Desdobramentos jurídicos

PEC das Domésticas é solução ou conflito?

Autor

  • Ricardo Pereira de Freitas Guimarães

    é advogado especialista mestre e doutor pela PUC-SP titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (Cogeae) e dos programas de mestrado e doutorado da Fadisp-SP.

7 de dezembro de 2012, 6h46

A Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno, por 347 votos a favor, dois contra e duas abstenções, a Proposta de Emenda à Constituição de relatoria da Deputada Benedita da Silva, que visa revogar o parágrafo único do artigo 7º do Texto Constitucional, com o objetivo de igualar em todos os direitos o empregado doméstico ao dito trabalhador urbano. A PEC das Domésticas.

Não obstante exista ainda necessidade Constitucional (artigo 60 da CF) de mais duas votações no Senado, com a proporcionalidade exigida Constitucionalmente para a vigência da então nova Emenda Constitucional, o tema está longe de trazer alguma tranquilidade ao jurisdicionado em razão dos eventuais desdobramentos e interpretações no cenário jurídico.

Os dados mundiais apontam que hoje são aproximadamente 100 milhões de pessoas no mundo atuando nessa ocupação, sendo sete milhões no Brasil e, destes, aproximadamente 90% são mulheres, sendo 50% de negros e apenas 23% com registro efetivo em sua carteira de trabalho e previdência social. Não é de hoje, tampouco isolada a luta pela igualdade dos domésticos quanto aos direitos previstos constitucionalmente.

No Brasil, a primeira associação dos empregados domésticos data de 1936, porém, apenas em 1997 tal associação recebeu status de Federação. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem tratando o tema de forma específica através da Recomendação 201 e da Convenção 189, sendo que esta última já recebeu aderência das Filipinas e do Uruguai, e visam, em termos gerais, garantir aos domésticos um trabalho dito “decente”.

Apenas para exemplificar e confirmar a luta desses empregados no cenário mundial, a legislação espanhola através do Real Decreto 1620, de 14 de novembro de 2011, com vigência a partir de 1 janeiro de 2012, estendeu inúmeros direitos aos empregados domésticos até então não reconhecidos pelo estatuto dos trabalhadores daquele país, entre eles a limitação de jornada de trabalho e pagamento de horas extras, direitos até hoje não contemplados pela nossa legislação infraconstitucional ou constitucional quanto aos domésticos. O direito espanhol se valeu (tendo em vista particularidades do trabalho doméstico), da necessidade de que seja firmado contrato entre empregado e empregador e que nesse contrato, os trabalhadores tenham de forma clara os limites da prestação de serviços, com arquivamento de tal pacto junto ao Tesouro daquel e País, fazendo valer o direito à informação. Essa medida, não só garantiria (em tese) ao empregado doméstico o detalhamento da forma de sua prestação de serviços, como também protegeria o empregador de eventual alegação de desrespeito aos moldes contratuais propostos, criando uma presunção favorável das regras estabelecidas.

Referida medida é no mínimo interessante, pois ousamos dizer que as demandas de empregados domésticos apresentadas ao Poder Judiciário já são (mesmo antes de suposta aprovação da Emenda) as de maior dificuldade de solução, posto que em regra tais relações se propagam ao longo do tempo em que é mantida, sem qualquer viés oficial, ou seja, em razão da confiança estabelecida entre as partes; recibos, pagamentos, e outras obrigações contratuais raramente são documentadas. Além do que, em raros casos se torna possível a apresentação de testemunhas por ambas as partes em razão desta prestação estar inserida no âmbito familiar, inviabilizando prova sem o afastamento de algum interesse (das testemunhas apresentadas) em auxiliar uma das partes.

Contudo, sendo aprovado o projeto e inserido no ordenamento jurídico, quais as dificuldades que encontraríamos no contexto de nossa legislação?

De plano, importante observar que teríamos um direito assegurado pela via Constitucional (e, digam-se, direitos sociais abarcados pela titularidade de direitos fundamentais) e uma legislação infraconstitucional que simplesmente ainda repudia a aplicação da própria CLT, não obstante os avanços apresentados pelas leis 10.208/2011 e 11.324/2006 quanto aos direitos dos domésticos, (artigo 7º da CLT e lei 5.859/1972).

Como trataremos então o direito ao limite de jornada dos domésticos em todos os seus desdobramentos, seja pelo excesso, seja pelo trabalho noturno? Como realizaremos eventual controle de jornada? Seria possível a ocorrência de uma greve de domésticos? Seria possível um acordo coletivo com apenas uma residência? Seguro contra acidentes do trabalho? Fiscalização na residência através de auditores fiscais do trabalho? E mais, quais os direitos fixados no texto constitucional após a suposta aprovação da Emenda que estarão a carecer de uma regulamentação infraconstitucional? Ou a CLT está pronta e acabada para ser aplicada ao empregado doméstico? Essas são algumas questões que poderíamos deixar para as sempre sábias avaliações do leitor.

De qualquer sorte, concluímos ressaltando que pela aplicação dita “conforme” do texto constitucional, e ainda, pelos princípios que norteiam as relações empregatícias na seara trabalhista, aprovada a Emenda Constitucional, julgamentos dessa forma de relação acabarão por acomodar essas dúvidas e teses relevantes da advocacia trabalhista terão importante papel no convencimento para formação de uma jurisprudência sólida sobre o tema.

Empregadores e empregados domésticos devem partir para uma contratação mais profissional, com contratos escritos e bem elaborados, fixando em tempo e modo deveres e direitos quanto ao desenrolar do contrato, até porque, nosso texto Constitucional, prima pelo direito à informação, e talvez, nesse contexto, guardadas as proporções da fixação legal e cultural dos países, talvez algum proveito a legislação espanhola nos propicie.

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