Diário de Classe

O mensalão e a querela sobre a perda de mandatos

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15 de dezembro de 2012, 6h31

Estudar teoria do direito e ensinar os seus elementos aos calouros do curso de graduação não é tarefa fácil. Além das dificuldades pedagógicas triviais, existe, também, uma espécie de pré-conceito que povoa o imaginário discente e que se manifesta na seguinte pergunta: “para que serve isso?”. Por vezes, o professor se vê diante da patética necessidade de explicitar o óbvio: estuda-se teoria do direito – bem como as demais disciplinas propedêuticas – para que se tenham maiores condições de compreensão da “realidade circundante”; para que o estudante saiba identificar melhor o seu lugar em meio às demais ciências sociais; para que se possa construir uma situação hermenêutica capaz de produzir um horizonte para o enfrentamento de questões futuras, etc., etc., etc.. Hercúlea é a tarefa daquele que pretenda efetuar uma ligação entre os pontos discutidos no âmbito da teoria do direito e os plugues da prática forense.

Eis que, durante a 52a Sessão do julgamento da AP 470, o Supremo Tribunal Federal deu amostra dessa dificuldade. Debatiam os ministros sobre a questão da perda dos mandatos dos deputados federais condenados na referida ação. O problema colocado era se a perda dos mandatos seria um efeito da coisa julgada da decisão penal condenatória ou se, ao revés, caberia ao parlamento decidir – de forma política e discricionária – pela decretação ou não da perda dos respectivos mandatos. Muitos argumentos foram lançados num e noutro sentido. A ministra Carmem Lúcia, por exemplo, lembrou que se tratava de um problema de interpretação da Constituição. Já o ministro Dias Toffoli viu na hipótese vertente um caso de antinomia, tal qual descrevera Norberto Bobbio em sua Teoria do Ordenamento Jurídico.

Ambos, problemas de teoria do direito. Ambos possuem uma íntima ligação. Explicarei adiante. Por ora, preciso reproduzir em linhas gerais o argumento do ministro Toffoli. Para ele, a antinomia se apresentava no interior do próprio texto da Constituição uma vez que o art. 15, inciso III estabelece que a condenação criminal transitada em julgado suspende os direitos políticos do condenado enquanto durarem seus efeitos. No mesmo passo, o art. 55, inciso VI estabelece que perderá o mandato o deputado ou senador que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Já o § 2o do mesmo artigo 55 estabelece que, nos casos dos incisos I, II e VI (portanto nos casos de sentença criminal condenatória com trânsito em julgado), a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva mesa ou de partido político representado no congresso nacional, assegurada a ampla defesa.

Desenhada essa “contradição constitucional”[1], o ministro finalizou seu voto seguindo a divergência aberta pelo revisor e perfilando o entendimento de que a decisão sobre a perda do mandato caberia, única e exclusivamente, à Câmara dos Deputados.

Seria o caso de se perguntar ao ministro: “para que serve isso?”, vale dizer, qual a necessidade de se ventilar a hipótese da teoria do ordenamento de Bobbio e o problema das antinomias se, ao final, não foram mencionadas:

a) de que tipo de antinomia se tratava, se aparente ou insolúvel.

b) Em se tratando de uma antinomia aparente, qual critério teria sido utilizado para solucionar o aparente conflito e determinar a posição adotada no voto.

Ao final, fica a perplexidade derivada do uso meramente cosmético ou ornamental da proposta teórica aventada, já que não se sabe bem ao certo de que modo essa construção auxiliou efetivamente no deslinde da questão.

A questão seguiu. Em aberto. Passou-se a considerar, então o problema da interpretação. Ao fundo, continuava a ecoar a teoria do ordenamento jurídico (o ministro Celso de Melo lembrou, de maneira oportuna, que as antinomias – nos termos propalados por Bobbio – poderiam ser aparentes ou insolúveis, mas a indefinição sobre o tipo de antinomia que cabia na hipótese sub judice permaneceu).

É intrigante a justaposição entre interpretação e teoria do ordenamento jurídico. É sobejamente sabido que a teoria de Bobbio não se apresenta como uma teoria interpretativa. Tampouco se apresenta como uma teoria que enfrente os problemas interpretativos que caracterizam a experiência jurídica. Bem ao contrário, trata-se de uma teoria que pressupõe o ordenamento jurídico como um dado da realidade “objetiva”; algo que possui uma existência natural. Não está presente aqui toda a complexidade e profundidade que cerca o conceito de interpretação depois do “giro hermenêutico”, que se radicaliza no ambiente da filosofia continental a partir da década de 1960. Muitas das teorias do direito – mais contemporâneas que a de Bobbio – como as de Friedrich Müller, Ronald Dworkin e Lenio Streck incorporam essas questões. Em todas elas há uma problematização que acaba por encarar o próprio conceito de direito como um conceito interpretativo.

A perplexidade do “para que serve?” se apresenta, agora, em duas vertentes:

a) por que invocar a teoria do ordenamento se a solução apresentada não esclarece em que sentido os seus postulados levam à solução do problema?

b) A essa altura dos acontecimentos, diante de um universo imenso de discussões no campo da teoria do direito e da interpretação, é espantoso perceber que os ministros continuam a discutir o problema invocando clássicos e ultrapassados conceitos como os de “interpretação restritiva”, “interpretação extensiva”, “teoria do ordenamento jurídico,” dentre outros.

Talvez seja essa aproximação oblíqua da Teoria do Direito que acaba por levar a discussão por caminhos tortuosos – por vezes reducionistas – do ponto de vista da juridicidade.

Vejamos, por exemplo, o caso do “esquecido” art. 92 do Código Penal. E a palavra esquecido está grafada entre aspas porque, nalgum momento, ele fora corretamente lembrado. Além do voto do próprio ministro relator, podemos mencionar, ainda, o único voto proferido pelo ministro César Peluso, no que tange à condenação de João Paulo Cunha. No seu voto, o ministro invocou e justificou a incidência do art. 92, I do CP ao caso em análise. No entanto, a decisão do ministro revisor, bem como daqueles que o seguiram (inclusive o longo voto da ministra Rosa Weber), analisam a questão a partir da mera exegese do texto da Constituição, sem remeter ao problema da aplicação ou não do art. 92, I do CP.

Ora, o art. 92, inciso I do Código Penal – cuja redação lhe foi dada pela lei 9.268/1996, posterior à Constituição, pois! – estabelece como efeito da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo (frisa-se: mandato eletivo) em duas hipóteses:

a) quando a pena aplicada for privativa de liberdade, por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública. Frisa-se: violação de dever para com a administração pública;

b) nos demais casos, quando a pena privativa de liberdade for por tempo superior a quatro anos. Frisa-se: pena privativa de liberdade superior a quatro anos.

O parágrafo único do mesmo artigo estabelece a necessidade de que estes efeitos constem expressamente da decisão, uma vez que precisam ser motivados pelo órgão julgador.

Portanto, a menos que haja revisão da condenação dos réus e eles acabem absolvidos (o que não parece ser o caso), parece-me óbvio que, em face do caso vertente estar contemplado nas duas hipóteses do referido dispositivo, a perda do mandato representa efeito da coisa julgada, devendo a própria sentença penal condenatória declará-lo de forma fundamentada.

Vejo, no entanto, que defensores da democracia (qual?) se alinham para dizer que esse seria um ato de juristocracia; que o judiciário estaria invadindo uma competência do Legislativo guarnecida pelo art. 55 § 2o. da CF/1988.

Muito bem: a lei que estabeleceu a redação do art. 92, inciso I – ao que consta – foi votada nos termos do devido processo legislativo, previsto pela Constituição. Ao considerar, de forma motivada, a perda do mandato como efeito da condenação criminal transitada em julgado, o judiciário está interpretando um texto legitimamente oriundo do próprio poder legislativo. Atua, pois, no âmbito estrito das suas funções. Função essa que lhe foi conferida pelo próprio poder legislativo no momento em que editou a referida lei. De se ressaltar: essa lei é posterior a 1988!


Poder-se-ia arguir: mas essa lei é inconstitucional, uma vez que o § 2o. do art. 55 não reserva ao legislador ordinário a possibilidade de discriminar quais as condições para que a perda do mandato seja derivada da própria condenação (com o transito em julgado) e quais os casos que serão decididos pelo próprio parlamento. O art. 92, I do CP estaria em situação de descompasso com aquilo que prescreve o art. 55, § 2o. da CF, uma vez que criaria uma situação não permitida ou autorizada pela Constituição. Não haveria reserva legal para que a lei ordinária limitasse o alcance do § 2o. do art. 55 da CF.

Trata-se, a toda evidência, de um argumento válido. Todavia, no caso específico da AP 470, teríamos diante de nós um problema formal: em se tratando de inconstitucionalidade, a exclusão do art. 92, I do CP, não poderia se dar de forma – para usar um termo da moda – “automática”. Deveria ser suscitada questão de ordem para que pudesse ser observado o disposto no art. 97 da CF.

Isto é, dever-se-ia proceder à declaração incidental da inconstitucionalidade, em full bench, do art. 92, I do CP como questão prejudicial à analise da questão da perda dos mandatos.

Note-se: a única hipótese de afastamento da aplicação do art. 92, I no caso vertente seria em virtude de sua (possível) inconstitucionalidade.[2] Mas, para isso, seria necessário respeitar o devido processo legal no que diz respeito às regras processuais que regulam a declaração incidental da inconstitucionalidade. Algo que não ocorreu. Aliás, a eventual inconstitucionalidade do dispositivo sequer foi aventada!

É importante frisar que a omissão do art. 92, I do CP nos votos que consignaram a hipótese de aplicação tábula rasa do art. 55, § 2o enfraquece a respectiva tese. Isso porque, o elemento central para justificar a autonomia decisória do parlamento é a preservação da separação dos poderes e da convivência sadia das instituições. Todavia, essa “convivência sadia” estaria assentada no desrespeito de um dispositivo normativo criado e votado, legitimamente, por este mesmo parlamento. Um paradoxo: para deferir respeito ao parlamento, nega-se vigência ao art. 92, I do CP.

Ressalte-se: para ser afastado, esse dispositivo deveria ser declarado inconstitucional. A inconstitucionalidade não se presume. Existe, ao contrário, uma presunção de constitucionalidade dos atos do congresso nacional. Assim sendo, no silêncio do voto, deve-se presumir constitucional o referido dispositivo. Em se tratando de um dispositivo constitucional, por que motivo não estaria ele sendo aplicado ao caso em tela? E há mais… muito mais a ser dito!

A divergência sustentada por parte dos ministros da Suprema Corte serve como uma demonstração de que a coerência decisória não é, exatamente, uma preocupação comum. É importante consignar, contudo, que a necessidade dessa congruência jurisprudencial foi manifestada pelo ministro Gilmar Mendes durante o seu voto, naquilo que ele chamou de “necessidade de harmonização decisória”.

Veja-se, por exemplo, o caso da constitucionalidade da Lei da ficha limpa (LC n. 135/2010). Os ministros Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia votaram no sentido da improcedência da ADI n. 4578. Ora, essa lei impede que um cidadão condenado por um tribunal profissional se apresente como candidato. Vale dizer, uma condenação, em um órgão profissional, torna inelegível o sujeito. E mais: se, por acaso, o indivíduo passar pela malha-fina pré-eleição e acabar eleito, poderá perder o mandato por aplicação da LC 135/2010. A lei terá que ser interpretada pelo órgão jurisdicional competente. Logo, a perda do mandato se dará por… decisão judicial! E esse é um caso ainda mais grave porque sequer previsto no rol do art. 15 da CF ou nalgum dos incisos do art. 55 da CF.

Veja-se, também, o caso decidido nas ADIs n. 3999 e n. 4086. Nessa hipótese a Corte decidiu pela constitucionalidade da resolução do TSE que regulamentou as regras atinentes à fidelidade partidária. É no mínimo instigante que, nos termos da referida resolução, o parlamentar seja (automaticamente) destituído do cargo por infringência à regra de fidelidade partidária. Por outro lado, no caso muito mais grave de uma condenação criminal transitada em julgado, cuja condenação atesta a prática de um crime contra a administração pública, ele possa permanecer no exercício da função até que o parlamento delibere sobre a perda do mandato.[3]

Ainda nessa linha, um outro questionamento: por que razão a soberania popular ficaria ofendida (como alegou o ministro revisor em seu voto) no caso de a perda do mandato ocorrer como efeito da decisão condenatória com trânsito em julgado e não por ato do parlamento se, por decisão do próprio Supremo Tribunal, o mandato pertence ao partido ou coligação, nos casos em que forem formadas, e não à pessoa física que exerce a função? O partido (ou coligação) não perderá o mandato. O lugar deixado vago será preenchido pelo suplente de direito (que será da coligação, quando houver, ou do partido se este se apresentar isoladamente para o pleito). E tudo decidido, outrora, em homenagem à soberania popular (vide, nesse sentido, os votos do ministro Aires Brito e Carmem Lúcia proferidos nas referidas ADIs, bem como no MS 30260 e no MS 30272).

No momento em que escrevo essas linhas, ainda não conheço o conteúdo do voto do ministro Celso de Mello. Noticiou o site ConJur que o voto ficará para a próxima semana. Espero, sinceramente, que o ministro consagre aquilo que já projetou nas intervenções que fez durante os votos dos colegas de Tribunal.

Não me parece adequada a admoestação que tem sido feita, principalmente através da internet, com relação ao voto proferido pelo ministro Celso de Mello no RE 179.502. Sugere-se que, para ser coerente com a posição externada naquele julgamento, o ministro deveria votar no sentido estabelecido pela divergência. Todavia a situação jurídica que se afigura na AP 470 não se enquadra nas mesmas condições visualizadas no caso que deu ensejo ao julgamento do RE 179.502. Há vários elementos jurídicos a separar uma situação da outra.

Por exemplo, artigo 92, I do CP – naquele tempo – ainda possuía a redação dada pela lei 7.209/1984. Não especificava, v.g., condições como o tempo efetivo de pena a ser considerado como relevante nos casos de condenação por crime que importasse violação de dever para com a administração pública. De todo modo, já na redação antiga, o referido dispositivo possibilitava que as decisões condenatórias produzissem o efeito da perda do mandato nos casos de crimes praticados com abuso de autoridade, com violação de dever para com a administração pública ou que fossem apenados com pena igual ou superior a quatro anos.

Ademais, no caso do RE 179.502, discutia-se sobre a perda do mandato de vereador[4] em face de condenação que teve lugar pela prática de crimes eleitorais contra a honra, tipificados nos artigos 325 e 326 do Código Eleitoral, ambos apenados com detenção e com penas inferiores a um ano (considerando a redação atual do art. 92, I, a do CP, esse simples fator já excluiria sua incidência na hipótese ventilado no citado RE). É, portanto, de longe, uma situação diferente daquela que se observa na AP 470. E, repita-se, o caso não se enquadrava em nenhuma das hipóteses previstas no art. 92, I do CP. Tanto é assim que esse dispositivo sequer chegou a ser mencionado nos votos dos ministros que participaram daquela decisão. E não foi mencionado porque irrelevante, uma vez que não era aplicado ao caso. Algo diametralmente oposto ao que ocorre no caso dos deputados condenados na AP 470, no interior do qual a incidência do art. 92, I do CP é indiscutível (salvo, evidentemente, se o dispositivo for declarado inconstitucional, para o caso, nos termos do art. 97 da CF).

Minha opinião pessoal, por fim, é a de que o art. 92, I não é inconstitucional; não afronta o relevantíssimo art. 55, § 2o. da CF. Ao contrário, ele harmoniza e dá racionalidade ao que dispõe o § 2o. do art. 55. De fato, há casos em que se faz mesmo necessária a intervenção do parlamento para avaliar a conveniência e oportunidade da decretação da perda do mandato. Casos em que se ventila condenação por crimes culposos ou crimes de menor potencial ofensivo (salvo abuso de autoridade, que cairia na hipótese da alínea a do inciso I do art. 92 do CP), cujas circunstâncias não implicariam incompatibilidade com o exercício da função. Nesses casos, a possibilidade da perda do mandato deve mesmo ser resolvida pelo parlamento. Até porque a configuração da incompatibilidade exige um exame a posteriori das situações no interior das quais a condenação teve lugar.


Há casos, todavia, em que a incompatibilidade com o exercício do cargo é, a priori, evidente. Há casos em que não se apresenta como necessária uma avaliação do parlamento para que se tenha por caracterizada essa incompatibilidade. Afinal, por que seria necessária uma decisão da maioria absoluta da Câmara para dizer que um deputado, condenado por crimes como os de corrupção passiva ou peculato, praticou atos incompatíveis com o cargo? Seria uma redundância; a constatação de um óbvio.

 


[1] É importante frisar que a posição firmada pela Corte no RE 179.502 – que está sendo usado recentemente como uma (indevida) admoestação ao ministro Celso de Mello em face de sua virtual “mudança de posicionamento” – reconheceu a situação de tais dispositivos constitucionais como sendo a de uma antinomia aparente que deveria ser resolvida pelo critério da especialidade. Com efeito, naquela assentada, prevaleceu o entendimento (vencidos os ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio que davam pela não aplicabilidade automática do art. 15, III da CF) no sentido de que a lei especial restringe, nos limites de seu âmbito de proteção, a incidência da lei geral, sendo que o § 2o. do art. 55 seria aplicado apenas aos parlamentares federais, como uma exceção especial à regra do art. 15, III. (Cf. Gilmar Ferreira Mendes. Paulo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 792).

[2] Lenio Streck oferece um rol de seis hipóteses que tornariam possível ao julgador deixar de aplicar uma lei. Fora desses casos, o julgador estaria necessariamente vinculado à aplicação do dispositivo examinado. A inconstitucionalidade é a primeira das hipóteses. De se notar que, no caso em tela, nenhuma dessas seis hipóteses se apresentam como pertinentes. Nas palavras do autor: “o acentuado grau de autonomia alcançado pelo direito e o respeito à produção democrática das normas faz com que se possa afirmar que o Poder Judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei nas seguintes hipóteses:

a) quando a lei (o ato normativo) for inconstitucional, caso em que deixará de aplicá-la (controle difuso de constitucionalidade stricto sensu) ou a declarará inconstitucional mediante controle concentrado;

b) quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias. Nesse caso, há que se ter cuidado com a questão constitucional, pois, v.g., a lex posterioris, que derroga a lex anterioris, pode ser inconstitucional, com o que as antinomias deixam de ser relevantes;

c) quando aplicar a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua “literalidade”) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a Constituição;

d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), pela qual permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada(s) hipótese(s) de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de sentido, na nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma abdução de sentido;

e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo.

f) quando uma regra contrariar um princípio, caso em que o princípio se sobrepõem a regra.”

Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, posfácio, n. 6., pp. 605-606.

[3] De se consignar que, neste caso, o Tribunal acaba tendo que assumir a responsabilidade por uma decisão tomada no passado. Decisão essa que, na origem, apresenta um desajuste constitucional. Com efeito, como assinala Georges Abboud, “A decisão aditiva proferida na ADIn 3999 apresenta-se mais problemática, tendo em vista que corresponde a decisão na qual o STF invade a competência legislativa no Congresso. A usurpação não ocorre em razão do STF declarar a fidelidade partidária como um valor constitucionalmente abrangido. A invasão da esfera do Poder Legislativo se dá quando o STF determina que o descumprimento da fidelidade partidária ocasiona a perda do mandado, ainda que essa punição não esteja prevista expressamente em lei alguma. Também excedeu suas funções quando STF declarou a aplicabilidade das Resoluções 22610/07 e 22733/08 do TSE que disciplinam o procedimento de justificação da desfiliação partidária e da perda do cargo eletivo. Outrossim, a fixação de penalidade constitui matéria de reserva legal [CF 5.º XXXIX e XL], espaço em que é problemática a inserção de decisões dotadas de efeito aditivo. Convém destacar que doutrina, em regra, nega a possibilidade de o Judiciário proferir decisões aditivas acerca de matérias compreendidas como de reserva legal”. Georges Abboud. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, SP: RT, 2011,p. 245.

[4] Registre-se que, naquela oportunidade, o Tribunal firmou entendimento de que o § 2o. do art. 55 aplicava-se somente a parlamentares federais. Talvez seja esse elemento da decisão que esteja a provocar essas manifestações equivocadas. Todavia, é necessário observar que, a despeito de se aplicar a parlamentares federais, naquele julgamento não se analisava a conduta de um parlamentar federal. Não se cogitava um crime em específico praticado por esse parlamentar. A situação foi considerada de forma abstrata, simplesmente. É por essas e outras razões que, me parece claro, o RE 179.502 não pode ser alegado como um “precedente” com força para vincular o voto no ministro na presente ação.

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