Crime de responsabilidade

Collor entra com representação contra Roberto Gurgel

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18 de dezembro de 2012, 17h37

O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) anunciou nesta terça-feira (18/12) que entrou com representação contra o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, depois de ele não ter comparecido a reunião da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCai), convocada para ouvi-lo sobre o uso de serviços de inteligência pelo Ministério Público. Collor afirma que o PGR “cometeu crime de responsabilidade e delito de prevaricação”.

Segundo a representação enviada nesta terça ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Collor acusa Gurgel de ter sobrestado sem justificativa a Operação Vegas da Polícia Federal, deflagrada para apurar denúncias de tentativa de cooptação de um policial federal por membros de organização criminosa. Foi a operação que deu origem à Operação Monte Carlo, que apurou a existência de uma organização em Goiás destinada ao jogo ilegal.

Collor afirma que Roberto Gurgel violou o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.034/1995, que diz que a ação controlada de retardar inquéritos policiais pode ser feita desde que a organização investigada seja mantida sob acompanhamento e observação. Para o senador, porém, o procurador-geral da República não apresentou nenhum motivo para reter o inquérito e nem manteve os investigados em observação. “Simplesmente reteve o inquérito, com o que permitiu a livre atuação da organização criminosa, sem qualquer observação ou acompanhamento por parte da polícia.”

Quando determinou a retenção do inquérito da Operação Vegas, Gurgel, durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a ligação de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com parlamentares, afirmou que o acompanhamento dos investigados havia ficado a cargo da Operação Monte Carlo. Dizer isso, segundo a representação assinada por Collor, é “ofender a inteligência dos membros da CPMI”.

“Mais grave ainda é afirmar que a Operação Monte Carlo somente foi exitosa por conta do sobrestamento da Operação Vegas. O argumento, falacioso, cai por terra diante da ausência de elo entre essas investigações policiais”, continua o documento.

Informações sigilosas
“Pior”, para o senador Fernando Collor, foi que Roberto Gurgel deliberadamente vazou para órgãos da imprensa informações sigilosas constantes das investigações da Polícia Federal. Isso, segundo o senador, ficou comprovado no depoimento de procuradores e delegados federais durante a CPI do Cachoeira.

“Não resta dúvida”, diz a representação, que Roberto Gurgel “utilizou-se de seu cargo para atender a interesses pessoais e beneficiar amigos, colaborar com os meios na divulgação de informações sob segredo de Justiça e, pior, usar das informações em seu poder para fazer pressão e até chantagem contra autoridades com prerrogativa de foro”.

Reunião
Fernando Collor é presidente da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência. A reunião convocada para esta terça pretendia ouvir Gurgel o uso de serviços de inteligência pelo Ministério Público em investigações. Segundo comunicado da Presidência da comissão, Gurgel foi convidado diante da “insistência” do MPF em participar dos trabalhos.

"Houve um problema de incompatibilidade de agendas", pois Gurgel tem sido constantemente solicitado ao Supremo Tribunal Federal para acompanhar as sessões de julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Foi o que informou, ao secretário da CCai, o secretário da PGR, Vitor Eduardo Almeida Saback, da Assessoria de Articulação Parlamentar da PGR, no dia 13 de dezembro.

Diante dessa informação, no mesmo dia, a presidência da comissão sugeriu a Vitor Saback a data desta terça, às 11h, sabendo que Gurgel não estaria no Supremo, já que não há sessão do Pleno.

No dia seguinte, sexta-feira dia 14 de dezembro, estourou o prazo de dois dias úteis para que o convidado aceitasse ou negasse o convite. Às 16h50, conforme comunicado da CCai, o MPF enviou ofício afirmando que Roberto Gurgel tinha “compromissos inadiáveis assumidos anteriormente”. Para a presidência da Comissão, “a forma inapropriada e os termos inarticulados do documento revelam um autêntico desdém e menosprezo de um órgão público para com um poder da República”.

A ausência, para Fernando Collor, é “fruto do descaso em relação ao Congresso nacional e, portanto, ofensiva ao Poder Legislativo”. E acusa Gurgel de chantagear parlamentares. “Vejam que ironia: cabe ao Senado da República privativamente julgar e condenar o Procurador-Geral da República por crime de responsabilidade. Ele desdenha desta instituição republicana, chantageia alguns de seus integrantes, comete crime de prevaricação. Já está na hora de se dar andamento à representação em curso nesta Casa por crime de responsabilidade.”

Perda de mandatos
Na representação encaminhada à Presidência do Senado nesta terça, Collor se mostrou preocupado com o resultado do julgamento da Ação Penal 470. Principalmente quando o Supremo decidiu que a condenação criminal pelo STF enseja a perda de mandato parlamentar.

O Supremo decidiu, por cinco votos a quatro, que cabe ao Judiciário a última palavra quanto à cassação de mandato parlamentar em caso de condenação criminal. Foi a interpretação dada ao inciso III do artigo 15 e aos incisos IV e V, parágrafos 2º e 3º, do artigo 55 da Constituição Federal.

A decisão foi considerada pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado Marco Maia (PT-RS), uma “ingerência” do Judiciário no Legislativo, já que, para ele, a Constituição deixa ao Congresso a decisão de cassar ou não parlamentares condenados em ações penais.

Para Collor, “se mesmo com dúvida sobre a competência judicial para decretar a perda de mandato parlamentar, o Supremo Tribunal Federal entendeu que deputados condenados criminalmente deveriam perder seu mandato, essa dúvida não pode persistir frente a condutas como as do procurador-geral da República”.

Procurada pela reportagem da ConJur, a Procuradoria-Geral da República, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que "por enquanto" não vai se pronunciar sobre o assunto.

Em nota enviada à imprensa, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) repudiou as acusações. "É inteiramente descabida, injustificada e inaceitável a reação destemperada do senador", diz o comunicado.

O texto diz que as alegações de Collor "em nada poderiam caracterizar o trabalho obstinado e incontestável" de Gurgel. "A despeito das manifestações avessas ao ideário republicano, os procuradores da República não se intimidarão, exercendo de maneira incansável, dentro de suas atribuições, seu dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis."

*Texto alterado às 19h50 da terça-feira (18/12) para acréscimo de informações.

Clique aqui para ler a Representação de Fernando Collor contra Roberto Gurgel.
Clique aqui para ler o comunicado da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Senado.

Leia abaixo a nota da ANPR:

Procuradores da República repudiam declarações do senador Fernando Collor

A Associação Nacional dos Procuradores da República repudia as acusações do senador Fernando Collor (PTB/AL) ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, desta terça-feira, 18. É inteiramente descabida, injustificada e inaceitável a reação destemperada do senador, que representou o procurador-geral, por ele não ter atendido a simples convite formulado à última hora pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).

As acusações de “chantagem”, “prevaricação” e “desdém” em nada poderiam caracterizar o trabalho obstinado e incontestável do procurador-geral na condução de investigações e de ações do Ministério Público Federal, bem como o respeito que sempre demonstrou pelo Parlamento, em particular, pelo Senado Federal, como é regra a todos os procuradores da República.

A atuação idônea, austera e transparente dos membros do MPF é uma marca do trabalho desenvolvido em todo país. Servem de exemplo os casos recentes de condenação de agentes políticos e mandatários que desonraram suas funções e cometeram crimes contra o erário público. Por isso, a ANPR rejeita qualquer crítica infundada, sem provas e fantasiosa a respeito do trabalho de procuradores da República, que pautam o seu cotidiano pelo combate incansável à corrupção e à criminalidade.

A ANPR respeita não apenas a prerrogativa constitucional dos parlamentares de emitirem suas opiniões, como também a população que os elegeu e posicionou como um dos Poderes da República, mas ressalta que o direito constitucional a imunimente manifestar opiniões não é absoluto, como não o é qualquer direito, e hoje infelizmente parecem ter sido extrapolados os limites dos fatos e da realidade.

A despeito das manifestações avessas ao ideário republicano, os procuradores da República não se intimidarão, exercendo de maneira incansável, dentro de suas atribuições, seu dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

José Robalinho Cavalcanti
Procurador da República
Presidente em Execício da ANPR

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