Direito de defesa

“Fui condenado sem exame de mérito de acusações"

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1 de agosto de 2012, 17h26

Spacca
Luiz Estêvão - 31/07/2012 [Spacca]O empresário e ex-senador Luiz Estevão foi, durante dez anos, o único membro da história do Senado brasileiro a ser cassado por quebra de decoro. Em junho, o senador goiano Demóstenes Torres, afastado de suas funções por seus pares, juntou-se a ele nessa triste galeria. Acusado pelo superfaturamento de R$ 170 milhões das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo, Luiz Estevão teve o mandato cassado em junho de 2002, por 52 votos a um.

De acordo com o Ministério Público, o desvio de verbas das obras do Fórum paulista aconteceu nos anos 1990 com o aval do então presidente da Comissão de Obras do tribunal, o desembargador do Trabalho Nicolau dos Santos Neto. Conhecido nacionalmente pelo apelido de Lalau, em 2006 foi condenado a 26 anos de prisão e ao pagamento de multa de R$ 1,2 milhão. Também em 2006, Luiz Estevão foi condenado a 31 anos de prisão e pagamento de multa pelos mesmos fatos. Em junho deste ano, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou a decisão do Tribunal Federal da 3ª Região.

Luiz Estevão não vê muitas semelhanças entre o caso de Demóstenes Torres e o seu. Tanto que as denúncias envolvendo a CPI do Cachoeira não o interessam como outros casos de corrupção que passou a acompanhar a fim de colher subsídios para ajudar seus advogados a esclarecer as “omissões e os equívocos” que, segundo ele, envolvem as acusações do Ministério Público contra ele. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o ex-senador afirmou que foi condenado sem o devido exame de provas e que uma série de irregularidades permeia o processo que pesa contra ele na Justiça.

Estevão garante que sua inocência pode ser verificada em um rosário de provas e evidências. Foi inocentado em primeira instância, diz ele, porque o juiz avaliou que as acusações não eram coerentes com o histórico do processo, dispensando assim a análise das provas e argumentos.

Condenado em segunda instância, Estevão afirma que o julgamento pelo TRF-3 acabou, na verdade, equivalendo a uma decisão de primeira instância, só que, novamente, deixando de avaliar as provas e os méritos da ação. A defesa do ex-senador entrou então com os embargos declaratórios, mas a desembargadora relatora do processo não deu provimento sob a justificativa de que não cabia conceder efeitos infringentes a estes.

Ao chegar ao STJ, a condenação foi mantida novamente baseada em questões processuais, sem se deter ao mérito da matéria, diz o ex-senador. Com base na Súmula 7, a 6ª Turma entendeu que não cabia o reexame das provas.

“É difícil você desmanchar uma mentira que já se repete há 12 anos”,  disse Luiz Estevão durante a entrevista. Eloquente e demonstrando um conhecimento sólido em matéria de processo penal a despeito de só ter concluído o ensino médio, o ex-senador assegurou que não pretende retornar à vida política, afirmando também que tudo o que deseja é apenas ter o direito à defesa. “A Justiça não precisa se convencer dos meus argumentos, mas tem que considerá-los”, afirmou.

Leia a entrevista

ConJur Depois que o STJ confirmou sua condenação, o senhor pretende recorrer ao Supremo? Quais são os passos?
Luiz Estevão — Nossos advogados estão trabalhando nos recursos, até porque entendem que a decisão do STJ é recheada de equívocos, omissões e fruto de um voto aparentemente feito às pressas e que não contemplou diversos aspectos das nossas alegações.

ConJur Que voto foi feito às pressas, o do relator?
Luiz Estevão — O do relator [desembargador convocado Vasco Della Giustina], sem dúvida. E mesmo os dos demais ministros. Embora tenha havido pedido de vista, o que se percebe é que grande parte das matérias que nós colocamos não foram examinadas pelo relator, pelo segundo a votar e pelo pedido de vista. É realmente incompreensível que um tribunal da envergadura do STJ julgue um processo dessa magnitude, que implica na perda de liberdade por 31 anos, sem examinar teses importantes da defesa.

ConJur — A que o senhor atribui isso? À repercussão popular? O senhor acha que houve julgamento político?
Luiz Estevão — Esse julgamento já começou contaminado por uma questão política. E quando você começa julgando politicamente um processo que vai gerar questionamentos cíveis e penais, se contamina todo o desdobramento. É impossível dizer que não haja um componente político nisso.

ConJur — Seus advogados alegam que sua sentença foi mal fundamentada e mal dosada. Dizem que ela supera a pena base em algo entre 350% e 650%. Ao recorrer, o senhor busca diminuir a pena ou provar a inocência?
Luiz Estevão — Provar a inocência.

ConJur — O senhor é inocente?
Luiz Estevão — Eu sou inocente. E os argumentos que provam minha inocência já estão colocados. Eu até gostaria que os tribunais argumentassem: “Não, esses argumentos não são válidos, os documentos apresentados não procedem”. O que não me conformo é que os nossos argumentos sejam completamente ignorados pelos julgadores.

ConJur — O senhor acha que tem alguma coisa estranha nesse processo?
Luiz Estevão — Eu esperava que depois de 12 anos essa contaminação [política] já tivesse desaparecido, mas pelo que constatei durante o julgamento do STJ, isso não ocorreu.

ConJur — Onde é que o senhor errou?
Luiz Estevão — Em lugar nenhum. Eu não vejo onde é que eu possa ter errado.

ConJur — Quando o senhor olha para trás, no início da CPI do Judiciário, as primeiras denúncias, as acusações em relação ao superfaturamento daquela obra do Fórum Trabalhista, como vê quadro todo hoje?
Luiz Estevão — Eu acho que eu deveria ter feito o que fiz, me defendido. Eu não renunciei. Não renunciei até porque considerava um absurdo. Eu conhecia a verdade, sabia que se esta prevalecesse, isso não implicaria a minha condenação. Eu não via razão para fugir do julgamento. Infelizmente, o processo político é de pouca juridicidade, quando você acaba julgado no calor da imensa pressão da opinião pública.

ConJur — Em relação aos números das obras do Fórum Trabalhista, até hoje há muita controvérsia no noticiário: uns falam que a obra custou R$ 169 milhões, outros dizem que o desvio é que foi de R$ 169 milhões e que a obra na verdade custou R$ 62 milhões. O fato é que o prédio está pronto. O senhor faz ideia de quanto custou a obra?
Luiz Estevão — Logo que começaram a me envolver nesse processo do TRT, minha primeira preocupação não foi defender a regularidade da obra, mas sim explicar que não tive nada a ver com o empreendimento. Não sou sócio e nunca fui sócio da construtora Incal. Não cheguei a mergulhar no processo para examinar a legalidade e a correção dos procedimentos adotados, entre 1992, quando o empreendimento começou, até 1998, quando foi interrompido.

ConJur — O que aconteceu afinal?
Luiz Estevão — Nas vésperas da licitação, três ou quatro dias antes, havia diversas articulações de grupos empresariais querendo participar da concorrência. Eu fui procurado então pelo grupo Monteiro de Barros, com quem já tinha negócios anteriormente, entre os quais a construção do edifício da sede da OAB em Brasília em 1988. Fui procurado por eles, que visavam uma associação, assim como fui procurado por diversas outras empresas. Cheguei a fechar um compromisso com o grupo Incal no qual eu assumiria 90% das ações da Incal Incorporações, mediante a aquisição de 900 ações. Acontece que poucas horas depois eu comuniquei a eles que desistira daquela compra, e nós anulamos todos aqueles documentos. Inclusive, preparei uma carta renunciando à aquisição das ações. Acabei fechando parceria com outro projeto, uma outra construtora porque era uma empresa de muito mais tradição no mercado, de 50 anos de existência e com acervo técnico muito superior ao do Grupo Monteiro de Barros.

ConJur — Que empresa era?
Luiz Estevão — Augusto Veloso. Uma construtora tradicional de São Paulo. Ela deve ter hoje 60 ou 70 anos. Entrei na licitação associado a esta empresa e não mais com a proposta da Incal. Fui derrotado na licitação, recorri administrativamente, meu recurso foi improvido, e a licitação acabou adjudicada ao grupo Incal. Dois meses depois dessa adjudicação, e apenas 30 dias após a liberação da primeira parcela de pagamento, os diretores da Incal fizeram um aumento de capital na empresa, em que eles aumentaram o número de ações, de 1 mil para 4 milhões.

ConJur — Sua participação acionária se reduziu? 
Luiz Estevão — Para dois milionésimos ou dois centésimos de milhar, um número absolutamente desprezível. Quando eu me associei ao grupo Incal por breves horas no intuito de participar da licitação, como poderia ser minha intenção estabelecer um contrato escondido, de gaveta? Claro que não. Tanto que o contrato existente e depois anulado foi registrado no cartório de títulos e documentos. Ora, quem registra um documento no cartório de títulos e documentos é porque não tem a intenção de mantê-lo oculto, certo. Se fosse continuar com essa participação de 90%, é evidente que eu me tornaria subscritor de 90% das ações referente a esse aumento de capital. E nunca fui. Mais do que isso, se ainda fosse sócio da Incal no momento desse aumento de capital, eu teria que ser chamado, mesmo que abrisse mão do aumento, ainda assim, se reconhecessem que eu ainda tinha aquelas 900 ações, eu teria que ser comunicado da intenção dos demais sócios de fazer aquele aumento de capital . E isso não ocorreu.

ConJur – Por que as ações não lhe pertenciam mais?
Luiz Estevão — Sim. Em dezembro de 1993, a Incal promoveu um novo aumento de capital, e, dessa forma, aquelas 900 ações ordinárias são transferidas pelo grupo Monteiro de Barros para a Incal Incorporações. Ou seja, é mais uma prova de que essas ações já não eram mais minhas, pois como cedente dessas ações eu teria que comparecer à assembleia. Há ainda uma carta do diretor do Grupo Monteiro de Barros, assinada pelo senhor Fábio Monteiro de Barros, de agosto de 1995, em que ele se dirige ao então sócio, doutor Júlio Valentine, a respeito de uma obra da junta comercial do Estado de São Paulo. Ora, se eu fosse sócio da Incal eu teria que ser signatário dessa carta.

ConJur – E o senhor não guardava qualquer relação mais com o grupo?
Luiz Estevão — Vamos supor, por um momento, que isso são tudo manobras minhas. O Ministério Público entende que sou sócio oculto e entra com uma ação por evasão de divisas e lavagem de dinheiro contra os sócios da Incal. Eles restaram condenados nessa ação, a respeito de uma operação de remessa de dólares para o exterior. Só que eu não sou réu nessa ação. Ora, se o Ministério Público me considerasse sócio da Incal, oculto ou explícito, evidente que eu teria que ser réu nessa ação.

ConJur – O senhor não foi incluído na ação?
Luiz Estevão — Não. E o mesmo vale para as ações de sonegação fiscal, para o processo de falência de algumas empresas do grupo e ações trabalhistas que pesam contra eles. Não fui incluído em nenhuma delas porque não pertenço e nunca pertenci ao grupo. Na época, 14 de junho de 2000, no auge das acusações, pedi um parecer a um professor, o Flávio Rostirola, que hoje é desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e ele me deu um parecer que atesta, a partir da análise das alterações contratuais, que eu não sou e nunca fui sócio da construtora Incal ou da Incal Incorporações.

ConJur — O senhor se arrepende de ter entrado na política?
Luiz Estevão — Não.

ConJur — Mas exercer uma atividade política na época pesou para que o caso fosse abordado daquela forma?
Luiz Estevão — Sem dúvida. Até porque esse episódio do TRT de São Paulo seria  tratado no campo empresarial e teria naturalmente um tratamento bastante diferente do que teve em função da minha presença na política. Como eu era um senador o assunto teve uma repercussão muito maior. Uma avaliação que deveria ser técnica passou a ser política, o que foi muito prejudicial para o entendimento da verdade.

ConJur — Apesar de tudo isso que o senhor disse, o Ministério Público elenca uma série de alegações que demonstra sua participação na obra do TRT, entre elas, a troca de 59 telefonemas com o juiz Nicolau dos Santos Neto. Qual o motivo desses telefonemas se o senhor não tinha nenhuma relação com a obra?
Luiz Estevão — Eu estive com o juiz Nicolau duas vezes. A primeira, no dia da abertura da licitação, pois ele era o presidente do TRT e entrou na sala para cumprimentar os membros da comissão de licitação e os licitantes. Depois disso, o encontrei em um restaurante aqui em Brasília, quando ele almoçava com o então senador Romeu Tuma. Eu não era senador ainda, exercia o mandato de deputado distrital. Fora isso, ele me ligou algumas vezes. Se você pegar o extrato dessas ligações, das 59, eu acredito que 50 não duram sequer dez segundos. Foram tentativas de telefonemas. As demais nove ligações tem duração total de em torno de dois minutos e correspondem a ocasiões como a do meu aniversário, a da época do sequestro da minha filha e também por ocasião da minha eleição para o Senado. Por exemplo, apenas no dia da minha eleição, há oito ou nove ligações do juiz Nicolau. Era domingo, e eu não atendi nenhuma delas. Eu estava correndo as zonas de votação, não recebia ligações de ninguém com exceção da minha equipe. No geral, as ligações correspondiam ao desejo de travar relações públicas. O genro do juiz Nicolau, falando em juízo, afirmou que jantava todas as noites na casa do então sogro e jamais ouviu qualquer menção ao meu nome.

ConJur — Fora o juiz Nicolau, o senhor se transformou no símbolo daquele escândalo. Ninguém lembra do nome dos sócios da Incal, mas lembram do seu. O senhor diria que fez inimigos para acabar se transformando no “bode expiatório” do caso?
Luiz Estevão — Não é questão de inimigos. É uma questão política. A imprensa se interessa por um fato a partir de duas premissas. Ou um fato relevante, com personagens que podem até ser irrelevantes. Ou um fato irrelevante cujos personagens sejam relevantes. Um político, jogador de futebol ou artista que se recusar a fazer o teste do bafômetro, por exemplo, vira notícia. A questão da obra do TRT era a combinação dos dois. Era um assunto relevante que trazia para o palco dois personagens, naquele momento, relevantes.

ConJur — A responsabilidade é da imprensa, então?
Luiz Estevão — Não. Não culpo a imprensa. O assunto só interessa para a imprensa e para a política se tiver essas premissas presentes. Quando você tem as duas, seria absolutamente ingênuo achar que o assunto ganhou tamanha relevância por conta de inimizades.

ConJur — O senhor pensa em voltar para a política?
Luiz Estevão — Não. De forma alguma.

ConJur — Quais são as suas atividades hoje?
Luiz Estevão — Empresariais. Eu sou empresário. Ao longo da minha vida empresarial juntei um patrimônio bastante expressivo, e hoje a minha principal atividade é me defender desses processos e cuidar da gestão desse patrimônio imobiliário.

ConJur — O senhor gasta muito tempo se defendendo desse processo?
Luiz Estevão — Mais da metade das minhas horas úteis de trabalho.

ConJur — É possível observar que o senhor fala com muita propriedade e desenvoltura sobre processo penal. O senhor estudou processo penal como um advogado?
Luiz Estevão — Não. O pouco que digo sobre processo penal, falo de tanto conviver com advogados. E, naturalmente, através da convivência há algum aprendizado. Mas a questão é muito mais factual, o meu trabalho é municiar os advogados com aspectos documentais e factuais que permitam a eles embasar uma defesa.

ConJur — É questão de honra para o senhor mostrar que o processo começou viciado?
Luiz Estevão — Não. Questão de honra é mostrar o seguinte, que a minha inclusão nesse processo é descabida. O fato de eu ser passageiro de um local onde se deu o crime, não me faz participante desse crime. Eu posso estar no local do crime, eu posso ser conhecido dos criminosos, se fosse o caso, mas isso não me faz personagem do crime.

ConJur — Quais são as dificuldades que enfrenta ainda por conta do processo. O senhor tem algum bem bloqueado?
Luiz Estevão — Todos os meus bens estão bloqueados. Tenho mais de dois mil e quinhentos imóveis bloqueados.

ConJur — Aqui em Brasília?
Luiz Estevão — Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo…

ConJur — O Correio Braziliense informou, no ano passado, que o senhor estava disposto a pagar à União o valor correspondente às verbas desviadas na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. O senhor mantém essa disposição?
Luiz Estevão — Nós temos trocado correspondências com a AGU. Sabemos que nesse meio tempo houve também algumas decisões importantes do TCU a respeito do critério de correção dos seus débitos.

ConJur — Por que pagar por um desvio do qual o senhor não participou?
Luiz Estevão — Por uma razão muito simples, porque é muito mais conveniente para mim. É como se eu tivesse um carro aprendido por arbitrariedade de um agente da polícia e não por minha culpa. Eu tenho duas opções: ou eu pago para liberar meu carro, ou eu entro em uma questão judicial que eu não sei quanto tempo vai demorar. E pode ser que, ao final, ao ganhar a causa, eu deixe de pagar pelo custo da multa, pelo depósito do veículo no Detran, mas meu carro já estará acabado, correto? Não se trata aqui de assumir a culpa. Apenas de saber o que é melhor.

ConJur — Por pragmatismo?
Luiz Estevão — Eu tenho 63 anos. Quanto tempo ainda tem de se impor a mim e aos meus filhos essa situação? Então, é melhor equacionar esse pagamento e permitir que eu possa transformar os meus terrenos em empreendimentos. Mesmo que eu não saiba se há culpa, e mesmo que haja, saiba que não sou o culpado.

ConJur — Há quanto tempo seus imóveis estão bloqueados?
Luiz Estevão — Desde abril de 2000. Eu não posso vender, doar, nada disso. O pior não é poder vender ou doar, o pior é não poder empreender.

ConJur — O senhor pode administrá-los?
Luiz Estevão — Posso.

ConJur — Alugar?
Luiz Estevão — Alugar eu posso.

ConJur — Então, hoje a sua atividade é praticamente…
Luiz Estevão — Construir e alugar.

ConJur — O senhor ainda é filiado a algum partido político?
Luiz Estevão — Sou filiado ao PMDB.

ConJur — O senhor ainda desenvolve alguma atividade política em Brasília?
Luiz Estevão — Eu não vivo mais a política de Brasília, embora eu ainda tenha muitos amigos na política. Os personagens de hoje que estão ocupando a primeira linha da política em Brasília foram contemporâneos meus na minha passagem pela Câmara Legislativa. Porém, tenho hoje pouquíssima relação ou contato com essas pessoas. Não que eu não queira, nem que eu tenha qualquer mágoa, nada disso. Simplesmente, a razão é que tenho prioridades das quais não posso desviar. Que é me defender desses processos e cuidar da gestão do meu patrimônio para que eu possa garantir, inclusive, o futuro da minha família.

ConJur — Até o caso Demóstenes Torres, o senhor era o único senador da história cassado por falta de decoro parlamentar. Como isso o afetou pessoalmente?
Luiz Estevão — O fato de ser o primeiro, o quinto ou o décimo não faz a menor diferença. Existe um fato em si. Minha carreira política foi interrompida, de forma abrupta e profundamente desgastante. Poderia ter interrompido minha carreira política de várias maneiras, por opção pessoal, porque o eleitor não me prestigiou com o seu voto, mas a pior das maneiras é ser alijado da vida pública em um processo de cassação. Porém, mesmo vivendo um momento de extrema dificuldade, há outras responsabilidades que ainda te conclamam a reagir. A família, no meu caso seis filhos. Você tem todo um patrimônio construído e é preciso trabalhar para organizá-lo e defendê-lo. É uma questão de racionalidade. É como quem perde uma perna. A vida continua.

ConJur – Não desanimou nem mesmo na época em que o senhor foi preso?
Luiz Estevão — Não. Até porque eu sabia que as prisões não poderiam se sustentar, como efetivamente não se sustentaram.

ConJur — O senhor ficou quanto tempo preso?
Luiz Estevão — No máximo duas noites. E fui preso três vezes.

ConJur – Qual o motivo das prisões?
Luiz Estevão — Aconteceu dois dias depois de eu ser cassado. Ocorreu por conta de um processo em que eu teria dado prejuízo a consorciados. Depois disso, fui preso preventivamente porque afirmaram que eu estava prejudicando o andamento do meu processo. Na última das vezes, foi em função de uma condenação em São Paulo, isso já em 1995, pelo TRF-3. Fui condenado a três anos e seis meses de prisão com cumprimento antecipado da pena, quando, já na época, toda a jurisprudência do Supremo e do STJ dizia que a pena só poderia ser cumprida com trânsito em julgado. Foi uma arbitrariedade. Até eu desfazer essa questão do cumprimento imediato da pena, passei uma noite preso.

ConJur – O senhor acompanha outros casos de corrupção, como o processo do mensalão?
Luiz Estevão — Sim. Mensalão [que investiga suposto esquema de compra de apoio parlamentar do governo Lula] e Caixa de Pandora [que investiga suposto esquema de corrupção no governo José Roberto Arruda, do Distrito Federal]. Através do acompanhamento, é possível estudar a fragilidade das acusações em outros processos. No caso do mensalão, não acompanhei os argumentos de defesa, mas li a acusação. Há aspectos interessantes para a minha defesa. O mesmo ocorre com a Caixa de Pandora.

ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Luiz Estevão — No processo do mensalão, quase todos os réus são acusados de formação de quadrilha. O mais lógico seria pensar em termos de formação de várias quadrilhas. Você tem supostamente a quadrilha gestora da obtenção de recursos, que envolve políticos, empresários. Então haveria núcleos de quadrilha referenciados, por exemplo, a cada partido político. Então, o grupo de cá, ele é acusado por formação de quadrilha e corrupção ativa, e o grupo de lá, por formação de quadrilha e corrupção passiva. No caso da Caixa de Pandora, no núcleo de formação de quadrilha, alguns são acusados de corrupção ativa e outros de ativa e passiva. Mas, na outra ponta do esquema de corrupção, nunca está um membro da mesma quadrilha.

ConJur Por quê?
Luiz Estevão Porque a acusação percebe que se você colocar duas pessoas na mesma quadrilha, não dá para imputar a uma o crime de corrupção ativa e a outra o crime de corrupção passiva. Porque, se há uma quadrilha, há um grupo de pessoas motivadas a praticar um crime. Ora, um não corrompe o outro. São ambos parceiros, sócios, partícipes do mesmo processo. No meu caso, não. No meu caso tem quatro acusados de quadrilha, três são acusados de corrupção ativa e um de corrupção passiva. O que, na opinião dos nossos advogados, é uma aberração, porque se subentende que, entre os quatro membros da quadrilha, um precisasse corromper o outro para consecução dos seus objetivos. Existe, no caso, incompatibilidade entre as acusações.

ConJur — No caso do Fórum Trabalhista, o Ministério Público acusa o senhor de corrupção ativa e o juiz Nicolau do Santos Neto de corrupção passiva.
Luiz Estevão — O que não acontece no caso do mensalão e não acontece com a Caixa de Pandora.

ConJur — O senhor acompanhou o caso do senador Demóstenes Torres?
Luiz Estevão — Através do noticiário, pela imprensa.

ConJur — Há alguma semelhança com o seu processo?
Luiz Estevão — É muito diferente. Nunca fui acusado de usar meu mandato para beneficiar, ajudar ou colocá-lo a serviço de quem quer que seja. Em um ano e meio que eu estive no Senado, isso não ocorreu. Eu tenho convicção de que diante do clima de tensão, havia quase que a necessidade de cassar o meu mandato. Só que eu não podia ser cassado pelo suposto envolvimento com o processo do TRT. O assunto do TRT terminou em 1998 e eu tomei posse em 1999. Existe o preceito de que o processo de cassação só pode se dar por quebra de decoro no exercício do mandato. Então, elegeram dois pretextos para me cassar, que eu teria mentido ao negar envolvimento com assunto do TRT e que eu teria pressionado servidores do Senado.

ConJur — O que seria fazer justiça no seu processo judicial?
Luiz Estevão — Reconhecer minha inocência. Reconhecer o despropósito de me apontar como detentor de 90% da Incal Incorporações. Sou acusado também por crime de peculato. O que significa dizer que, no período entre abril a julho de 1992, o TRT teria pago a Incal valores correspondentes a seis ou oito ordens de pagamento sem amparo de um contrato.

ConJur — O senhor foi absolvido em primeira instância, certo?
Luiz Estevão — Fui absolvido em primeira instância. E esta é uma questão interessante no meu processo. Fui absolvido sem exame das provas. Porque o juiz considerou que a denúncia procurava imputar à minha pessoa e aos outros réus crimes que não eram pertinentes ao histórico da denúncia. Então, sequer examinou as provas. Não houve nem o exame dos meus argumentos em primeira instância. Quando chegou em segunda instância, o TRF me condenou a 31 anos e alguns meses de prisão. A partir daí, é que fomos ter conhecimento de quais eram as provas que teriam sido examinadas pelos julgadores ou não. Ou seja, em verdade, o julgamento do TRF foi meu primeiro julgamento, foi a primeira instância de julgamento. A desembargadora relatora [Suzana Carmargo] não tinha examinado a questão dos diversos aumentos de capital, dos documentos e depoimentos que comprovavam que eu não era dono da Incal. Fui condenado por ser considerado dono da Incal simplesmente.

ConJur E como a defesa procedeu?
Luiz Estevão Entramos com os embargos declaratórios desmentindo a premissa de que o réu era proprietário da Incal e apresentamos as provas que davam conta disso, como a evolução do patrimônio da empresa, a evolução do capital, a sequência de depoimentos, testemunhas de acusação que disseram que nunca ouviram falar de Luiz Estevão, também o fato de o Ministério Público não ter me denunciado como sócio da Incal em nenhuma das outras ações. Também incluímos a questão do peculato, algo que sequer apareceu em primeira instância, que o peculato teria sido cometido porque houve seis ou oito pagamentos entre abril e julho de 1992 sem amparo contratual. Nos embargos declaratórios, apontamos a existência do contrato anexado à denúncia em 2000, entre a Incal e o TRT, que dá suporte a esses pagamentos. O mesmo com a questão do suposto estelionato, em que afirmaram que houve fraude nos relatórios produzidos por dois engenheiros para viabilizar a liberação das verbas e que a fraude foi subsidiada pela Incal e pelo juiz Nicolau.

ConJur Essa terceira acusação também apareceu apenas em segunda instância?
Luiz Estevão Sim. Os relatórios em que a desembargadora se baseou se referiam a informações colhidas pelo TCU em perícias unilaterais feitas em 1998 e 1999, quando eu não era réu naquela ação. Eu só me tornei réu na ação do TCU em maio de 2000. Então, de tudo o que o TCU produziu em 1998 e em 1999, eu não participei do contraditório. Como é que você pode ter uma prova, da qual você não participou do contraditório, usada contra você? Nos embargos observamos ainda que a realização de uma perícia contábil e de engenharia desmentiram as afirmações do TCU. Números completamente discrepantes. Então, o que pedimos em embargos declaratórios? Apenas que fosse examinado. A desembargadora não deu provimento aos embargos declaratórios sob o fundamento de que ela não poderia dar efeitos infringentes a estes.

ConJur — Ou seja, uma questão processual.
Luiz Estevão — Sim. E fomos ao STJ com Recurso Especial. Novamente, as provas não foram examinadas em primeira instância, porque o juiz desclassificou a denúncia, que não foram examinadas em segunda instância, porque a desembargadora, provocada nos embargos declaratórios, disse que processualmente não caberia a ela reexaminar o assunto, também deixaram de ser avaliadas no STJ, porque foi trazida a Súmula 7 como justificativa para que o mérito não fosse reexaminado. É como se eu fosse condenado por homicídio com ocultação de cadáver. Em primeira instância, não houve a acusação contra mim, em segunda instância o tribunal diz: “Olha, condeno por tantos anos por homicídio e tantos anos por ocultação de cadáver". Apresento então a foto do sujeito vivo, o endereço dele e uma carta de próprio punho atestando que ele vive. O tribunal responde apenas que não vai dar efeitos infringentes ao embargos declaratórios por uma questão processual. Finalmente, o STJ reconhece que se trata, na verdade, de ter que reexaminar a prova e se recusa a fazê-lo. Quem irá reconhecer que o crime não ocorreu?

ConJur — Não se detiveram no mérito da questão. Só em questões processuais.
Luiz Estevão — A partir dos embargos declaratórios, apenas em questões processuais.

ConJur — Pelo que conhece desse processo, o senhor acredita que houve desvio de verbas das obras do Fórum Trabalhista?
Luiz Estevão — Os números não apontam para a conclusão de que ocorreu desvio.

ConJur — Além desse processo, o senhor responde a quantas ações na Justiça?
Luiz Estevão — Cinco ou seis.

ConJur — Eram 41?
Luiz Estevão — Sim, tudo em decorrência deste processo do TRT. Condenação transitada em julgado, eu não tenho nenhuma. Fui absolvido ou a denuncia é que foi rejeitada. Ou o processo foi anulado por algum motivo, trancado por insuficiência de provas, inépcia.

ConJur — O senhor se arrepende de alguma coisa nesses 12 anos, durante a condução do processo?
Luiz Estevão — Não. Considero que sempre fui muito bem assistido por advogados muito diligentes e atuantes. Minha grande queixa é a falta de exame dos meus argumentos pela Justiça. É difícil você desmanchar uma mentira que já se repete há 12 anos.

ConJur — O senhor quer que o mérito seja analisado…
Luiz Estevão — É a busca do seu direito. Não quero que o Judiciário apenas concorde com os meus argumentos e discorde das conclusões do Ministério Público. O que não pode ocorrer é simplesmente ignorar o argumento de uma das partes. A Justiça não precisa se convencer dos meus argumentos, mas tem de considerá-los. Porque senão, não é Justiça.

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