Consultor Tributário

Chega em boa hora regime de PIS/Cofins para advocacia

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

26 de dezembro de 2012, 12h22

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No âmbito de reformas vindouras ou na aplicação do modelo atual, a não-cumulatividade das contribuições ao PIS e a Cofins não se pode empregar a todos os segmentos econômicos ou profissionais de modo equivalente, quando a cadeia não gera créditos suficientes para justificar um equilíbrio de carga tributária coerente com os demais contribuintes. Por isso, tem-se a possibilidade de adoção de “regime especial”, suficiente para afastar a quebra de isonomia quanto à cumulatividade. E essas demandas, expressamente autorizadas na Constituição, no artigo 195, parágrafo 9º, não indicam qualquer privilégio nas concessões dos regimes especiais, quando demonstrada a incapacidade de apuração de créditos na cadeia de cada setor.

Examinaremos aqui se se justifica a distinção de tratamento fiscal das sociedades de serviços advocatícios, entre regimes “cumulativo” e “não cumulativo”, unicamente com base nos critérios de apuração do “lucro presumido” ou do “lucro real”, com aplicação restrita a pouco mais de uma dezena de escritórios.

Não se põe em discussão o caso de incidência tributária das contribuições ao PIS e a Cofins às sociedades de advogados. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ser legítima a cobrança da Cofins de sociedades civis de prestadores de serviço profissionais, incluídos os escritórios de advocacia. Logo, afastada a Súmula 276 do STJ (As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado), pendente apenas a modulação dos efeitos da decisão, na linha do parecer do professor Luís Roberto Barroso, para que a cobrança se perfaça unicamente a partir da decisão (vide os Recursos Extraordinários 563.671, 377.457 e 381.964). Assim, excluída a demarcação temporal da cobrança da Cofins em relação ao passado, o certo é que o STF já consolidou entendimento quanto à incidência das contribuições. A questão gira em torno unicamente do regime.

O modelo não cumulativo das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins foi definido pelas Leis 10.684/03 e 10.833/03, com as alterações da Lei 10.865/04 e outras, a partir da Emenda Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003, que passaram a ter alíquotas das Contribuições ao PIS/Pasep, de 1,65% (no lugar daquela de 0,65% do cumulativo), e, quanto à Cofins, de 7,6% (sobre os 3% cumulativos).

Quanto ao método de apuração da não cumulatividade, o legislador ficou livre para empregar a melhor técnica que lhe pareceu para eliminar a superposição de créditos tributários na cadeia plurifásica, garantindo-se, assim, a carga tributária não cumulativa (art. 195, § 12, da CF). Mas não só. Constituição deixou à disposição do legislador autorizar o regime de “cumulatividade”, a depender da situação de cada pessoa jurídica, segundo os critérios entabulados no artigo 195, parágrafo 9º da CF.

Numa síntese, ao exame do artigo 195, I, e parágrafos 9º e 12, a Constituição deixou ao legislador liberdade para ordenar a base de cálculo e os regimes das contribuições sobre o faturamento. Com isso, vedam-se tratamentos gravosos sobre atividades econômicas ou profissionais “equivalentes” (art. 150, II, da CF), porquanto o critério de diferenciação não tem qualquer licença para ser discriminatório, ainda que possa variar “em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.”

Afastados na hipótese os casos de utilização intensiva de mão-de-obra e porte da empresa, o parágrafo 12 do artigo 195 da CF autoriza à “lei” o papel de distinguir a atividade econômica ou a condição estrutural do mercado de trabalho para determinar quando as contribuições serão não-cumulativas, sempre mantida a generalidade em cada uma, para distinguir validamente contribuintes. Assim, numa interpretação rigorosamente conforme a Constituição, a seleção dos setores deve acompanhar os critérios constitucionais da atividade econômica ou da condição estrutural do mercado de trabalho (art. 195, § 9º, CF), que não poderiam ser afastados na separação dos regimes aplicáveis às pessoas jurídicas.

E coloca-se, então, o desafio de saber se regimes especiais fundados na ausência ou dificuldade de apuração de créditos podem excluir atividades que sabidamente têm dificuldades equivalentes e, tanto mais, se profissões regulamentadas para as quais seja vedada a mercancia, como médicos e advogados, que sabidamente não apropriam créditos em relevância, podem receber da lei tratamentos diferentes. Em ambos os casos, a resposta será negativa.

A pessoalidade da tributação é uma das principais justificativas para a diferenciação de regimes tributários, como prescrito no artigo 145, parágrafo 1º, da CF, autorizada, porém, a discriminação entre os contribuintes que “não” se encontram em situação equivalente, desde que seja esta uma diferenciação coerente com a pessoalidade. Portanto, a pessoalidade na demarcação dos regimes tributários é fundamental para definir tanto a apuração da capacidade contributiva (individual) quanto os limites da discriminação tributária.

Regime especial é termo geralmente usado para designar tratamentos específicos e que refogem ao regime geral do tributo, na formação ou apuração do crédito tributário, no emprego de obrigações acessórias ou nos controles da fiscalização.

É pelo recurso aos chamados regimes especiais que a técnica tributária acomoda o regime geral do tributo à realidade econômica ou procedimental do tributo os das práticas administrativas, com vistas à obtenção de maior eficiência na fiscalização, na arrecadação ou em favor do melhor equilíbrio da distribuição da carga tributária entre contribuintes, mas sem qualquer efeito de vantagem competitiva, recomposição de desigualdade ou estímulo, mediante gasto público, como ocorre com os chamados benefícios ou incentivos fiscais.

Atualmente, os regimes de tributação do PIS e da Cofins podem ser resumidos nas seguintes modalidades:

1.      Regime não cumulativo de apuração — aplicação da técnica da não cumulatividade fundada nos descontos permitidos (salvo as exceções previstas, repartidas por setores de atividade);

2.      Regime especial de apuração — não cumulatividade acompanhada de descontos fixos definidos por lei, apurados entre incidências e deduções ao longo de uma cadeia-tipo;

3.      Regime especial cumulativo de apuração — reserva da manutenção da cumulatividade, excluído o direito aos descontos, segundo pessoas, setores ou atividades, por expressa disposição de lei (art. 195, § 9º da CF).

Justamente para assegurar tratamento conforme à atividade econômica, temos o exemplo do exercício da profissão médica, na forma de pessoa jurídica. O artigo 21 da Lei 10.865, de 2004, introduziu no artigo 10 da Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003 o seguinte inciso, sob o regime cumulativo: “XIII — as receitas decorrentes de serviços: a) prestados por hospital, pronto-socorro, clínica médica, odontológica, de fisioterapia e de fonoaudiologia, e laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas; e b) de diálise, raios X, radiodiagnóstico e radioterapia, quimioterapia e de banco de sangue.” Esta inclusão vê-se coerente com o que dispõe o parágrafo 9º do artigo 195 da Constituição e com a forma de atuação dos médicos, haja vista a reduzida capacidade de absorver créditos dos respectivos custos ou mesmo de gera-los na cadeia.

Deveras, não há qualquer diferença com aquilo que se verifica com as sociedades de advogados, ressalvado que a maioria destas já se encontra sob o regime cumulativo das contribuições ao PIS e a Cofins, porquanto submetidas ao regime de “lucro presumido”, à semelhança da maioria das clínicas médicas. O problema, portanto, é residual e concentra-se naqueles casos que se reservam ao regime de “lucro real”, numa evidente discriminação e prejuízo à capacidade de crescimento das demais sociedades, tolhidas que estão na sua capacidade de expansão.

Para solucionar este prejuízo à isonomia entre profissões regulamentadas e às quais é defeso a mercantilidade, de fato, a lei pode perfeitamente distinguir do “regime geral” de não cumulatividade a inclusão das sociedades de advocacia em “regime especial” de cumulatividade, como autoriza o artigo 195, parágrafo 9º, CF.

E foi assim que a Medida Provisória 575, de 7 de agosto de 2012, na sua redação aprovada no Congresso, autorizou o regime cumulativo de PIS/Pasep e Cofins às receitas decorrentes da prestação dos serviços de advocacia, independentemente do porte do escritório (com ou sem lucro presumido). Nesta linha de tratamento, os artigos 2º e 3º da Medida Provisória 575, de 2012, incluem no artigo 8º da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e artigo 10 da Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, respectivamente, “as receitas decorrentes dos serviços prestados pelas sociedades de advogados regulamentadas pela Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.” Como consta da sua justificativa, corretamente: “Impõe-se notar que, ao contrário dos setores de indústria e comércio, as sociedades de advogados prestam serviços exclusivamente com a mão de obra de seus profissionais, a qual não dá direito a crédito.” Como dito, o texto foi aprovado pelo Congresso e aguarda a sanção presidencial.

Os motivos de isonomia são os de maior evidência neste caso. Distribuir, equitativamente, o custo com a despesa pública é uma virtude dos governantes, mas, seja qual for o regime adotado, a preservação da pessoalidade e da isonomia perante a lei, e na lei, é dever incontornável.

A legitimidade da tributação, com base na justiça tributária, não se perfaz sem fiel observância do princípio da igualdade. O artigo 150, II, da CF, é uma garantia expressa para assegurar os sujeitos passivos contra qualquer tipo de discriminação, como tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Para confirmar se persiste alguma divergência de tratamento deve-se adotar critério de comparação, pois toda “igualdade” é relativa, demanda uma comparação para bem determinar o que quer significar “situação equivalente” em cada caso.

Por tudo isso, já se percebe a insuficiência do paradoxo da capacidade contributiva, pois, ao mesmo tempo em que se presta como fundamento para autorizar o exercício da competência tributária (i), contempla em si mesma o gérmen da sua proibição, vedado seu exercício em prejuízo da pessoalidade ou da quantificação segundo a capacidade econômica do sujeito passivo (ii). E isso vale tanto para a criação do tributo quanto para sua cobrança, quando verificada a ocorrência do fato tributário previsto em lei, ou seja, manifestações de capacidade contributiva in abstracto (competência tributária) e in concreto (capacidade tributária ativa).

Ora, situação nada “equivalente” é a que se verifica no âmbito das sociedades de advogados em relação às demais formas de atividades econômicas. Segundo o Estatuto da OAB, a Lei 8.906/1994, está vedada aos advogados a prática de atos de comércio. Logo, uma legislação de PIS/Cofins nitidamente direcionada aos setores de varejo e indústria (quanto à sistemática de aproveitamento de créditos) não se pode aplicar, de forma idêntica, às sociedades de advogados.

Neste sentido, não há diferença alguma entre a motivação para autorizar o direito ao regime especial cumulativo às sociedades de advogados ou clínicas médicas e a motivação que justifica o regime especial de “crédito presumido” para as indústrias de produtos alimentícios de origem vegetal e animal, por meio do artigo 8º, da Lei 10.925/2004, dentre outros. Nestes, mantida a não cumulatividade, a concessão de crédito presumido restaura o equilíbrio, pois permite que pessoa jurídica que não teria direito aos créditos ordinários, possa aproveitar o crédito presumido do PIS/Cofins. Em ambos os casos está a ausência (cumulativo) ou a dificuldade (presumido) de apuração de créditos nas etapas anteriores da cadeia.

As contribuições assinaladas, sabe-se, afetam gravemente a economia e com maior força os setores produtivos e de prestação de serviços. Daí, por dever de justiça fiscal, cumpre subordiná-las ao exame do legislador sobre a adoção da sua forma cumulativa, visando a reduzir o impacto negativo contra as atividades econômicas, mormente aquelas desprovidas da capacidade de absorção de créditos na cadeia ou da transferência dos seus custos de forma efetiva, como é o caso das sociedades de advogados, o que poderá vir a ser corrigido, caso aprovada a MP 575, de 2012.

Por tudo isso, a cumulatividade das contribuições ao PIS e a Cofins aplicada às sociedades de advogados encontra-se em plena conformidade com o texto constitucional do artigo 195, parágrafo 9º, em razão da atividade econômica dos contribuintes, pois não se geram créditos relevantes nos custos das atividades e estas sociedades não transferem a terceiros o ônus tributário na cadeia. E motivos de isonomia o recomendam, pela adoção do regime especial de cumulatividade, na equivalência exigida pelo artigo 150, II, da CF, como outras profissões, como a dos médicos, para as quais a lei veda igualmente a mercantilidade. Portanto, chega-nos em boa hora a medida adotada, inclusive como estímulo ao setor dos serviços jurídicos no mercado nacional.

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