Alto desempenho

Produtividade de servidores do TJ-SP aumentou 20%

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15 de dezembro de 2012, 7h11

“Limpe o prazo oito, certifique decurso do prazo e abra–se conclusão. Após, imp.”* Traduzir uma ordem como essa não está entre as exigências para passar em um concurso público, mas é um dos primeiros desafios de quem é aprovado para uma vaga de cartorário no Tribunal de Justiça de São Paulo. Para auxiliar os recém-aprovados e melhorar o desempenho deles, o TJ-SP passou a oferecer um curso prático intensivo, que conta com um “simulador de cartório”, onde os novos servidores desempenham suas funções “de mentirinha”, com processos que já foram arquivados.

No cartório simulado, os novos servidores vão aprender que a mensagem quer dizer: "Retire todos os processos cujo prazo para cumprimento de alguma determinação vence no dia 8, certifique que a determinação não foi cumprida, mande ao juiz para conclusão e, depois, publique a conclusão do juiz na imprensa oficial".  Essa é uma das ações do Centro de Treinamento e Apoio aos Servidores (Cetra), que, em 10 meses de funcionamento, aumentou de 20% a 24% a produtividade dos servidores da corte.

Além do “curso” de cartório, os servidores também assistem a palestras sobre gestão de alto desempenho, administração do Judiciário e outros assuntos. Os participantes são convidados a compartilhar com seus colegas as melhores práticas que desenvolvem em seus setores. As boas iniciativas são registradas pelo tribunal em uma espécie de manual, que hoje já conta com mais de 100 contribuições.

O Cetra é fruto de uma parceria entre o tribunal e o Grupo de Excelência em Administração Legal (Geal) do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP). O coordenador do Geal, Rogério Góes, é quem faz as palestras — que ele chama de conversas — sobre gestão. “Eu apresento ferramentas de gestão que podem ser usadas pelos servidores quando eles precisarem”, explica.

Kauy Lopérgolo, que é servidor do tribunal há 37 anos e hoje ocupa o cargo mais alto da hierarquia, como secretário da Presidência da corte, conta que a ideia de criar o Cetra surgiu assim que o desembargador Ivan Sartori foi eleito presidente da corte, no início de 2012. “O desembargador me chamou e perguntou o que poderíamos fazer para valorizar o servidor do Judiciário”. Como Kauy já participava das reuniões do Geal desde 2009, propôs uma parceria — na qual tudo é feito gratuitamente pelo CRA-SP, desde as palestras até a concessão de locais para os encontros, normalmente em faculdades.

O custo das palestras de gestão de alto desempenho, que, até janeiro, deverão ser feitas para 1,5 mil servidores de diferentes pontos do estado de São Paulo, é muito baixo. “As universidades cedem o espaço gratuitamente, em parcerias com o CRA-SP, e o palestrante é voluntário”, explica Lopérgolo. A equipe do Cetra conta com apenas oito servidores. Os gastos do tribunal são, praticamente, com transporte — em carro oficial — e com estadia em hotéis no interior do estado.

As outras palestras, sobre assuntos variados, são feitas no próprio TJ-SP, com palestrantes também voluntários, e são transmitidas para o resto do estado por teleconferência. No tribunal, comparecem cerca de 400 pessoas a cada palestra. Pelos cálculos do Cetra, cerca de 20 mil servidores já foram alcançados pela iniciativa.

O baixo custo e a efetividade do projeto repercutiram em Brasília e Lopérgolo afirma já ter sido convidado para apresentar o caso ao Conselho Nacional de Justiça. “O Cetra está muito popular”, brinca.

Como a ação é nova, além de despertar curiosidade em Brasília, traz o medo de atropelar regras, na pressa em inovar. Para evitar isso, foi criado um mecanismo: para que uma metodologia apresentada por um servidor seja incorporada ao “banco de boas práticas” ela é, primeiro, analisada pela corregedoria interna do tribunal.

Além de padronizar a atuação dos servidores nos cartórios, a intenção é também melhorar o ambiente de trabalho. Ao tratar a gestão, a ideia é combater ainda o assédio moral, que, segundo Lopérgolo, ainda é um problema sério para o tribunal. “Estamos combatendo o assédio moral violentamente, tanto interno quanto externo”, afirma ele.

O assédio externo é o praticado por advogados e partes, que tratam o servidor de forma agressiva. O interno é o praticado por chefes com seus subordinados. Infelizmente, talvez pela estabilidade do cargo público, o assédio interno é muito forte. Encontrar esse cenário “foi decepcionante”, diz Lopérgolo. Além de conversas e repreensões aos assediadores, houve casos em que o tribunal tirou as pessoas de seus cargos de chefia. “Em determinados casos, o funcionário público pode ser demitido, sim”, lembra Lopérgolo, para quem o assédio é intolerável.

Leia, abaixo, trechos da entrevista com Kauy Lopérgolo e Rogério Goes.

ConJur – Como surgiu o Cetra?
Kauy Lopérgolo – Quando o desembargador Sartori foi eleito presidente do tribunal, me convidou para participar e fazer algo em prol da capacitação e valorização dos servidores. Ele é um presidente totalmente voltado à gestão, focado no primeiro grau do Judiciário. Foi aí que nasceu o Centro de Apoio aos Servidores do Tribunal de Justiça. O presidente dividiu o estado em dez regiões, e faz, a cada mês, uma visita participativa a uma região, onde conversa com diretor, funcionários, juízes e a imprensa local. Surgiu, então, a ideia de, a cada viagem participativa, reunirmos todos os diretores, os gestores da região e fazermos um trabalho de melhoria das práticas cartorárias e forenses, mas sentíamos a necessidade de algo mais. Lembrei, então, do trabalho do Rogério Góes no CRA-SP, nas reuniões que eu já freqüentava desde 2009. Ele encampou essa luta para a gente poder abrir as portas do tribunal, trazendo as palestras sobre desempenho. Hoje já visitamos oito das dez regiões.

ConJur – O CRA-SP trouxe uma visão mais técnica?
Kauy Lopérgolo – Nós temos a técnica, mas, hoje, com o mundo moderno e 22 milhões de processos em andamento, nós temos que cuidar da gestão de pessoas. Atrás dos processos e equipamentos há pessoas trabalhando e é nisso que o CRA-SP traz o foco.

ConJur – Existe uma troca de expertise?
Rogério Góes – Tecnicamente, a gente usa uma estrutura de “ilhas de excelência”, onde as pessoas contam umas para as outras o que fazem de melhor, como fazem melhor. Elas escolhem temas e descrevem como desenvolvem determinada tarefa e, no final, eles escolhem quem faz melhor. Então, se você tem 200 pessoas são 10 grupos de 20, que vão escolher as melhores práticas para o banco de ideias, que se torna uma prática disseminada entre os outros servidores.

ConJur – Nessa palestra de gestão de alto desempenho, quais são os tópicos essencialmente abordados?
Rogério Góes – Primeiro partimos do princípio que a gente não está indo lá ensinar nada para eles. De outro modo eu não estaria sendo verdadeiro, pois eu não entendo nada de trabalho de cartório. O Kauy tem 37 anos de cartório, fala extremamente de perto para eles, na “linguagem” deles. Eu vou contar para eles as ferramentas que o administrador tem, para eles guardarem e usarem quando acharem importante ou conveniente. Eu falo de gestão de ações, de liderança e motivação, equipe de alto desempenho, explico o que são ilhas de excelência e, durante a tarde, eles vivenciam a experiência das ilhas.

ConJur – Isso é o que o setor privado chama de reciclagem de profissionais?
Kauy Lopérgolo – Exato. Antigamente, eles tomavam posse e já iam para seus locais de trabalho, os cartórios as unidades, sem conhecimento nenhum. Fizemos, então, umas apostilas básicas de cartório, onde eles trabalhavam e quais seus deveres. Achei que era muito pouco, e fizemos uma cartilha básica. Agora, depois de empossado, o servidor fica no Cetra por uma semana. Em uma sala nós montamos até um mini cartório, com todos os detalhes que tem um cartório, com exercícios práticos, fazendo eles autuarem, publicarem e despacharem em processos antigos, que já estão arquivados.

ConJur – E quais os planos do Cetra para o ano que vem?
Kauy Lopérgolo – Nós vamos terminar os eventos para gestores, indo às duas regiões que faltaram esse ano. Depois, nós vamos promover eventos para escreventes, chefes e agentes, o que deve atingir mais de 5 mil pessoas.

ConJur –Existe uma maneira de mensurar rendimento dos funcionários?
Kauy Lopérgolo – Sim, tem como mensurar. Estatística feita pelo núcleo de gestão e planejamento do tribunal aponta que, em dez meses, houve melhoria entre 20% e 24% no rendimento dos trabalhos nos cartórios da corte.

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