, porque monopólios têm um caráter controverso em si, como observara o constitucionalista.

Gilmar Mendes observou que o “monopólio” não constitui uma questão realista frente à “situação vergonhosa em que nos encontramos”. “Como suscitar um monopólio desse serviço, nessa extensão, […] frente às inúmeras carências com que nos deparamos?”, disse. Para Mendes, mesmo que houvesse um defensor público em cada penitenciária do país, ainda assim a busca por soluções como a celebração de convênios não poderia ser desestimulada.

“Como colocar [a advocacia pro bono] na ilegalidade, colocá-la na inatividade se não é possível atender demandas tão grandes?”, questionou Mendes. “São 500 mil presos no Brasil, metade são presos provisórios e, sem dúvida, 90% destes, pessoas pobres. Os defensores públicos não passam de 500”, completou.

Marco Aurélio foi o único que acatou a ADI em sua integridade por entender que a delegação de advogados não-defensores à assistência jurídica a cidadãos de baixa renda entra em conflito direto com dispositivos constitucionais. “Não imagino a mesma delegação [de terceiros] no exercício da defesa do Estado, no papel do Ministério Público, com um advogado fazendo às vezes do agente apontado pela Constituição”, disse Marco Aurélio.

Os outros nove ministros seguiram o entendimento do relator. Cezar Peluso entendeu que o artigo 109 da Constituição paulista poderia ser mantido na ordem jurídica, desde que interpretado conforme a Constituição Federal. "Para compatibilizar-lhe o sentido normativo emergente com o preceito fundamental da Constituição da República, deve entender-se que seu texto enuncia apenas mera autorização ou possibilidade de celebração de convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, sem cunho de necessidade, nem de exclusividade, de modo a ficar garantida a Defensoria Pública em rigorosa consonância com sua autonomia administrativa, funcional e financeira a livre definição dos seus eventuais parceiros e dos critérios administrativo-funcionais de atuação", salientou.

Ao final de seu voto, observou que a realização de concurso público "é regra primordial para prestação de serviço jurídico pela administração pública, enquanto atividade estatal permanente". Segundo Peluso, é situação excepcional e temporária a hipótese de prestação e assistência jurídica à população carente "por profissionais outros que não defensores públicos estaduais concursados, seja mediante convênio com a OAB, seja mediante alternativas legítimas". O ministro Celso de Mello não participou da sessão.

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Para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Aanadep), André Castro, o resultado reforça o entendimento da associação nacional de que a Defensoria Pública é a instituição responsável pela defesa do cidadão carente, devendo ficar a seu critério o estabelecimento de convênios para ampliação do atendimento jurídico gratuito. "É uma decisão histórica que assenta o entedimentop unânime de que a assistência jurídica estatal deve ser prestada pela Defensoria Pública, que a seu critério e respeitando sua autonomia administrativa pode, quando necessário e em caráter suplementar e provisório, firmar convênios."

ADI 4.163

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