Posse no Supremo

Presidente da OAB afirma que Congresso é um pântano

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19 de abril de 2012, 17h50

O financiamento privado de campanhas políticas é a "origem de todos os grandes escândalos, que permite o ‘caixa dois’, ou, em outras palavras, a relação promíscua entre o interesse privado e a coisa pública". A afirmação foi feita nesta quinta-feira (19/4), pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante Junior, em seu discurso na posse do ministro Ayres Britto na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Cavalcante defendeu a reforma política e disse que "o Congresso Nacional tornou-se um pântano, onde muito se discute, mas nada é feito de concreto para melhorar o ambiente, que continua sendo o de um pântano". 

A cerimônia de posse começou às 16h30, no salão do Plenário do STF. Compuseram a mesa de honra a presidente da República, Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), a senadora Marta Suplicy (PT-SP), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Júnior. Políticos, ministros e demais membros do Legislativo, Executivo e Judiciário estiveram presentes. 

Em seu discurso, o presidente da OAB destacou a trajetória do novo presidente do STF como advogado e conselheiro da Ordem. “Vossa Excelência, ministro Ayres Britto, carrega nas veias o DNA das liberdades, das garantias fundamentais dos cidadãos, da independência, ideais pelos quais a Ordem dos Advogados do Brasil sempre lutou”, declarou.

O presidente da OAB também elogiou a firmeza do ministro Cezar Peluso, que deu lugar a Ayres Britto na presidência do STF. “Vossa Excelência portou-se como um magistrado firme em suas convicções e preocupado em preservar o Judiciário como o intérprete maior da Constituição”.

Confira abaixo o discurso na íntegra:

“Mais do que uma tradição, a oportunidade de ocupar esta tribuna na solenidade de posse dos ministros Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da mais alta Corte de Justiça do País, é o reconhecimento de que não há Justiça sem a advocacia, sem a defesa das liberdades.

Reveste-se também de forte simbologia a presença da Ordem dos Advogados do Brasil à mesa desta solenidade. Mais do que uma deferência de Vossa Excelência, esse gesto materializa todos os artigos, parágrafos e incisos do Capítulo II da Lei 8.906, que traz em seu preâmbulo: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeitos recíprocos”.

O dever da OAB não se esgota em defender a Constituição, o Estado democrático de Direito, a boa aplicação das leis, a justiça social, os direitos humanos e promover o controle da constitucionalidade abstrata das leis perante esta Corte. Vai além, tem ela que cumprir — e tem cumprido ao longo de sua história — uma missão delicada: lutar para que o processo político, na sua acepção mais ampla, seja travado dentro de padrões éticos e morais compatíveis com os princípios constitucionais da moralidade e probidade, sem contaminar-se com o varejo partidário e ideológico. Porque a casa do Advogado é também a casa da Cidadania.

Vossa Excelência, ministro Ayres Britto, carrega nas veias o DNA das liberdades, das garantias fundamentais dos cidadãos, da independência, ideais pelos quais a Ordem dos Advogados do Brasil sempre lutou, daí porque nossa esperançosa expectativa de que no seu curto, mas intenso mandato, serão lançadas novas bases para o pensamento da Justiça.

Conselheiro Federal da OAB de 1985 a 1987; de 1987 a 1989; e de 1993 a 1995, não é necessário lembrar o conhecimento que o senhor acumulou das glórias e das agruras da realidade cotidiana do advogado militante. Destaco ainda, os relevantes serviços prestados à nossa entidade, quando integrou a Comissão de Estudos Constitucionais da OAB nos períodos de 1995 a 1996 e de 1998 a 1999.

Por tudo isto, Senhor Presidente, além de tantos títulos que já lhe foram conferidos — de jurista/poeta, de poeta/jurista —, para nós Vossa Excelência será sempre o advogado forjado no sentimento humanista que caracteriza a profissão de defender os direitos daqueles que buscam a Justiça. E o que esperar mais?

É a alma humana, impregnada pela poesia, que tenta harmonizar-se com o espírito das leis e com ele coopera voluntariamente, como a nos dizer que o mais humilde e simples cidadão é o cidadão da pátria a qual pertencemos todos.

Mas, ainda que sua passagem pela Presidência do Supremo Tribunal Federal seja abreviada por um imperativo legal, saiba Vossa Excelência que o seu nome já está inscrito na galeria dos grandes juristas que honram uma Casa que, como proclamou Rui Barbosa, abriga a consciência jurídica da nação e faz tremer os que tentam manchar os ideais democráticos e republicanos.

O tempo, temos certeza, não será empecilho para esta Corte levar à frente, o quanto antes, o julgamento dos processos relativos aos escândalos de corrupção que marcaram a nossa história recente.

Portanto, aqui estou, na condição de Presidente de uma entidade que nunca se acovardou nos momentos cruciais de nossa história, para dizer ao novo Presidente da Suprema Corte brasileira que a sociedade espera, sinceramente, que esse tema não seja mais postergado. E que a Justiça, obviamente respeitando o devido processo legal, promova a punição exemplar dos culpados pelos crimes que cometeram contra o patrimônio público. Não importa o título e a envergadura do criminoso. Pois somente eliminando qualquer idéia de impunidade podemos, de fato, combater a fonte de todas as mazelas sociais em nosso país, que é a corrupção.

Não surpreende que estejamos tratando desta questão no momento em que forças políticas antagônicas afiam as armas para mais um espetáculo de canibalismo moral e ético em torno de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito, ironicamente conhecida como “CPI do Fim do Mundo”.

Antes que sejam ligados os holofotes, precisamos refletir — e refletir seriamente — sobre um dado inegável: na origem de todos os grandes escândalos está o modelo de financiamento privado das campanhas políticas, que permite o “caixa dois”, ou, em outras palavras, a relação promíscua entre o interesse privado e a coisa pública. É sempre assim.

E o resultado é que a cada eleição, se de um lado tomam posse os eleitos, nas sombras, outro poder se instala, apropriando-se dos negócios públicos e dando as cartas no jogo. E manda tanto que quando cai arrasta, junto de si, numa grande cascata, bicheiros, contraventores, falsificadores, arapongas, policiais, governadores, parlamentares, servidores, empresários, projetos, obras, e, também, a própria credibilidade nas instituições. Este, sim, nos parece o verdadeiro apocalipse.

O Congresso Nacional, o Parlamento em todos os níveis, tornou-se, para usar uma expressão de Monteiro Lobato, um pântano, onde muito se discute, mas nada é feito de concreto para melhorar o ambiente, que continua sendo o de um pântano. Com honrosas exceções, é claro, o Parlamento tem servido de balcão de negócios para muitos políticos, contribuindo para desgastar ainda mais a imagem das instituições.

É preciso que se diga que nunca, em sua história, o Brasil teve uma democracia tão duradoura, apesar das constantes crises nas instituições. Prova da maturidade de nosso povo e da crença nesse sistema. Mas precisamos avançar mais, realizar novas conquistas, e isso só é possível com instituições fortes em todos os níveis.

A reforma política, embora esteja na agenda nacional desde 1930, nunca avança, sendo constantemente freada pelas forças que se beneficiam da atual situação.

Por esta razão, a Ordem dos Advogados do Brasil trouxe, a esta Corte, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando os dispositivos da legislação eleitoral que permitem doações de empresas privadas às campanhas políticas, por violarem os princípios da igualdade, da proporcionalidade e o princípio republicano de “um homem, um voto”.

Temos a convicção de que agindo assim estamos atendendo a um anseio da sociedade, da mesma forma como ocorreu com a Lei da Ficha Limpa, que se não promover uma abrangente assepsia no cenário eleitoral, ao menos vai retirar de cena alguns atores que em nada enobrecem a arte de fazer política. Pelo menos não ficamos no “mutismo de peixe” de que falava Monteiro Lobato.

O Poder Judiciário, apartado das paixões políticas e do jogo partidário, é fundamental para conferir conteúdo ético e moral à nossa democracia. Decidir questões relativas ao Parlamento não significa judicializar a política, mas delinear suas balizas a partir da própria Constituição, que foi, em última análise, produzida pelos legisladores eleitos pelo povo. Portanto, as decisões do Supremo são legitimadas pela vontade do povo contida na Constituição.

O papel da Suprema Corte é fundamental para instaurar novos paradigmas a uma sociedade que precisa de esperança; que precisa ver que as Instituições funcionam; em que o criminoso do “colarinho branco” vai para a cadeia; que vale a pena ser ético.

Não deixa de ser um papel político, porém não se confunde com papel político partidário. O sistema de freios e contrapesos é salutar e necessário à República, pena que somente seja usado pelo Judiciário para conter as transgressões e as omissões dos demais. Entre Executivo e Legislativo há uma acomodação na utilização desse sistema, sobretudo por parte do Legislativo, por estar pautado pela agenda — ou pelas constantes Medidas Provisórias — do Executivo.

Não que o Judiciário seja um “mar de virtudes”. Digo o mesmo com relação a nós, advogados, pois o que somos senão integrantes e essenciais a este Poder? Há falhas e equívocos que vão desde a concepção de uma Justiça encastelada, onde cada Tribunal é um reinado inexpugnável e a autonomia é exercida para dentro e não para fora, até os abomináveis desvios de conduta ética.

Felizmente isto não representa a maioria, mas até para extirpar este mal precisou o Supremo Tribunal Federal reconhecer a competência do Conselho Nacional de Justiça para julgar as infrações ético-disciplinares dos magistrados, independentemente das corregedorias estaduais.

Senhoras e Senhores,

A Justiça é do povo, não sendo propriedade daqueles que a integram. E esse conceito, ministro Ayres Britto, é o mesmo que Vossa Excelência sempre apregoou e que pratica, servindo de paradigma a todos os Juízes.

Quando o Brasil se redemocratizou e editou uma nova Constituição, em 1988, abriu as portas do Judiciário a uma sociedade que vivia sob jejum democrático há 20 anos, privada de seus direitos mais elementares.

Instrumentos como Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Mandado de Segurança foram disponibilizados a qualquer cidadão. No entanto, não foi dada a esta Justiça os meios necessários para atender à demanda reprimida. É aquela história: mostrou-se a porta de entrada. Mas onde fica a saída? Ela está em se conceber a Justiça como um valor da democracia conferindo-lhe condições para se estruturar e dar eficácia ao princípio da razoável duração do processo.

Ministro Cesar Peluso,

Nas divergências e convergências que travamos ao longo de sua gestão, Vossa Excelência portou-se como um magistrado firme em suas convicções e preocupado em preservar o Judiciário como o intérprete maior da Constituição. Receba os nossos cordiais cumprimentos.

Ministro Ayres Britto,

Para a monumental obra que ainda está em curso, de modernizar os hábitos, costumes e gestão do Judiciário, ao lado do ministro Joaquim Barbosa, conte, desde já, com a Ordem dos Advogados do Brasil.

Não há de ser mero acaso que sua posse ocorra na data em que a nação reverencia os povos indígenas, “aqueles que estavam aqui antes da noite nascer”, para usar uma expressão — dos próprios índios — na qual o conceito de soberania alcança o da dignidade humana.

Por fim, evoco as palavras de outro sábio sergipano, Tobias Barreto, a quem Vossa Excelência também recorreu durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa:

“Onde o povo não é tudo, o povo não é nada”.

Em um país de poucos heróis verdadeiros e de muitas injustiças reais, esta frase sintetiza o sentimento coletivo que nos leva, afinal, a clamar, em alto e bom som:

“A Pátria somos nós”.

Que Deus o abençoe em sua missão!

Muito obrigado!”

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