O processo eletrônico avança na Justiça brasileira
30 de dezembro de 2012, 7h00
No ano de 2002, os TRFs 3 e 4 tomaram iniciativas para a introdução de petições eletrônicas nos Juizados Especiais Federais. Os dois tribunais foram os precursores. No TRF-3 as petições eram escaneadas. No TRF-4, por iniciativa do juiz federal Sérgio Tejada Garcia e do servidor José C. Abelaira Filho, criou-se o chamado e.proc.
Tais iniciativas, à época polêmicas, geraram resistências dentro e fora do Judiciário. Afinal, estava sendo retirado de cena o uso do papel nos processos, prática esta existente desde 1532, quando Martim Afonso criou o primeiro Juizado brasileiro, na Vila de São Vicente, com um ouvidor, um juiz ordinário, um escrivão e um meirinho.
Na qualidade de presidente do TRF-4, no dia 11 de março de 2004 baixei a Resolução 13, tornando obrigatória, nos Juizados Especiais Federais (JEFs), a propositura da ação por meio eletrônico. Um advogado de Porto Alegre impetrou Mandado de Segurança, afirmando não estar obrigado a cumprir um ato administrativo, mas apenas a lei. O dilema era inevitável: exigir a adaptação de todos, inclusive dos mais idosos, ou abrir exceções que tornariam o sistema incompleto. O tribunal decidiu no MS 2004.04.01.036333-0/RS, relator Surreaux Chagas, aos 29 de setembro de 2005:
MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PRESIDENTE TRF4. OBRIGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO (E-PROC) NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.
1. A instituição do processo eletrônico é decorrência da necessidade de agilização da tramitação dos processos nos Juizados Especiais Federais, representando a iniciativa o resultado de um enorme esforço institucional do Tribunal Regional da 4a Região e das três Seções Judiciárias do sul para que não se inviabilize a prestação jurisdicional à população, diante da avalanche de ações que recai sobre a Justiça Federal, particularmente nos Juizados Especiais Federais.
2. O sistema em implantação é consentâneo com os critérios gerais da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que devem orientar os Juizados Especiais, previstos no art. 2º da Lei 9.099/95, e que são aplicáveis aos Juizados Especiais Federais, conforme disposto no art. 1º da Lei 10.259/2001.
3. A sistemática implantada assegura o acesso aos equipamentos e aos meios eletrônicos às partes e aos procuradores que deles não disponham (Resolução nº 13/2004, da Presidência do TRF/4ª Região, art. 2º, §§ 1º e 2º), de forma que, a princípio, ninguém tem o acesso à Justiça ou o exercício da profissão impedido em decorrência do processo eletrônico.
A partir de então, passo a passo, o sistema evoluiu. Atualmente, ele se encontra implantado nos JEFs dos cinco TRFs. Nos Juizados Especiais da Justiça Estadual ele avança sistematicamente, já tendo alcançado 21 dos 27 (DF incluso). A mudança é positiva. Vejamos.
No sistema e.proc (TRF-4), o advogado é quem distribui o processo e a distribuição é imediata, surgindo na tela o nome do relator. Se ele for ao tribunal no dia seguinte para explicar o motivo do agravo, certamente encontrará a decisão já pronta.
O agravo não precisa de cópia disto ou daquilo (v.g., da inicial). É a petição de recurso e pronto. Isto porque o relator acessará o processo e terá à sua frente todas as peças.
O advogado constituído, ao ser intimado de uma decisão, terá na tela todas as fases do processo. Portanto, não corre o risco de viajar horas de carro para atender uma decisão e daí constatar que a providência é dispensável. Ademais, ele pode estar passando suas férias em um resort do Nordeste e de lá mandar sua petição para uma ação que tramita em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.
Os servidores têm diante de si a possibilidade de trabalhar em casa, dirigindo-se à Justiça um ou dois dias da semana. Em tempos de tráfego intenso, ver-se livre de ruas congestionadas é um alívio. Evidentemente, este tipo de concessão deve ser regulamentado e exige uma boa dose de responsabilidade do servidor e da chefia.
Os balcões das secretarias ou cartórios esvaziam-se. Diminuem as desgastantes discussões entre advogados e funcionários. Idem os telefonemas. Servidores podem ser redirecionados a outras atividades.
Do ponto de vista ambiental, economiza-se papel. Milhares de árvores são poupadas. Há economia de dinheiro, pois não se compram centenas de caixas de papel, clipes, grampeadores e aqueles objetos dignos dos museus judiciários, os carimbos tão venerados pelos antigos funcionários.
O prazo de tramitação diminui. O processo eletrônico é o fim daquela abominável súplica dos advogados para que a petição seja juntada e o processo concluso.
Na esfera criminal nada impede que a Polícia Judiciária aja da mesma maneira. Assim já é feito pela Polícia Federal na 4ª Região da Justiça Federal (Sul). Nada impede que um delegado de Polícia Civil de um pequeno município acerte com o promotor e o juiz de uma comarca que já opere no sistema o ingresso da Polícia na modernidade.
Mas, como nada é perfeito, alguns problemas existem. O primeiro deles é a adaptação a esse novo mundo, principalmente para os que foram iniciados nas antigas máquinas de escrever. Alguns, saudosistas, ainda mantêm a velha Remington 25 ou a Olivetti portátil Studio 44, que exigia do portador músculos de aço.
A leitura é mais cansativa do que a feita em papel. Espera-se que a evolução leve o processo eletrônico a ser lido como os livros no Ipad, inclusive permitindo que se folheiem as folhas e não que se tenha que abrir arquivo por arquivo.
Os juízes e servidores devem praticar ginástica laboral sob pena de adquirirem moléstias profissionais (v.g., tendinite). A visão continuada na tela também deve causar mal físico.
Outro aspecto difícil é a existência de programas diferentes. Com efeito, eles se desenvolvem muitas vezes em razão de iniciativas individuais e as opções podem ser diferentes em cada estado, fruto do poder de convencimento do vendedor, dos valores em jogo, da política local (p. ex., proteger empresários da terra) e outras peculiaridades. Com isto, um advogado pode ter que peticionar de forma diferente na Justiça Federal ou na Estadual.
O CNJ tenta uniformizar o processo eletrônico na Justiça de todo o Brasil através do sistema PJe. O TST adotou este sistema e tornou-o obrigatório nas 24 Regiões. O Conselho da Justiça Federal almeja implantá-lo nos cinco TRFs.
Eis uma visão geral dessa que me parece a verdadeira novidade no Poder Judiciário brasileiro. Outras, ainda que maquiadas com nomes novos, são bem antigas. A conciliação, por exemplo, já era prevista no artigo 161 da Constituição de 1824.
O processo eletrônico veio para ficar e o Brasil está bem à frente dos demais países. Aprimorá-lo é o próximo passo e nisto é preciso que todos os envolvidos exteriorizem suas dificuldades e deem sugestões.
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