Globalização humana

Direito deve se voltar à saúde, sem esquecer o mercado

Autor

2 de agosto de 2012, 11h45

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 10 milhões de pessoas morrem por ano por falta de medicamentos disponíveis. Ainda segundo dados dessa organização, 100 milhões de pessoas encontram-se em condição de pobreza, devido à falta de medicamentos. No contexto, há as doenças negligenciadas, que são aquelas que perpetuam a pobreza. Conforme a OMS, as doenças negligenciadas afetam populações pobres, rurais e faveladas.

Antes de prosseguirmos, devemos dizer que a saúde é um bem público internacional. Trata-se, assim, de um direito social, nos termos do artigo 6º, da Constituição da República Federativa Brasileira, além de ser direito de todos e dever do Estado, conforme determina o artigo 196, do diploma legal.

Esse bem maior da pessoa humana, “capital principal”, segundo Ernest Hemingway, deve ser implementado pelos entes federativos, isto é, União, estados, Distrito Federal e municípios, articulada e integradamente, de forma cooperada e com participação da comunidade.

Um dos objetivos da República Federativa do Brasil, tida como um Estado Democrático de Direito, prevista na Constituição, no seu artigo 3º, é reduzir as desigualdades regionais.

Nessa linha, importante que os entes federativos dialoguem entre si e executem ações efetivas nessa área, conjuntamente.

Para tanto, fundamental destacar o Decreto 7530/2011, que regulamenta a Lei 8.080/90, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dar outras providências.

Quanto à articulação interfederativa, cabe mencionar os artigos 30 a 35, com destaque para o artigo 31, que determina: “À Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa compete: XVII — coordenar e apoiar as atividades relacionadas com o sistema federal de administração dos recursos de informação e informática no âmbito do Ministério da Saúde;”.

A Lei de Acesso à Informação está em vigor e vem no sentido de fortalecer o dispositivo mencionado. Porém, quando se trata da administração dos recursos de informação e informática no âmbito do Ministério da Saúde, pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, dificuldades e obstáculos podem surgir, como na coleta dos dados e na sua inserção no sistema, pelos agentes públicos. Áreas mais remotas têm acesso mais difícil, sem citar a operabilidade de como isso ocorreria.

A professora Deisy Ventura[3] traz o relato da jornalista Eliane Brum no livro Dignidade, coletânea dos Médicos sem Fronteiras, da situação degradante de uma comunidade na zona rural na Bolívia, impregnada com o Mal de Chagas. Há famílias sem esperança, pessoas que perdem a força e, entre outros, o caso da menina brilhante que, quando vai para a escola na cidade, descobre que está contaminada.

No Brasil, segundo ela, o ultimo remédio para esta doença é dos anos 60. Doenças como essa aqui são também negligenciadas, explica a expositora.

A professora dialoga no sentido de que globalização é um fenômeno evidente e visível, sendo importante, então, olhar para esse fenômeno global e pensar como humanizá-lo. Nas universidades, o papel do Direito deve ser de se voltar para essas questões sociais, afirma a palestrante. No entanto, acreditamos que não devamos nos esquecer do mercado.

Nessa linha, Virgílio Afonso da Silva[4] sugere que as indústrias que quiserem usufruir do potencial das universidades, devam em contrapartida investir em projetos sociais.

Nesse âmbito, Antônio Britto Filho[5] afirma que os doutores estão nas universidades e no serviço público, que talvez fosse necessário de fato repensar o modelo de trabalho para esses profissionais na indústria farmacêutica.

Destarte, enquanto não for somente atrativo financeiramente o emprego na indústria, mas satisfatório do ponto de vista pessoal, além de se buscar cumprir também uma função social, não se resolverá o impasse.

Quanto à responsabilização na área da saúde, para Suely Dallari[6], o Direito deve garantir caminhos democráticos, pela fiscalização judiciária da responsabilidade política. Para a palestrante, deve haver o controle da política de medicamentos.

Em sentido contrário, argumentam Adalberto Fulgêncio[7], Clarisse Petramale[8] e Michele Caputo Neto[9] no caminho, ente outros pontos, da inconstitucionalidade da judicialização, por ferir, como exemplo, o princípio basilar da saúde, qual seja: o da universalidade.

Como sugestões finais dos expositores no Seminário do MPF, entre outras, destacam-se:

a) Para Jefferson Aparecido Dias[10], o Ministério Público Estadual e o Federal devem identificar as causas e ações repetitivas para possíveis políticas públicas.

b) Thana Cristina de Campos[11] acredita que o MPF deve assumir uma postura de liderança e apoiar fundos de pesquisa, representando o governo brasileiro.

c) Daniel Wang[12], por sua vez, afirma que a instituição deve lutar pela maior qualidade de vida das pessoas, por exemplo, quanto à regulamentação de alimentos gordurosos para crianças, além de cigarros, bebidas e, por fim, no que toca ao saneamento básico.

d) Já Priscilla Cesar[13] caminha no sentido de se estabelecer critérios mais claros para a sociedade, quanto à regulamentação do lobby, além de abordar as questões das diretrizes farmacêuticas, protocolos clínicos e uniformização dos procedimentos.

Por outro lado, importante salientar, segundo notícia[14], que o governo federal, em parceria com Estados e Municípios, vem intensificando as ações de combate às doenças negligenciadas. O Ministério da Saúde autorizou o repasse de R$ 25,9 milhões, para que os 26 Estados e o Distrito Federal fortaleçam em seus Municípios as ações de Vigilância Epidemiológica, através da promoção, prevenção e controle contra as doenças negligenciadas.

A matéria destaca que o Brasil se sobressai mundialmente na produção de medicamentos para assistência a doenças negligenciadas, por meio de parcerias entre laboratórios públicos e privados. O investimento em laboratórios públicos produtores saltou de R$ 8,8 milhões em 2000 para mais de R$ 54 milhões em 2011.

Embora haja divergências e pontos não pacíficos, é preciso fortalecer o diálogo entre todos os atores envolvidos no cenário. O debate de ideias, visando, primordialmente, ao interesse público, pode ajudar a construir uma nação e um Estado melhores. Além disso, é preciso executar essas ideias, como pela intensificação entre parcerias público-privadas; seja entre laboratórios, seja entre universidades e empresas, repensando o modelo atual, observada a moralidade administrativa, sem prejuízo de suas responsabilizações.

Celso Furtado já dizia, décadas atrás, que, para o país crescer economicamente, deve-se investir no social e, como consequência, em saúde.

Portanto, com o povo, em todas as regiões, saudável, podendo receber educação e produzir, o que merece ser discutido em outra ocasião, o país pode, então, crescer com maior efetividade e uniformemente.


[1] Dados e informações do presente artigo foram extraídos da presença do autor nos Simpósios: a) Brasil em Perspectiva. Saúde & Desenvolvimento. Brasil Econômico. 29 de junho de 2012. Salão Nobre da Bolsa de Valores RJ; b) A responsabilidade das indútrias farmacêuticas diante de doenças negligênciadas. O Direito à Saúde, as Universidadese o MPF. MPF. 6 de julho de 2012. São Paulo / SP.

[2] Advogado, mestrando em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie e graduado pela PUC-SP.

[3] Professora do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo.

[4] Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

[5] Presidente Executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa – INTERFARMA.

[6] Professora do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário/Cepedisa da Universidade de São Paulo.

[7] Diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS.

[8] Diretora da Comissão Nacional de Incorporração de Tecnologias do SUS – CONITEC.

[9] Secretário de Estado da Saúde do Governo do Paraná.

[10] Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo.

[11] University of Oxford.

[12] London School of Economics

[13] Universidade de São Paulo e UAEM.

[14] Combate às doenças negligenciadas é reforçado. 01/02/2012. Portal da Saúde. SUS. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/4180/162/combate-as-doencas-negligenciadas-e-reforcado.html> Acesso em: 26/07/2012.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!