Cursos jurídicos

Má qualidade do ensino se deve à formação do docente

Autor

  • Tiago Cintra Essado

    é promotor de Justiça em São Paulo doutor em Direito Processual Penal pela USP autor da obra A perda de bens e o novo paradigma para o processo penal brasileiro (Lumen Juris 2015).

11 de agosto de 2012, 14h04

Lei de 11 de agosto de 1827 criou os dois primeiros cursos de Direito no país, em São Paulo e Olinda. Inegável a importância de tal fato para a época. Indiscutível o papel representado por inúmeros juristas no decorrer da história brasileira. Atualmente, há 1259 faculdades de Direito.

Ao tempo em que se comemora mais um aniversário, cumpre aproveitar o ensejo para realizar um balanço da atual circunstância em que se encontram os cursos jurídicos e, especialmente, a condição do operador do direito, seu produto direto.

Infelizmente, a maioria ainda privilegia o ensino da dogmática, com prejuízo de uma formação holística, desprezando o imprescindível conteúdo filosófico-social e prevalência de uma perspectiva humanista.

Se, de um lado, o infindável número de faculdades amplia o acesso ao ensino, de outro, propicia a formação de má qualidade. São poucos os que se dedicam, com afinco, à docência, e menos ainda aqueles que cuidam de se atualizar para ir além da letra fria da lei. Assim, a má qualidade do ensino jurídico no país passa pela sofrível formação do docente, não raramente pouco valorizado, e com difíceis condições de ministrar o saber, diante de salas lotadas e com a explícita obrigação de dar boas notas, sob pena de perder o emprego.

O resultado deste círculo vicioso acaba, necessariamente, refletindo na composição de nossas instituições, tão caras ao regime republicano. A aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil — filtro que se afigura imprescindível diante do cenário antes apontado, conquanto há quem, sem razão, no Congresso Nacional queira aboli-lo — não torna o agora advogado mais ético, assim como aquele que se tornou juiz ou promotor de Justiça não passa a ser vocacionado, fiel à causa pública, apenas por conta do novo cargo.

Não se quer dizer com isso, evidentemente, que a frequência ao curso de Direito torne o cidadão moralmente elevado e justo, porém, sobretudo, afirmar que, em regra, a atual concepção dos cursos jurídicos foca apenas o direito posto, com pouca atenção à filosofia do direito, à ética, à sensibilidade na aplicação da justiça, gerando um profissional de baixa capacidade crítica, com absurdas dificuldades de interpretar os fatos e o direito como ciência sistêmica.

Pouco se ensina a pensar e escrever, com o necessário rigor jurídico, mesmo assim a monografia de conclusão de curso é requisito para a colação de grau. Em tempos de dr. Google, e recortar e colar, já viu. Melhor seria ensinar, para depois exigir, a elaboração de artigo curto, porém conciso e coeso, com raciocínio jurídico. Afinal, quantidade de toques nem sempre é qualidade na análise. Examinadores decepcionam-se, não raras vezes, ao deparar-se com o candidato que obteve farto sucesso na fase de múltipla escolha, porém naufragou na prova escrita, pois desconhece crase, exagera nas vírgulas e troca o s pelo z.

É triste ver como porta de entrada ao acesso a importantes cargos públicos, proliferar a indústria dos cursinhos, com ensino exclusivo da dogmática, preparando o futuro servidor por meio de regras mnemônicas. As bancas examinadoras, em regra, colaboram para isso, em razão do conteúdo das perguntas. Digno de destaque é o perfil assumido pela Defensoria Pública, que prevê no edital a necessidade de leitura de obras de caráter filosófico-humanista e de teoria geral do direito, com perguntas de múltipla escolha que exigem o exercício interpretativo.

Nesse sentido, após 185 anos de fundação dos cursos de Direito, o momento é de rever o conteúdo ministrado e o modo como tal ocorre. Em época de mensalão é preciso compreender que boa parte dos problemas nacionais esbarra na ausência ou deficiência da educação. Que as aulas de processo civil, direito tributário e empresarial continuem ocorrendo, porém que o futuro profissional do direito possa também aprender que o sucesso não necessariamente coincide com aquisição patrimonial, mas com conduta diuturna reta e coerente, fundada no respeito ao próximo e na solidariedade social. Que a dogmática não possa ser suficiente para nos tornar indiferente com a dor alheia.

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