Segunda Leitura

O processo eletrônico avança na Justiça brasileira

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

30 de dezembro de 2012, 7h00

Spacca
Se há 20 anos alguém falasse em processo eletrônico, certamente seria olhado com desconfiança, tomado por um sonhador sem sentido de realidade. Processo era papel e nós todos cultivávamos aquelas solenes conclusões, vistas, termos disto ou daquilo. Por exemplo, as informações nos autos precedidas por: “Tenho a honra de informar a V. Excia. que …”.

No ano de 2002, os TRFs 3 e 4 tomaram iniciativas para a introdução de petições eletrônicas nos Juizados Especiais Federais. Os dois tribunais foram os precursores. No TRF-3 as petições eram escaneadas. No TRF-4, por iniciativa do juiz federal Sérgio Tejada Garcia e do servidor José C. Abelaira Filho, criou-se o chamado e.proc.

Tais iniciativas, à época polêmicas, geraram resistências dentro e fora do Judiciário. Afinal, estava sendo retirado de cena o uso do papel nos processos, prática esta existente desde 1532, quando Martim Afonso criou o primeiro Juizado brasileiro, na Vila de São Vicente, com um ouvidor, um juiz ordinário, um escrivão e um meirinho.

Na qualidade de presidente do TRF-4, no dia 11 de março de 2004 baixei a Resolução 13, tornando obrigatória, nos Juizados Especiais Federais (JEFs), a propositura da ação por meio eletrônico. Um advogado de Porto Alegre impetrou Mandado de Segurança, afirmando não estar obrigado a cumprir um ato administrativo, mas apenas a lei. O dilema era inevitável: exigir a adaptação de todos, inclusive dos mais idosos, ou abrir exceções que tornariam o sistema incompleto. O tribunal decidiu no MS 2004.04.01.036333-0/RS, relator Surreaux Chagas, aos 29 de setembro de 2005:

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO PRESIDENTE TRF4. OBRIGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO (E-PROC) NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.
1. A instituição do processo eletrônico é decorrência da necessidade de agilização da tramitação dos processos nos Juizados Especiais Federais, representando a iniciativa o resultado de um enorme esforço institucional do Tribunal Regional da 4a Região e das três Seções Judiciárias do sul para que não se inviabilize a prestação jurisdicional à população, diante da avalanche de ações que recai sobre a Justiça Federal, particularmente nos Juizados Especiais Federais.
2. O sistema em implantação é consentâneo com os critérios gerais da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que devem orientar os Juizados Especiais, previstos no art. 2º da Lei 9.099/95, e que são aplicáveis aos Juizados Especiais Federais, conforme disposto no art. 1º da Lei 10.259/2001.
3. A sistemática implantada assegura o acesso aos equipamentos e aos meios eletrônicos às partes e aos procuradores que deles não disponham (Resolução nº 13/2004, da Presidência do TRF/4ª Região, art. 2º, §§ 1º e 2º), de forma que, a princípio, ninguém tem o acesso à Justiça ou o exercício da profissão impedido em decorrência do processo eletrônico.

A partir de então, passo a passo, o sistema evoluiu. Atualmente, ele se encontra implantado nos JEFs dos cinco TRFs. Nos Juizados Especiais da Justiça Estadual ele avança sistematicamente, já tendo alcançado 21 dos 27 (DF incluso). A mudança é positiva. Vejamos.

No sistema e.proc (TRF-4), o advogado é quem distribui o processo e a distribuição é imediata, surgindo na tela o nome do relator. Se ele for ao tribunal no dia seguinte para explicar o motivo do agravo, certamente encontrará a decisão já pronta.

O agravo não precisa de cópia disto ou daquilo (v.g., da inicial). É a petição de recurso e pronto. Isto porque o relator acessará o processo e terá à sua frente todas as peças.

O advogado constituído, ao ser intimado de uma decisão, terá na tela todas as fases do processo. Portanto, não corre o risco de viajar horas de carro para atender uma decisão e daí constatar que a providência é dispensável. Ademais, ele pode estar passando suas férias em um resort do Nordeste e de lá mandar sua petição para uma ação que tramita em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.

Os servidores têm diante de si a possibilidade de trabalhar em casa, dirigindo-se à Justiça um ou dois dias da semana. Em tempos de tráfego intenso, ver-se livre de ruas congestionadas é um alívio. Evidentemente, este tipo de concessão deve ser regulamentado e exige uma boa dose de responsabilidade do servidor e da chefia.

Os balcões das secretarias ou cartórios esvaziam-se. Diminuem as desgastantes discussões entre advogados e funcionários. Idem os telefonemas. Servidores podem ser redirecionados a outras atividades.

Do ponto de vista ambiental, economiza-se papel. Milhares de árvores são poupadas. Há economia de dinheiro, pois não se compram centenas de caixas de papel, clipes, grampeadores e aqueles objetos dignos dos museus judiciários, os carimbos tão venerados pelos antigos funcionários.

O prazo de tramitação diminui. O processo eletrônico é o fim daquela abominável súplica dos advogados para que a petição seja juntada e o processo concluso.

Na esfera criminal nada impede que a Polícia Judiciária aja da mesma maneira. Assim já é feito pela Polícia Federal na 4ª Região da Justiça Federal (Sul). Nada impede que um delegado de Polícia Civil de um pequeno município acerte com o promotor e o juiz de uma comarca que já opere no sistema o ingresso da Polícia na modernidade.

Mas, como nada é perfeito, alguns problemas existem. O primeiro deles é a adaptação a esse novo mundo, principalmente para os que foram iniciados nas antigas máquinas de escrever. Alguns, saudosistas, ainda mantêm a velha Remington 25 ou a Olivetti portátil Studio 44, que exigia do portador músculos de aço.

A leitura é mais cansativa do que a feita em papel. Espera-se que a evolução leve o processo eletrônico a ser lido como os livros no Ipad, inclusive permitindo que se folheiem as folhas e não que se tenha que abrir arquivo por arquivo.

Os juízes e servidores devem praticar ginástica laboral sob pena de adquirirem moléstias profissionais (v.g., tendinite). A visão continuada na tela também deve causar mal físico.

Outro aspecto difícil é a existência de programas diferentes. Com efeito, eles se desenvolvem muitas vezes em razão de iniciativas individuais e as opções podem ser diferentes em cada estado, fruto do poder de convencimento do vendedor, dos valores em jogo, da política local (p. ex., proteger empresários da terra) e outras peculiaridades. Com isto, um advogado pode ter que peticionar de forma diferente na Justiça Federal ou na Estadual.

O CNJ tenta uniformizar o processo eletrônico na Justiça de todo o Brasil através do sistema PJe. O TST adotou este sistema e tornou-o obrigatório nas 24 Regiões. O Conselho da Justiça Federal almeja implantá-lo nos cinco TRFs.

Eis uma visão geral dessa que me parece a verdadeira novidade no Poder Judiciário brasileiro. Outras, ainda que maquiadas com nomes novos, são bem antigas. A conciliação, por exemplo, já era prevista no artigo 161 da Constituição de 1824.

O processo eletrônico veio para ficar e o Brasil está bem à frente dos demais países. Aprimorá-lo é o próximo passo e nisto é preciso que todos os envolvidos exteriorizem suas dificuldades e deem sugestões.

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