Guerra dos precatórios

“O tribunal precisa parar de tutelar o interesse do credor”

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22 de abril de 2012, 9h28

Spacca
Elival da Silva Ramos é um grande defensor da Emenda Constitucional 62, a chamada Emenda do Calote que instituiu o regime especial de pagamentos de precatórios pelos municípios, estados e União. Como procurador-geral do estado de São Paulo, destaca os benefícios da emenda, que, entre outras facilidades ao Estado, limitou o disponível para pagamento das dívidas em precatórios a 1,5% da receita do ente estatal. Antes da emenda, o estado de São Paulo reservava de 2% a 3% para esse fim. “Não vamos usar a Emenda 62 para protelar pagamento algum. Em matéria de precatório, o estado de São Paulo cumpre a Constituição".

Para o procurador-geral, a culpa por esse limite tão baixo é da OAB, que em vez de brigar por uma melhor remuneração dos credores do estado, insistiu em arguir a inconstitucionalidade da emenda. Perdeu a aposta da inconstitucionalidade e permitiu que o limite baixo de pagamentos prevalecesse. Ele reclama também do Tribunal de Justiça que refaz os cálculos da PGE para pagamento de juros e diz que o Judiciário superprotege os credores: "O tribunal precisa parar de tutelar o interesse do credor”, diz.

O pagamento de precatórios é apenas a mais espinhosa das obrigações do procurador-geral. Na outra ponta da operação das contas públicas, cabe a ele também, desde 2007, o controle da dívida ativa do estado. Sobre a mesa em seu gabinete, onde recebeu a ConJur para essa entrevista exclusiva, Elival Ramos expõe, com orgulho, dados sobre a atuação da PGE. Em 2011, recuperou R$ 1,14 bilhão da dívida ativa para os cofres do governo e em um ano reduziu em 60% o número de condenações do estado.

Se por um lado o bom desempenho da Procuradoria pode figurar como uma ameaça para os advogados que enfrentam o estado, por outro, sustenta Elival, a PGE está cada vez mais aberta à conciliação. Essa tendência deve ser reforçada com a descentralização do poder de fazer acordo, hoje concentrado no procurador geral do estado. "Nossa intenção é que o próprio procurador que está atuando na causa possa fazer um acordo, mas somente nas causas de pequeno valor. Mas a nova Lei Orgânica deve trazer novos avanços", diz o procurador-geral, revelando seu lado conciliador.

Procurador do estado desde 1980, Elival da Silva Ramos foi nomeado procurador-geral em 2011 pelo governador Geraldo Alckmin. Voltou, assim, ao cargo que já ocupara entre 2001 e 2006, também no governo de Alckmin. Bacharel em Direito pela USP, é mestre e doutor em Direito do Estado e livre-docente em Direito Constitucional pela mesma universidade. Atua no Departamento de Direito do Estado da USP e é professor em cursos de Especialização das escolas do Ministério Público e da Magistratura de São Paulo.

Leia a entrevista:

ConJur — O TJ tem reclamado que muitos pagamentos de precatórios não ocorrem porque o estado não envia as listas de credores? Isso é verdade?
Elival Ramos —
Esta pergunta é importantíssima para que possamos esclarecer o seguinte: a PGE nunca teve uma lista de credores. Sempre tivemos uma lista de precatórios. Nós fazíamos os pagamentos à medida que os recursos estavam disponíveis, até porque naquela época não existia essa história de prioridades. Quando surgiu a Emenda 62, os tribunais de alguns estados já eram responsáveis pelo pagamento. Nestes casos, a emenda quase não trouxe implicações. Mas onde o pagamento era obrigação da Procuradoria ou da Secretaria da Fazenda, a diferença foi brutal.  Aqui em São Paulo, o número de precatórios é muito alto e desaguou no Tribunal que não tinha estrutura para fazer o pagamento. Concluindo, nosso dever é cumprir a Emenda 62 e fazer os depósitos mensais. Não temos porque dedicar considerável tempo para fazer um trabalho [elaboração das listas] que é do TJ.

ConJur — O estado destinava entre 2% e 3% da receita liquida para pagar os precatórios e agora dispõe apenas 1,5%. Ele vai usar a Emenda 62 para protelar pagamento?
Elival Ramos —
Não. Primeiro, cumprimos a lei ao destinar 1,5% da receita liquida. Segundo, antes da Emenda 62 usávamos de 2% a 3%, mas naquela época a receita era menor. A Emenda 62 é apontada como a Emenda do Calote, mas nós não defendemos calote nenhum. Defendemos o seguinte: que se estabeleça um percentual arbitrado pelo Congresso, como se fosse uma ação de alimentos. Ora, se eu tenho filhos e devo, tenho que pagar. Mas vem a mulher e pede 50% do que eu ganho.  Não posso pagar esse percentual porque eu tenho uma série de obrigações, por isso pagarei só 30%. Não é isso que faz em juízo em qualquer ação de alimentos? A diferença é que neste caso é um juiz que arbitra, e no caso do precatório é o Congresso Nacional. São Paulo não disse qual seria o índice. Estipulou-se 1,5% e um dos responsáveis por esse índice, com todo o respeito, foi a OAB.

ConJur — Onde a OAB entra nessa história?
Elival Ramos —
A OAB federal cometeu um erro ao perder o espaço de discussão que se abriu na época arguindo a inconstitucionalidade da Emenda 62. Ao invés disso, deveria ter pleiteado o aumento do índice. Eles deviam ter ido lá no Congresso e dito que 1,5% era pouco, ou ter proposto um escalonamento de acordo com o porte do estado. Mas preferiam insistir na inconstitucionalidade. “Não tem negociação. Isso aqui é inconstitucional.” Esse foi o grande erro da OAB. A consequência é que o Supremo tem a dificuldade de julgar a inconstitucionalidade arguida pela OAB, porque o impacto é muito grande, e fica a tese contra a tese e o percentual sendo praticado.

ConJur — Mas afinal, é possível voltar a dispor de 2% a 3% da receita líquida do estado?
Elival Ramos —
Então, isso tem sido objeto de solicitação dos credores. Quando nós praticamos entre 2% ou 3% por cento, estávamos em 2004, 2005 e 2006, uma época em que a arrecadação era menor. A arrecadação subiu e o estado aumentou investimentos em diversas áreas. Há reclamações diárias com relação à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e o estado precisa investir em infraestrutura de transporte. O estado investia muito pouco em outras áreas que agora aumentou o investimento. Então, não dá para comparar estas épocas. Politicamente, isso pode até ser negociado, mas a PGE não atua nesse setor, isso cabe à Fazenda, ao Governador. O que nós temos obrigação de fazer é cumprir a Constituição. E nós estamos cumprindo.

ConJur — Alguns precatórios esbarram na divergência entre a PGE e o TJ com relação aos juros incidentes sobre os títulos. Como resolver isso?
Elival Ramos —
Neste ponto, o TJ precisa parar de tutelar o interesse do credor. A PGE sempre sustentou que no período de um ano e meio em que o precatório pode ser pago, que é o prazo constitucional, não correm juros moratórios. O Supremo já decidiu desta forma. Mas o Departamento de Precatórios do TJ (Depre) considera que o desconto só vale se o estado pagar dentro de um ano e meio. Caso contrário, perde aquela vantagem. O Depre precisa parar de interpretar a lei e dizer que a gente tem que calcular os juros dessa ou daquela forma. Ele tem liberado pagamentos com acréscimo, porque acha que pode fazer o que quiser com os recursos, mas a PGE impugna estes pagamentos junto à vara. Eu fui ao TJ e sugeri que acolhesse o que a PGE propõe e deixar o credor brigar pela diferença na vara. Muitas vezes o credor olha e diz: “Meu caso é uma porcaria, eu prefiro receber, porque assim recebo logo.” O problema é do credor.

ConJur — O governador tem manifestado a intenção de fazer o primeiro leilão de precatórios ainda este ano. O senhor acredita que isso ocorrerá?
Elival Ramos —
Vamos tentar quitar os precatórios em 15 anos, conforme disciplina a Emenda 62. Há precatórios superiores a R$ 1 bilhão. Acreditamos que um desconto seria importante para colocar o estado dentro desse prazo. Tem duas maneiras de fazer, ou por acordo, que dependeria de uma lei, ou por leilão. O leilão tem várias vantagens. Uma das vantagens é do próprio credor, que fará o cadastramento que o tribunal tanto pede. Outro ponto: questão de dívida e composição para pagar dívida não é questão de liberdade, de direito patrimonial. A Constituição já excepcionou quem tem problema de saúde. O resto é questão de negociação. Hoje o chamado deságio já existe, só que ao invés de beneficiar os credores de precatórios beneficia bancos e instituições que compram o precatório. Porque beneficiar o setor privado, que tem mais recursos, não fere a dignidade da pessoa humana. O desconto não é para o estado fazer obra. É para pagar mais precatório. É uma questão de negociação. É útil para o estado e para os outros credores, porque se ele tiver desconto, vai poder pagar mais rapidamente o restante da fila.

ConJur — Mas é possível fazer o leilão enquanto a emenda está sub judice no Supremo?
Elival Ramos
. Se a gente partir do princípio de que não devemos fazer leilão porque ele está impugnado no Supremo, então também não vamos depositar 1,5% da receita liquida porque ela consta da mesma norma impugnada. Não é essa a questão. Há dificuldades operacionais, mas o estado tinha que tentar colocar isso em funcionamento. Evidente que se elas forem insuperáveis, alguma forma de solução tem que ser dada. A possibilidade é substituir o leilão por acordo, mas para isso tínhamos que aprovar rapidamente uma lei. Podíamos usar o critério do município de São Paulo, que trabalha com desconto fixo de 50%. Quem concordar com 50% de desconto dentro da ordem cronológica, recebe. É simples: “Concorda com os 50%? Concordo. Então eu vou te atender. Próximo. Concorda? Não. O terceiro…”

ConJur — A Fazenda é contra compensação de precatório com dívida tributária. Qual é o posicionamento da PGE?
Elival Ramos —
Nós normalmente não aceitamos. Primeiro teria que ter previsão especifica de lei para compensação, o que não tem. E de um lado você tem um precatório que vai vencer em um prazo, e do outro, um tributo que é exigido imediatamente. Então são dívidas completamente diferentes.

ConJur — Que medidas o estado toma para receber suas dívidas?
Elival Ramos —
Com relação àqueles que têm dívidas passíveis de serem inscritas na dívida ativa, uma resolução da PGE impõe uma alçada mínima de 300 UFESPS, que hoje representa R$ 5 mil, para cobrança em juízo. Então, tudo que for acima de R$ 5 mil terá cobrança judicial. Ressalto que a maior parte dos devedores está dentro deste limite. Se pegarmos o caso do IPVA, por exemplo, 90% dos devedores estão dentro da faixa em que não há cobrança judicial. Mas o fato de não haver processo judicial não quer dizer que o estado não cobre.

ConJur — Como é feita a cobrança daqueles que devem menos de R$ 5 mil?
Elival Ramos —
Fazemos cobrança administrativa. E, isso pode envolver uma carta, protesto nootiral do CDA [Certidão de Dívida Ativa] e inscrição no Cadin [Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais], que certamente ocorre. Outra medida que pode ser adotada é o protesto em cartório. Antigamente discutia-se essa iniciativa, mas recentemente o CNJ a tem incentivado. O Órgão Especial do TJ-SP por muito tempo foi contra, mas hoje apoia. A PGE se preocupa em não fazer um protesto indiscriminado, pois este pode resultar em uma ação indenizatória contra o estado, posteriormente. Então, nós estamos com um projeto piloto de protesto, especialmente no campo de IPVA. Os resultados tem sido bons.

ConJur — O projeto se restringe ao IPVA?
Elival da Silva —
Por enquanto, sim. O protesto é a maneira mais forte de cobrança e por isso conseguimos recuperar 46% do IPVA protestado, sem ação judicial. A idéia agora é prosseguir protestando tudo o que está na faixa de pequeno valor. Futuramente poderemos estender este projeto para o ICMS, especialmente o débito declarado e não pago.

ConJur — O estado está impedindo que empresas com irregularidades no Cadastro Municipal de Contribuintes do ICMS (Cadesp) emitam Nota Fiscal eletrônica (NF-e), inclusive, passou verificar eletronicamente a situação do destinatário da mercadoria para emissão da NF-e. Esta prática não caracteriza impedimento do exercício da atividade econômica?
Elival Ramos —
Uma coisa é impedir o exercício da atividade econômica, outra é utilizar um mecanismo indireto de cobrança. Com o protesto você está dando publicidade de que alguém não te pagou uma divida. Se isso vai ser usado pelo mercado ou não vai ser usado, é um problema do mercado. Claro, a gente sabe que as empresas pensam: “Opa, essa aqui tem problemas de protesto não vou comprar nada dela”. Mas, não é um efeito extrafiscal ou extranotarial do protesto que não ocorre só a favor do estado, mas a favor de todo mundo que protesta. Se for usar isso no argumento, os bancos também não podem protestar.

ConJur — A PGE está protestando em cartório só o contencioso geral ou o tributo também?
Elival Ramos —
O tributo também. O protesto é algo que todo e qualquer credor pode fazer. O estado só está deixando público que determinada pessoa não o pagou. É um fato verdadeiro e as consequências indiretas disso beneficiam a todos os credores em geral. Além disso, estas iniciativas contribuem para a diminuição da litigiosidade, já que, boa parte da demora, nos processos judiciário é devido às execuções fiscais.

ConJur — O que a PGE faz no sentido de diminuir a litigiosidade?
Elival Ramos —
No campo tributário, o que podemos fazer é estipular o valor mínimo para protesto em cartório. Além disso, estamos verificando se a empresa tem CNPJ cancelado, extinto ou suspenso, antes de executá-la. Assim não jogamos para o Judiciário uma execução que tem pouca chance de êxito. Além disso, deixamos de recorrer em algumas matérias. Só no ano passado tínhamos nove temas dos quais, hoje não recorremos mais.

ConJur — O TJ criou uma comissão de interlocução com a PGE. Em que aspecto vocês já avançaram?
Elival Ramos —
Principalmente na reparação de dano. O Tribunal nos alertou que essa era uma boa área para fazer conciliação, isso porque a ação de reparação de danos envolve matéria fática. Às vezes o estado tem razão, mas não tem prova. Por isso, é importante que o advogado da causa, o juiz e o promotor se reúnam antes de formalizar o processo para verificar a qualidade das provas. Com relação à reparação de danos, temos a pretensão de ditar ainda este ano um provimento que autorize o procurador a fazer acordo em até determinada alçada.

ConJur — O estado faz conciliação?
Elival Ramos —
Em matéria tributária não, até porque não podemos, já que é cobrança vinculada. O estado faz conciliação, mas de maneira restrita, porque a Lei Orgânica da Procuradoria coloca os acordos como atribuição exclusiva do Procurador Geral. Sendo assim, quando se trata de grandes valores, o procurador geral atua, mas não dá para ficar tomando conhecimento de tudo, de uma reparação de danos de pequeno valor proposta no interior do estado, por exemplo.

ConJur — Não seria viável descentralizar este poder de negociar as dívidas?
Elival Ramos —
Sim. Esta é uma medida importante na qual já estamos trabalhando. Nossa intenção é que o próprio procurador que está atuando na causa possa fazer um acordo, mas somente nas causas de pequeno valor. Seriam casos de reparação de danos, ambulância e carro de polícia que bate em veículo de particular, entre tantos outros casos que ocorrem por todo o estado. Isso já poderia ser feito até na legislação atual, aliás, a área do contencioso já está tentando estipular alguns parâmetros para autorização dos acordos. Ademais, a nova Lei Orgânica da PGE deve trazer outros avanços nesta área.

ConJur — A nova Lei Orgânica deve vir quando?
Elival Ramos —
Nós temos um anteprojeto de lei orgânica que está nesse momento em debate no Conselho da Procuradoria. Pretendo levá-lo ao governador até agosto. Suponho que deva tramitar dentro do governo por dois ou três meses antes de se transformar no projeto de lei que será encaminhado ao Legislativo. Acredito que em 2013, sem processo eleitoral, o que normalmente atrapalha o processo legislativo, o PL deva ser votado. De forma que, em 2014 estaríamos começando a fase de implementação de uma nova Lei Orgânica da PGE.

ConJur — Em que ponto está a informatização da PGE?
Elival Ramos —
A PGE tem relatórios sobre tudo que você perguntar, e rapidamente. Tem algumas coisas que estão mais atrasadas, mas não é por uma questão de informatização, e sim técnico-jurídica. As ações novas que entram, quer o estado seja autor, quer seja réu, são colocadas em uma ficha eletrônica que contém todas as informações: autor, valor, vara, se houve citação, etc. Já os processos antigos estão sendo inseridos no sistema de forma gradual.

ConJur — Qual é o índice de vitórias da PGE no Judiciário?
Elival Ramos —
Não temos este dado porque nosso sistema ainda não está abastecido com todos os processos. Se você perguntar: “Qual o índice de vitórias a respeito de adicionais de insalubridade por vinculação ao salário mínimo?” Eu sei que a gente ganha 90% das causas, mas está é uma estimativa com base na troca de informações com procuradores que cuidam dos casos. Mas dados precisos, só quando o sistema estiver completamente informatizado com relação ao contencioso geral.

ConJur — Em quais temas a PGE tem conquistados mais vitórias e em quais tem colecionado mais derrotas?
Elival Ramos —
Temos conseguido bons resultados em ações anulatórias, que são aquelas em que o contribuinte diz que não deve. Nestes casos ganhamos 93% das causas. No caso de funcionários que são demitidos por pena disciplinar e entram com ação de reintegração para voltar ao cargo, o índice é de 90%. Quando o tema são vantagens concedidas ao funcionalismo, há muitas causas que perdemos. Isso porque o estado aumenta a remuneração dos servidores criando normalmente gratificações, inclusive, indo contra a opinião da PGE, para se livrar dos reflexos. Mas acaba perdendo as ações judiciais.

ConJur — É comum o estado agir contra um parecer da PGE?
Elival Ramos —
É cada vez mais difícil. Até porque se fizer isso, e tiver um problema lá na frente, este parecer contrariado pode ser usado como prova em um processo de improbidade administrativa. Ou seja, cada vez mais o parecer da PGE tem mais força. No passado, quando a gente queria que alguma orientação fosse seguida por toda administração, fazíamos uma súmula, que resultava em um despacho normativo do governador. Hoje um parecer nosso faz às vezes da súmula. Às vezes perguntam por que não as editamos mais. E, eu respondo: Porque não é necessário. Um parecer da PGE, desde que aprovado pelo procurador-geral, tem efeito vinculante, e todas as secretarias seguem. Os próprios órgãos de controle, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e depois o Judiciário usam isso como balizamento e falam: “Olha, você tinha um parecer que dizia para você não fazer, mas você fez.” Isso deu para nós uma força muito grande nos pareceres.

ConJur — Vamos falar de resultados. Quanto a PGE economizou e quanto recuperou para o estado?
Elival Ramos —
De 2010 para 2011, nós tivemos uma diminuição de 60% das condenações judiciais.

ConJur — Quanto a PGE recuperou da dívida ativa?
Elival Ramos —
Em 2011, arrecadamos R$ 1,14 bilhão da dívida ativa. Isso representa um aumento de 35% em relação a 2010. O que é um valor expressivo se considerado o custo da PGE.

ConJur — Quanto custa a PGE?
Elival Ramos —
A nossa folha mensal com procuradores é de R$ 26 milhões. Vale lembrar que este gasto não é só na área tributária, inclui os procuradores que estão atuando na área consultiva.

ConJur — Quantos são os advogados do estado?
Elival Ramos —
Procuradores do estado e autárquicos são aproximadamente 1 mil. Para ser exato, 932 procuradores da PGE e 66 procuradores autárquicos. No total de 998. Mas o nosso quadro de cargos é um pouco maior, 1.034. Significa que temos aproximadamente 100 cargos vagos. Já estamos programando um concurso público brevemente para preencher 100 cargos.

ConJur — Os procuradores recebem honorários de sucumbência?
Elival Ramos —
Sim, todos recebem. Em São Paulo, a lei determina que o valor arrecadado com honorários seja revertido para o procurador. Não tudo, porque 4% vão para os servidores administrativos e 3% vão para o Centro de Estudo da Advocacia. Mas os outros 93% formam um fundo que ainda recebe recurso do tesouro e é usado para pagar a chamada verba honorária dos procuradores, que é um adicional de função.

ConJur — Então, tecnicamente a verba honorária é uma gratificação e não o honorário de sucumbência, propriamente dito?
Elival Ramos —
Sim. A verba arrecadada a título de honorário vai para Fazenda e entra como receita do estado, mas tem código diferente do tributo principal. O que é importante frisar é que este dinheiro não tem outra destinação, se não compor a remuneração do procurador. Se são arrecadados R$ 10 milhões e a folha de pagamento custa R$ 26 milhões, o Tesouro acrescenta R$ 16 milhões. O Tesouro pode acrescentar, de acordo com lei, até três vezes o valor arrecadado de verba honorária para compor a vantagem. Até quem não atua no processo ganha essa verba. Por exemplo, os que atuam em consultoria.

ConJur — Quantos processos o estado tem hoje na Justiça?
Elival Ramos —
De cabeça posso lhe adiantar os dados referentes à litigiosidade de 2011. Foram 70 mil ações propostas contra o estado e 1.300 na qual ele foi autor, isso sem contar as execuções fiscais. Quando falamos de execuções fiscais, subimos para mais 200 mil execuções. Quando se fala que o estado é o principal responsável pelo volume de processo em juízo, isso significa do ponto de vista da Fazenda autora. Porque nas outras ações, nós propusemos um volume pequeno. Se é para diminuir litigiosidade, o estado tem de focar principalmente no setor tributário fiscal.

ConJur — Há como atuar na diminuição especifica das execuções fiscais?
Elival Ramos —
O que se pode fazer, basicamente, é atuar nos limites de alçada. No ano passado eu aumentei o valor de alçada e generalizei isso para todos os débitos da dívida ativa. Estimamos que com isto sejam extintas 200 mil ações.

ConJur — Existe alguma possibilidade deste limite ser aumentado?
Elival Ramos —
Hoje o limite é de R$ 5 mil porque o CNPJ calculou que uma execução fiscal custa entre R$ 4.300 e R$ 4.500, e não faz sentidos movermos uma ação na qual gastaremos mais do que se propõe receber. Esta foi mais uma medida tomada para tornar a PGE mais eficiente. Mas quando falamos de economia para o estado, falamos de processos que são evitados. Neste aspecto, estamos falando da tarefa consultiva da PGE, e claro, de uma melhor prestação de serviços por parte do Executivo. Neste ponto, temos conseguido bons resultados na área de medicamentos, por exemplo.

ConJur — Como o estado tem se saído nos processos de obrigação de fornecer medicamentos?
Elival Ramos —
O estado tem gastos crescentes com medicamentos para pessoas que não os recebem pelo SUS e entram com a ação. O volume é crescente na União, estado e município. O estado de São Paulo, em 2005, gastava R$ 300 milhões para dar medicamento por via judicial. Está hoje chegando a R$ 800 milhões. Mas isso não quer dizer que a PGE não está economizando recursos para o estado. Temos um índice estatístico que é resultado da divisão do número de ações para cada grupo de 100 mil habitantes. Esse índice em São Paulo, na região metropolitana, já foi de 6,9 ações, em março de 2009. Ou seja, 6,9 ações para cada grupo de 100 mil habitantes na Região Metropolitana. E, foi reduzido, em outubro de 2011, para 3,8. Então, o que eu estou mostrando é o seguinte: Temos menos ações sendo propostas contra o estado.

ConJur — Mas se temos menos ações propostas contra o estado, por que o gasto com o fornecimento de medicamentos via judicial quase triplicou?
Elival Ramos —
Porque a diminuição do índice foi na Região Metropolitana. No interior houve uma explosão dessas ações. Em São José do Rio Preto o índice é de 28.9. Em Ribeirão Preto, 19.76. Em São Paulo é 3,8 porque criamos uma unidade especializada na capital só de ações de medicamentos. Setenta por cento das ações são para fornecimento de insulina importada. Mas o SUS fornece insulina. Não é que ele se recusa a fornecer outro medicamento. Mas é preciso saber se essa insulina impostada tem uma eficácia maior, se não está em fase de teste, ou se não é algum laboratório multinacional que está querendo que o estado compre a insulina dele que por um preço 10 vezes maior do que aquela oferecida no SUS. Hoje, o estado leva essas informações ao Judiciário. Tem aumentado o volume em termo de dinheiro gasto, mas seria muito pior se mantivéssemos aquele índice de 6,9. 

ConJur — Muito já se falou no aspecto político da desocupação do Pinheirinho. Mas qual é a visão jurídica da PGE sobre este caso?
Elival Ramos —
A PGE não atuou diretamente nesse caso. Porque se tratava de uma ação privada de reintegração de posse entre particulares. Então, não envolve o estado. O estado só entrou com a força policial para a desocupação, que está prevista no Código de Processo. Então, do ponto de vista jurídico, você tem uma decisão transitada em julgada e cabe à Policia Militar, atuar, se a desocupação não ocorre de forma espontânea. Eu ouvi muita gente dizendo que havia um conflito entre o Código de Processo, uma legislação municipal e princípios constitucionais. Mas não há conflito. Porque você tem vários tipos de normas no ordenamento, e elas servem para coisas diferentes. Os princípios normalmente não servem para resolver caso concreto. Servem para elemento de interpretação, de integração e de construção de outras normas. Mas é uma função muito mais de construção de ordenamento do que propriamente de solução de caso. A não ser que você não tenha norma específica para o caso.

ConJur — O que defenderam alguns é que a norma especifica (usada para desocupação) contrariou princípios constitucionais (da dignidade humana, por exemplo). Neste caso, o princípio não deveria prevalecer?
Elival Ramos —
Tendo norma especifica seria a mesma coisa que dizer o seguinte: com base na dignidade da pessoa humana, todos os credores do estado não deveriam estar sujeito ao precatório, deviam estar sujeitos a um mecanismo mais expedito de pagamento. Eu poderia usar essa tese. Mas ela não prevalece porque eu tenho um sistema bem especificado, normas a partir da própria Constituição, de como é que devemos proceder. Não há choque nenhum. Você tem um princípio geral que fundamenta o ordenamento como um todo. O ordenamento brasileiro está fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, mas temos normas especificas. E se não as observarmos cometeremos injustiças também, por exemplo, se dissermos com base nesse princípio, que todas as pessoas que invadirem imóveis indevidamente, ao serem desalojadas por ordem do Judiciário, terão prioridade frente àqueles que estão esperando regularmente. Estas têm tanta necessidade quanto aquelas, a única diferença é que não são mastros de manobra política. Atender primeiro quem invadiu é dar um chapéu de burro para todos que não invadiram. “Porque vocês não fizeram isso? Se vocês tivessem feito eu teria te atendido primeiro.” Mas o debate é colocado em termos demagógicos e superficiais do ponto de vista de analise jurídica. Não estou dizendo que a decisão tomada no caso está certa ou errada, apenas que ela resolveu o conflito. A partir daí a pessoa tem que ser atendida pelo programa habitacional. Agora, não tem cabimento dizer, como um ministro colega meu disse, que isso é comparado a crime contra a humanidade. Comparar cumprimento da decisão judicial, dando posteriormente o atendimento pela forma legal normal a pessoas que praticaram extermínio de populações, só mesmo o ativismo político pode justificar isso. Isso é questão política.

ConJur — Como o senhor vê as metas impostas ao Judiciário.
Elival Ramos —
Sou totalmente favorável ao Judiciário trabalhar por metas. O CNJ está no caminho correto. A verdade é que o Legislativo e o Executivo tiveram que aprender a trabalhar na democracia. Faltava o Judiciário. Não na jurisdição comum, mas na administração da Justiça. Se conscientizar de certas exigências, que é preciso motivar seus atos. Publicidades, planejamento, eficiência, são princípios constitucionais que não tiveram muita preocupação da parte do Judiciário, e agora tem. O CNJ está exigindo e os tribunais estão respondendo positivamente. Com isso, o país avança. Não basta mais dizer que o Judiciário tem um monte de processos, é preciso dizer o quanto é esse monte. Demora-se muito. Demora muito… quanto? Isso é positivo. É por conta dessa transparência que hoje podemos dizer que a maior demanda do estado nos tribunais é na área da execução fiscal.

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