Mandado sem cumprimento

PF não consegue prender ex-superintendente do órgão

Autor

1 de fevereiro de 2012, 20h07

É oficial. O ex-superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro e ex-diretor da Interpol no Brasil, delegado Edson Antonio de Oliveira, é um foragido da Justiça. Oliveira ficou conhecido por ter sido encarregado, como diretor da Interpol, de procurar e prender o ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à presidência, Paulo Cesar Farias, trazido da Tailândia em 1993. Segundo a assessoria de imprensa da PF do Rio, o delegado não foi encontrado em sua casa quando procurado, após a expedição do mandado de prisão, em novembro. Apesar das promessas de sua mulher de que ele se apresentaria, isto não ocorreu. Ele tem tentado derrubar o pedido de prisão através de recursos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região e ao Superior Tribunal de Justiça.

Desde o dia 8 de novembro, a Justiça aguarda cumprimento de um mandado de prisão — Mandado Criminal – MAP.0004.000013-2/2011 — expedido contra o delegado pelo juiz da 1ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcos Andre Bizzo Moliari. Até hoje, porém, Oliveira não foi encontrado. A Polícia Federal esteve em sua nova residência, mas as informações que recebeu é que ele estaria viajando. Para “evitar ilações em torno de eventual favorecimento pelo fato do Dr. Edson ser Delegado Federal e ex-superintendente”, a Polícia Federal tem informado ao juízo as diligências que faz para cumprir o mandado, segundo explicou em nota enviada a ConJur.

O mandado saiu após muita demora. Em dezembro de 2009, a então ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, hoje aposentada, determinara o imediato cumprimento da pena de quatro anos e seis meses de prisão pelo crime de concussão (a extorsão praticada por funcionário público), que foi determinada em agosto de 1977 no processo 94.0040099-3. A sentença ainda determina a expulsão da Polícia Federal, o que significa o cancelamento de sua aposentadoria.

Na sua decisão, a ministra expôs: “parece-me claro que, no presente feito, o ora embargante tenta, a todo custo, protelar a baixa dos autos, o que representará o início do dever de cumprimento da pena que lhe foi imposta. A interposição de embargos de declaração com finalidade meramente protelatória autoriza o imediato cumprimento da decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente da publicação do acórdão”.

Entre a determinação da ministra do STF e a expedição do mandado decorreram 23 meses, porque o próprio juiz Moliari teve uma interpretação diferente da do Supremo, entendendo que o caso estava prescrito, e decidiu arquivar o processo. Em agosto de 2011, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região rejeitou agravo interposto pela defesa do réu e remeteu o processo à primeira instância. No dia 8 de novembro, Moliari determinou a expedição do mandado de prisão.

No mesmo mês de novembro, o advogado de Oliveira, Edson Nascimento Alves Paulino, de Brasília, recorreu ao STJ com o Agravo em Recurso Especial 61.361, no qual reclamou que “sua esposa e suas filhas vêm sendo vítimas de perseguição” e novamente alegou que estava “extinta a punibilidade do ora requerente, pela prescrição”. Pediu “medida liminar para determinar ao juízo da 1ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para que proceda o recolhimento do mandado de prisão”. Requereu ainda “que a perseguição ocorrida contra sua esposa e filhas seja comunicada ao Juízo da 1ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a fim de que promova as diligências necessárias para evitar que fato mais gravoso venha a ocorrer”.

Os pedidos foram rejeitados pelo ministro Gilson Dipp, que entendeu inadequado juridicamente o instrumento processual utilizado pelo advogado. Segundo o ministro, “neste contexto, mostra-se flagrante a inadequação da via eleita. Destaque-se que o requerimento foi apresentado sem qualquer documento comprobatório das alegações formuladas. E registre-se, ainda, que não há qualquer outra medida, nesta Corte, para a pretensão ora postulada”.

Decorridos mais de dois meses desta decisão, o réu, mesmo sendo um policial federal aposentado, não foi encontrado pelos ex-colegas. No último dia 19 de janeiro, o juiz da 1ª Vara Federal Criminal mandou oficiar à Polícia Federal para informar “se novas diligências foram promovidas visando ao cumprimento do mandado de prisão expedido em desfavor do réu Edson Antônio de Oliveira, ressaltando o caráter urgente da presente medida”. Até a manhã desta quarta-feira (1º/2), a resposta não havia chegado. Na última segunda-feira (30/1), a defesa do réu voltou ao STJ com o  HC 231.908, distribuído ao ministro Sebastião Reis Junior. 

A possível viagem de Oliveira, como informado no processo, não é de se estranhar. No final de 2009 ele impetrou, simultaneamente, dois pedidos de Habeas Corpus alegando constrangimento ilegal, uma vez que a Polícia Federal negava-se a expedir seu passaporte. No STJ, o HC 156.585 foi rejeitado, em fevereiro de 2010, pela ministra Maria Thereza de Assis Moura. Na decisão ela diz que, “ao contrário do que quer fazer crer o impetrante, não foi reconhecida a prescrição em relação à ação penal objeto deste writ e, ainda, foi determinado o início da execução da pena independentemente da publicação do acórdão. Assim, constata-se que, com a determinação de iniciar a execução da pena, não há que se falar em restrições cautelares, motivo pelo qual entendo que o pedido objeto deste mandamus configura-se manifestamente incabível. Por tais motivos, nego seguimento ao Habeas Corpus, conforme disciplina do artigo 34, XVIII, do RISTJ”.

Porém, em 9 de março, o mesmo pedido foi recebido pelo juiz Lafredo Lisboa, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, no HC 2009.51.01.814150-0 que, de ofício, mandou o caso para o Tribunal Regional Federal. Até junho, ao constatar que a ordem do tribunal para que o ex-delegado devolvesse o passaporte, não fora atendida, Lisboa deu novo despacho. “À falta de prova de haver o impetrante sido notificado para entregar seu documento de viagem, conforme acórdão de fls. 93/94, intime-se o mesmo para efetivar dita entrega no prazo de cinco dias, contados da sua interpelação”. Não há informação nos autos de que o passaporte foi entregue.

De caçador a caça
Famoso por buscar PC Farias na Tailândia, Oliveira tinha a incumbência de descobrir e prender o ex-tesoureiro, mas ele não a executou. Quem encontrou o procurado foram jornalistas, em Londres, onde Oliveira também esteve. Em seguida, PC Farias fugiu da Inglaterra. A prisão foi feita por policiais tailandeses, a pedido do então cônsul do Brasil em Bangcoc, que descobriu o ex-tesoureiro em uma festa de um hotel. Coube ao diretor da Interpol apenas acompanhar o preso no voo de retorno ao Brasil.

Nada disto impediu Oliveira de, em 1994, licenciar-se do cargo de delegado para tentar a carreira política. Apadrinhado pelo então prefeito do Rio, Marcello Alencar, ingressou no PSDB e concorreu à Câmara Federal apresentando-se como o “homem que prendeu PC”. A derrota nas urnas foi o segundo revés naquele ano. Em abril, seu nome foi descoberto na contabilidade do jogo do bicho depois que o então procurador-geral de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, estourou a fortaleza do bicheiro Castor de Andrade e apreendeu os livros onde eram registradas propinas pagas a policiais e políticos.

Processado por corrupção, Oliveira foi condenado, mas se beneficiou de um erro do STJ que fez o TRF-2 entender que a ação penal contra ele tinha sido trancada. Com isto, não apreciaram o recurso interposto pelo MPF. O erro foi descoberto em 2009 pelo ministro Paulo Galotti, que mandou reabrirem o caso. Ao julgar o recurso, a 1ª Turma Especializada do TRF-2, já com nova composição, reformou o entendimento anterior que absolvera os demais réus. O novo julgamento não apenas confirmou a condenação do ex-superintendente, mas ainda duplicou sua pena, estipulando-a em sete anos de reclusão. Depois disto, o mesmo Tribunal mandou prosseguir uma Ação de Improbidade Administrativa contra os envolvidos no caso do jogo do bicho, que estava parada. Nela, Oliveira também é réu.

A condenação que ele terá que cumprir agora é fruto de uma denúncia feita em 1994 por, em 1986, época em que chefiava o setor de Migração e Passaportes, ter conduzido “investigação informal” ao descobrir dois comissários da extinta Varig com vultosas quantias depositadas em contas no exterior. Diante dos indícios da prática criminosa, o delegado, sem formalizar inquérito, passou a exigir dos dois valores como contrapartida para não realizar a investigação.

Conforme consta do processo, na tentativa de obter vantagens ilícitas, ele foi à casa dos suspeitos e chamou-os para um almoço no restaurante Rios, onde discutiu extra-oficialmente o caso. Depois, levou-os à superintendência do DPF e ameaçou interrogá-los, ainda que não houvesse uma investigação formalizada. Pressionados pelas intimidações, os “investigados” apresentaram queixa-crime junto à 14º Delegacia de Polícia contra o delegado como incurso no artigo 148 do Código Penal — sequestro e cárcere privado. Com a reação dos investigados e objetivando ocultar seus atos anteriores, Oliveira preparou um expediente, com data retroativa, dando ciência da “investigação” ao coordenador regional policial. Por este documento, foi denunciado também por falsidade ideológica, mas ao condená-lo, o juiz só considerou o crime de concussão, cuja pena deverá começar 26 anos após o crime cometido.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!