Segunda Leitura

A silenciosa reforma processual da Lei 12.694/12

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

5 de agosto de 2012, 8h00

Spacca
No dia 24 de julho passado foi editada a Lei 12.694, que no seu preâmbulo afirma destinar-se ao processo e julgamento colegiado, em primeiro grau de jurisdição, de crimes praticados por organizações criminosas. Sua aprovação deu-se em meio a poucos comentários, totalmente desproporcionais à relevância da inovação.

A primeira frase já merece atenção: julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição.

Desde a instalação da primeira unidade judiciária no Brasil (São Vicente, 1530) o julgamento em primeiro grau dá-se por juiz singular. Há, é verdade, países que adotam o colegiado na primeira instância (v.g., Cuba). Mas nunca no Brasil, que rompe em 2012 com séculos de tradição, admitindo julgamentos por três juízes, e não um. Todos assinando a decisão ou sentença.

O motivo está na linha seguinte: crimes praticados por organizações criminosas. Reconhece o texto legal que existe criminalidade organizada no país, algo muito diferente do bando ou quadrilha mencionados no artigo 288 do Código Penal de 1940.

Mas o que terá motivado o legislador a agir dessa forma? Simples, o aumento crescente de ameaças aos juízes.

No passado isto era raro, inexistente mesmo em alguns estados. No presente, passou a tornar-se frequente. E não se suponha que as ameaças atingem apenas juízes com jurisdição criminal. Elas atingem, inclusive, os juízes trabalhistas que, mesmo sem julgar ações penais, ao decidir conflitos laborais atingem diretamente o patrimônio das partes.

Entretanto, a competência do colegiado não é só para julgar. É também para outras medidas, entre as quais a execução da sentença, quando se deferem ou não as progressões de regime e a própria liberdade. O juiz da execução é tão ou mais visado do que o do processo criminal. A morte do juiz paulista Antonio José Machado Dias é prova disto.

O colegiado poderá ser formado pelo próprio juiz (exceção à regra do Tribunal designar) e poderá reunir-se por meio eletrônico, quando residentes os magistrados em cidades diversas. A competência é para o ato e não para o processo. Por exemplo, reúnem-se para determinar a remoção do preso para o regime disciplinar diferenciado, o temido RDD.

Nenhuma inconstitucionalidade existe nesta inovação legal. Não há quebra ao princípio do juiz natural, porque a constituição do colegiado não terá por objetivo afastar o juiz da causa. Ao contrário, dele será a iniciativa. E nem ofensa ao princípio da ampla defesa, porque tudo se passará como antes, apenas que decidido por três e não por um. Em tese, a decisão será mais discutida, o que é vantajoso para o infrator.

A lei autoriza também os tribunais a tomar medidas para a segurança de seus prédios, com controle de acesso e instalação de câmeras de vigilância e detectores de metais. Neste particular, o avanço será gradual e não imediato.

Primeiro, há a questão de orçamento. Quantos Fóruns existem em Minas Gerais? Quatrocentos? E na Bahia? Adaptá-los significa orçamento, licitações. Isto leva tempo. Por outro lado, no início haverá a provinciana recusa a de alguns em submeter-se ao controle de acesso, como se vivêssemos nos “anos dourados”. Até hoje existem pessoas que resistem a estas cautelas, sem perceber que elas se destinam à sua própria segurança. Submeter-se a elas não significa nenhum desprestígio. Recusá-las é uma forma indireta do antigo (e abominável) “sabe com quem está falando?”.

A Lei 12.694/12 dá nova redação ao artigo 91, I, do Código Penal, permitindo que seja decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime, quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. E vai além, introduzindo o artigo 144-A no Cód. de Processo Penal, autoriza a alienação antecipada de bens apreendidos, sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. Aí as mudanças não se relacionam com a segurança dos magistrados, mas sim com a eficiência da Justiça.

O Código de Trânsito Brasileiro foi também alterado. O artigo 115, parágrafo 7º, permite que, em situações especiais, mediante fundamentada decisão da corregedoria, veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que exerçam competência ou atribuição criminal, possam temporariamente ter placas especiais. A exceção é compreensível, mas exige cautela. Impõe-se rigor na concessão, a fim de evitar-se que a busca de placas especiais se torne rotina por parte de pessoas imaturas ou vaidosas.

Os agentes de segurança dos tribunais, por expressa permissão legal prevista agora na Lei 10.826/2003, poderão portar arma de fogo. O tema é polêmico e será regulamentado pelo CNJ e pelo CNMP. Decorre do fato de que os juízes ameaçados nem sempre podem contar com proteção policial permanente ou, às vezes, a ameaça pode vir da própria instituição policial, como ocorrido no assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli, do Estado do Rio de Janeiro.

A proteção pessoal ou à família será comunicada pelo juiz ou membro do MP à Polícia Judiciária (DPF ou Polícia Civil), que fará a avaliação. Esta medida, ainda que possa parecer estranha, é necessária. Muitas vezes quem pede segurança está tomado por pânico e, em alguns casos, não existe perigo algum. A Polícia é quem convive com tais situações e por isso será ouvida.

A proteção poderá ser dada pelos órgãos de segurança institucional, ou seja, aqueles previstos no artigo 144, incisos I a V da Constituição, entre eles a Polícia Militar que já presta tal tipo de serviço em alguns estados. Do rol deverá ser excluída a Polícia Ferroviária Federal, que não tem quadros próprios, e incluída a Polícia Rodoviária Federal. A lei menciona “outras forças policiais”, nelas não se incluem as Guardas Municipais.

Aí está o novo regramento legal. Seus resultados só serão avaliados com o tempo. Ele é extremamente significativo, pois importa em reconhecimento de que vivemos novos tempos, bem mais complexos. Se algumas leis tornam-se conhecidas por um nome (v.g., Lei da Ficha Limpa), a Lei 12.694/12 poderia ser denominada: “Lei do fim da inocência”.

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