Provas frágeis

Usuário de droga ganha liberdade com punição extinta

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20 de agosto de 2012, 15h06

A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a libertação de um homem condenado por tráfico de drogas que estava há mais de um ano preso em regime fechado. O colegiado reformou a sentença e declarou extinta, de ofício, a sua punibilidade, porque os elementos trazidos aos autos não comprovaram tráfico de drogas, mas apenas consumo, como tipificado no artigo 28, da Lei 11.343/08.

Considerando o longo tempo em que o réu ficou preso preventivamente, os desembargadores resolveram aplicar o princípio da proporcionalidade para evitar excesso de punição. É que, por ser apenas consumidor de drogas, ele seria condenado a uma pena mais branda do que a prisão cautelar — já cumprida.

Para não jogar o caso para o juizado criminal, o colegiado resolveu aplicar o princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato delitivo, com base na Convenção Americana dos Direitos Humanos e Estatuto de Roma, conforme prevê o parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal. A sessão de julgamento ocorreu no dia 28 de junho.

Denúncias de vizinhos
O caso é originário da Comarca de Santo Cristo, distante 415km de Porto Alegre. O Ministério Público estadual informou à Vara Judicial que o réu foi preso no dia 20 de maio de 2011, por volta das 17h20, num galpão, nos fundos de sua residência, na posse de 72,7 gramas de maconha. O policial militar que efetuou a prisão, seu vizinho, disse que o réu estava fracionando trouxinhas acondicionadas com a droga. O homem foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06 — fornecer ou vender drogas a outrem. O pedido de relaxamento da prisão provisória foi indeferido.

O acusado se defendeu. Admitiu ser usuário, mas negou ter feito tráfico, porque a droga estava inteira — e não fracionada, como relata a autoridade policial. Disse que no momento em que a Polícia chegou, estava fumando um cigarro de maconha dentro de casa. Alegou que as ‘‘buchinhas’’ da erva foram feitas, provavelmente, pelo policial, para caracterizar tráfico, com o intuito apenas de incriminá-lo. Queixou-se de preconceito, por já ter sido preso na posse de droga.

Por isso, sustentou a inexistência de prova capaz de condená-lo, requerendo a improcedência da ação. Alternativamente, em caso de condenação, pediu a desclassificação para o delito tipificado no artigo 28, da Lei 11.343/2006, por ser de menor potencial ofensivo.

O juiz Roberto Laux Junior afirmou na sentença que a materialidade e a autoria do fato criminoso estavam comprovadas pelos autos-de-apreensão da droga, auto-de-prisão em flagrante e pelo depoimento dos policiais e dos vizinhos, que reportaram ‘‘intensa movimentação no local’’.

Ele condenou o réu a seis anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 500 dias-multa. O dia-multa é fixado em um trigésimo do valor do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato.

‘‘Por fim, tenho que subsistem os requisitos da prisão preventiva elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP). Deixo claro que não se fala em gravidade em abstrato do delito, mas sim do evidente prejuízo à ordem pública que a conduta gera, pondo em circulação produto nefasto, destinado à distribuição nesta cidade’’, considerou, negando ao réu o direito de apelar em liberdade.

Falta de investigação policial
Na Apelação-Crime dirigida ao Tribunal de Justiça, o réu insistiu que não ficou provada a venda de droga, mas somente consumo. O representante do Ministério Público com assento no colegiado, no entanto, se guiou pela sentença e opinou pelo improvimento do recurso.

O relator, desembargador Francesco Conti, afirmou no seu voto que os autos não trazem ‘‘prova robusta’’ da materialidade e da autoria do delito de tráfico de drogas, como elencado na inicial. Ao contrário, deixam ‘‘invencível dúvida’’ quanto ao tráfico. Isso porque as provas da acusação resumem-se à alegação do policial militar de que o acusado estaria fracionando a droga apreendida no momento da abordagem, bem como às declarações da vizinhança de que havia intensa movimentação de pessoas na residência do réu.

Conti destacou que o único indicativo da venda de droga seria a própria maconha apreendida, 72,7 gramas, já que não foram encontrados na casa do acusado nenhum artefato que denunciasse comércio — como balança de precisão, caderneta de anotações com relação de nomes e valores, pedaços de plástico picotados, armas etc. E a quantidade de entorpecente apreendida não foge aos padrões consumidos pelos dependentes. ‘‘De igual sorte, não lograram os policiais efetuar diligências investigativas pretéritas que dessem conta de que o acusado de fato vendia drogas. A desclassificação é, portanto, medida impositiva’’, registrou no acórdão.

Como o réu já estava preso desde maio de 2011, Conti votou pela aplicação do princípio da proporcionalidade, para evitar excesso de punição, entendendo que o tempo cumprido na prisão preventiva já foi o suficiente para repreender sua conduta. Decidiu, também que o caso não poderia ser remetido ao Juizado Especial Criminal (Jecrim), que cuida de casos de menor potencial ofensivo, porque importaria na abertura de um novo processo. E a dupla persecução penal é expressamente vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pelo Estatuto de Roma.

Votaram com o relator, por unanimidade, os desembargadores Nereu Giacomolli e Rita Catarina Krieger Martins.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

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