Improbidade administrativa

Servidor da Funai é condenado por arrendar terras

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17 de abril de 2012, 6h36

A Constituição diz que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios pertencem à União, sendo inalienáveis e indisponíveis. Logo, não podem ser arrendadas. Por isso, a juíza Liane Vieira Rodrigues, da Vara Federal de Santa Rosa, no noroeste do Rio Grande do Sul, condenou um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) por intermediar o arrendamento de terras na Reserva Indígena da Guarita. Como o funcionário público já havia sido demitido, a sentença suspendeu seus direitos políticos pelo prazo de cinco anos, proibiu-o de contratar com o Poder Público e multou-o em R$ 10 mil. 

A sentença diz que, além do comprovado ato de improbidade administrativa, foram violados os deveres funcionais e os princípios basilares da Administração Pública. A decisão foi tomada no dia 29 de março e, dela, cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal do Rio Grande do Sul, o servidor, na condição de chefe do posto indígena da Reserva da Guarita, emitiu mais de 50 autorizações para que não-índios adentrassem à Reserva para prestar serviços — na verdade, pequenos arrendamentos agrícolas. As autorizações foram emitidas entre 2002 e 2005. Além disso, o servidor da Funai também era responsável pela articulação de financiamentos feitos em nome dos índios na agência do Banco do Brasil no município de Planalto e pela comercialização da produção, de acordo com notas fiscais apreendidas durante a investigação.

A Reserva da Guarita é a maior do Rio Grande do Sul, com 23 mil hectares distribuídos entre os municípios de Tenente Portela, Redentora e Erval Seco. Nela, habitam cerca de sete mil indígenas, das etnias caingangue e guarani.

Desde a Constituição de 1988, as terras reconhecidas como pertencentes a indígenas só podem ser utilizadas por índios. O arrendamento destas áreas é expressamente proibido pelo artigo 18 da Lei 6001/1973, conhecido como ‘‘Estatuto da Terra’’.

O servidor se defendeu na Ação Cível de Improbidade Administrativa. Afirmou que não ficou provada a existência de arrendamentos, mas de simples contratos de assistência técnica, daí porque não se poderia falar em improbidade administrativa: pela ausência de benefício recebido. Garantiu ter procedido em estreita consonância com as regras, sem prejudicar a boa gestão da coisa pública ou o erário.

Mas a juíza federal Liane Vieira Rodrigues afirmou que o prejuízo ao erário não é essencial para a configuração do ato ilícito, porque a Lei 8.429/1992 (Lei da Improbidade Administrativa) não visa exclusivamente proteger a parcela de natureza econômico-financeira do patrimônio público, adotando abordagem ampla e irrestrita. "A leitura do texto da lei de forma sistemática, desde logo, permite concluir que o prejuízo ao erário, prejuízo ao patrimônio, enriquecimento ilícito, não constituem elementos essenciais ao delito."

Ela afirmou que o vocábulo ‘‘improbidade’’ contempla a ideia de violação ao que seja probo; isto é, de caráter íntegro, honesto e correto. Assim, a atuação estatal, através do administrador, impõe a este o agir ético para com a finalidade da norma, devendo pautar-se no princípio da moralidade.

No caso concreto, a magistrada disse que a conduta do réu feriu a Instrução Normativa 3, de 25/06/2006, que contempla os seguintes deveres: proibir quaisquer formas de cerceamento e arrendamento das terras indígenas; garantir acesso aos índios de acordo com o uso tradicional do território; encaminhar ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal as denúncias de arrendamento. ‘‘A Instrução Normativa materializa os deveres de respeito aos princípios da Administração Pública no âmbito da autarquia, sendo irrelevante a data de sua publicação’’, justificou, em resposta ao argumento de que os fatos alegados se deram em anos anteriores.

A juíza afirmou, por fim, que os anexos que instruem a petição inicial comprovam que o réu autorizou o ingresso de pessoas que não integravam a comunidade indígena para praticar atos típicos da agricultura, mediante pagamento de percentual sobre a produção. ‘‘Não se trata de assistência técnica, como quer fazer crer o demandado (réu), mas de contrato de arrendamento camuflado, pois os beneficiários se limitam a dizer que não sabiam que era proibido cultivar nas terras indígenas’’, arrematou a juíza.

O réu foi condenado com base nos artigos 9º, caput (combinado com o artigo 3º), 10, caput, e 11, caput, todos da Lei de Improbidade Administrativa. As sanções judiciais incluem suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de cinco anos; e multa civil no valor de R$ 10 mil.

Clique aqui para ler a sentença.

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