Justiça Tributária

Fim da eficiência da Receita vai quebrar importadores

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

30 de abril de 2012, 12h31

Spacca
No ano passado, fui a uma repartição da Receita Federal para tomar vista de um processo administrativo de interesse de um cliente e fiquei muito bem impressionado com a eficiência e a presteza no atendimento. Ao término do atendimento, cumprimentei a funcionária que me atendera de modo tão prestativo e fiquei surpreso ao saber que se tratava não de uma servidora pública, mas de auxiliar terceirizada. Fiquei um pouco preocupado com a possibilidade de informações sigilosas se tornarem públicas, já que uma pessoa que não seja servidor público pode obtê-las, copiá-las e usá-las sabe-se lá para quê. Aliás, já existem precedentes desse tipo. Por isso, somente servidores públicos qualificados é que deveriam ter acesso aos processos.

Mas uma preocupação maior deve tirar o sono das autoridades maiores do país, quando se depararem neste último dia de abril com reportagem de Raquel Landim no “Estadão”, dando conta do verdadeiro caos que se instalou no setor de liberação de importações.

Em matéria aqui publicada em 7/11/2011, afirmamos que retenções indevidas de mercadorias estão causando sérios transtornos e prejuízos aos importadores, de tal maneira que se chega a ter a impressão que o rigor excessivo se faz de forma errada, com o firme propósito de afastar os pequenos e médios comerciantes desse ramo de atividade. A reportagem chama a atenção para os problemas dos pequenos importadores e principalmente para as pessoas físicas. O maior problema é o atraso injustificável na liberação das mercadorias, prejudicando com o aumento das despesas financeiras os importadores e em muitos casos impedindo que pessoas físicas recebam os materiais importados de que necessitam, muitas vezes para a realização de trabalhos inadiáveis.

Já há vários casos de pequenas empresas de importação que estão suspendendo suas atividades ou mesmo encerrando-as definitivamente. Para um país emergente, que precisa criar e manter empregos, isso é péssimo, pois são as pequenas e médias empresas que absorvem volume expressivo de empregos, muitas vezes bem remunerados, alimentando a economia e criando um espírito empreendedor indispensável na época atual. Uma das queixas levantadas por servidores da Fazenda é que há um grande volume de mercadorias a despachar para um quadro muito pequeno de funcionários.

Como os dirigentes fazendários são muito inteligentes, sabem que é legalmente possível a transferência de servidores públicos para outros setores. Bastaria tirar pessoas que estão produzindo pouco em algumas repartições (basta uma rápida visita em algumas e isso se vê claramente) e transferi-las para o setor que esteja carente de mão de obra. Terminada a carência, o servidor poderia retornar ao setor de origem. Nessa história toda, o mais ridículo é o suposto nome que se deu a essa balbúrdia ou, se quiserem um nome técnico, a esse abuso fiscal: “Operação Maré Vermelha”. Certamente haverá alguém no serviço público encarregado de inventar nomes de “operações”. Esses nomes são totalmente desnecessários. O serviço publico é sério e assim deve ser encarado. Não precisa de nomes engraçados ou pitorescos. O único que pode e deve ostentar é o que se vê em alguns lugares: serviço público federal. Se funciona, tudo bem. Se não funciona, pode-se usar um nome bonito ou mesmo um palavrão, que fica a mesma coisa.

Não precisamos dos nomes das operações ou programas de trabalhos. Precisamos, muito mais, dos nomes das pessoas que estão agindo em desacordo com a lei, prejudicando deliberadamente a atuação lícita de importadores que vão pagar os tributos devidos e permitir que outros brasileiros tenham acesso aos bens e mercadorias pelos quais pagaram. Assim poderemos, quando e se for o caso, responsabilizá-los pelos crimes de abuso de poder ou excesso de exação. O mais estranho é chamarem de guerra fiscal os incentivos fiscais de ICMS concedidos por alguns estados (ES e SC principalmente), que de uma forma ou de outra são úteis a resolver parte do problema do porto de Santos, que não suporta o atual movimento.

Exatamente por conta dos problemas portuários de Santos e da fiscalização local é que seria muito oportuno o incentivo às importações feitas por outros locais. Há muito tempo se fala em São Sebastião e até já surgiu a idéia de novo porto em Peruíbe, abortada por causa de uma suposta tribo indígena lá residente, embora eu jamais tenha visto nenhum deles nas inúmeras viagens que fiz pela região. Certamente são pessoas muito tímidas, que não gostam de se deixar ver pelos brancos.

A retenção de mercadorias na alfândega, sem fundamentação legal, é ato abusivo da autoridade e deve ser contestado. Mais que isso: os prejuízos devem ser cobrados da União pela ação própria. Prejuízos devem ser apurados e cobrados judicialmente, cabendo ao governo cobrar do seu funcionário relapso, negligente ou ignorante, o ressarcimento. A Justiça já foi acionada com êxito em diversas questões similares a esta aqui tratada. As decisões mais conhecidas são do TRF-4 (Processos 2003.04.01.026070-6 e 2003.04.01.018264-1, por exemplo), conforme a seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO-AGRAVO DE INSTRUMENTO-LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS-PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA O DESEMBARAÇO ADUANEIRO – PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO-IN 228/2002 –

1. Não se mostra razoável a aplicação da IN nº 228/02, haja visa a necessidade da presença de indícios robustos e concretos, não bastando a simples suspeita da autoridade fiscal, para se admitir a restrição da atividade econômica da empresa, pela retenção de mercadoria necessária ao seu funcionamento.

2. A capacidade econômica da importadora não se fulcra apenas no valor declarado do seu capital social e o procedimento administrativo existe exatamente para que fique comprovada a sua situação financeira, o que demanda, obviamente, maiores esforços do que os aqui coligidos.”

Já se disse que a Receita teria o direito de apertar o contribuinte. Isso é folclore, besteira, bobagem, não direito. Aperta-se fruta para se saber que ela é madura. Aperta-se o cinto para a calça não cair. Aperta-se o colarinho para a gravata ficar elegante. Mas contribuinte é patrão do servidor, não seu escravo. Basta que se procure a norma fundamental do serviço público federal, que é o decreto 1.171 de 22/06/1994 onde se ordena :

"X – Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos".

Por outro lado, a Constituição Federal, em seu artigo 37, ordena:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

Diante disso, só nos resta procurar o Judiciário. Mas este anda mais abarrotado que o porto de Santos. A tal ponto que já sugeri que nas portas dos fóruns fossem inseridas as palavras de Dante (que se referia à porta do inferno) : Perdei toda esperança vós que entrais.

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  • é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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