Escândalo dos grampos

Corte britânica afasta direito de não se autoincriminar

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1 de fevereiro de 2012, 16h32

Uma decisão anunciada nesta quarta-feira (1º/2) pela Corte de Apelação do Reino Unido obriga um acusado a revelar seus cúmplices no crime, mesmo que a revelação seja um depoimento contra ele próprio. É que, no Reino Unido, o princípio da não autoincriminação não é absoluto. Em alguns casos cíveis e criminais, há previsão legislativa para que ele seja afastado e o acusado, obrigado a responder às perguntas e auxiliar a Justiça.

É o que acontece em algumas situações de terrorismo, fraude empresarial, direitos da criança e propriedade intelectual, por exemplo. Nestes casos, o acusado tem a garantia de que qualquer informação que for obrigado a revelar não poderá ser usada como prova contra ele. Ao anunciar seu veredicto nesta quarta, a Corte de Apelação ainda flertou com a possibilidade de o princípio ser abolido como regra para casos cíveis, desde que seja preservada a salvaguarda de a prova não se voltar contra quem a revelou.

O princípio foi discutido pela corte a pedido de um investigador particular contratado pelo jornal News of The World, que fechou suas portas em julho do ano passado. O investigador é acusado de monitorar ilegalmente a caixa postal do telefone celular do comediante Steven Coogan e de Nicola Phillips, assistente do publicitário Max Clifford. Ele foi obrigado, por ordem judicial, a revelar quem pediu que ele invadisse a caixa postal de Coogan e Nicola e para quem ele enviou as mensagens interceptadas. O investigar pediu à Corte de Apelação que suspendesse a ordem por violar o seu direito de não se autoincriminar.

Para decidir, a corte analisou se o caso se enquadrava em alguma exceção aberta pelo Legislativo, em que o princípio da não autoincriminação pode ser afastado. De acordo com um dispositivo legal (a Seção 12 do Senior Courts Act 1981), o princípio pode ser afastado quando for necessário para obter informações sobre violação de propriedade intelectual. Coube aos três juízes da Corte de Apelação que analisaram o caso definir se mensagens deixadas na caixa postal poderiam se encaixar nesse dispositivo.

A conclusão foi de que sim. Depois de analisar as expressões escolhidas pelo legislativo, a corte concluiu que o que está inserido no termo propriedade intelectual é qualquer informação sigilosa de caráter comercial ou mesmo pessoal. Para os juízes, quando a caixa postal do celular de alguém é invadida, há fortes indícios de que informações sigilosas foram acessadas indevidamente, sejam essas informações de uso pessoal ou comercial. No caso das duas vítimas do grampo, a Corte de Apelação considerou que esses indícios são suficientes para enquadrar o crime na exceção prevista no dispositivo legislativo sobre proteção à propriedade intelectual.

Os juízes também analisaram se o afastamento do princípio da não autoincriminação feriria o artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que prevê o direito a um julgamento justo. A corte entendeu que o simples afastamento do princípio não viola a convenção. Poderia, em tese, violar se as declarações do acusado pudessem ser usadas contra ele, mas não é o que acontece no Reino Unido.

A Corte de Apelação decidiu que o investigador é obrigado a revelar de quem partiu a ordem ou o pedido para que invadisse a caixa postal do celular de um terceiro e para quem ele revelou o conteúdo das mensagens encontradas. A ordem não deve ser cumprida imediatamente, já que a defesa do investigador afirmou que vai recorrer à Suprema Corte do Reino Unido e, como os próprios juízes reconheceram, há grandes chances de que a instância máxima da Justiça britânica aceite o recurso para debater o assunto.

Clique aqui para ler a decisão em inglês.

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