Direito & Mídia

Juristas precisam conhecer os conceitos da propaganda

Autor

5 de abril de 2012, 13h36

Numa entrevista realizada no fim do ano passado com o

Spacca
professor Eduardo Vera-Cruz Pinto, catedrático de Direito Romano e de Filosofia da Faculdade de Direito de Lisboa, instituição da qual é também diretor, ele fez o seguinte comentário: “A imprensa tem, em seu trabalho, uma responsabilidade comunitária com os cidadãos muito maior do que com as empresas que vendem seus produtos por meio dela. E creio que as faculdades de Direito deveriam ter uma relação bem mais forte com as faculdades de Comunicação Social. Sem dúvida, um dos fatores da crise por que passa hoje o Direito vem da forma errada de ele se comunicar com a comunidade. Para isso precisamos da imprensa”.

A lembrança desse comentário voltou à memória assim que li aqui na ConJur a notícia da decisão do Tribunal Superior Eleitoral proibindo a “propaganda” eleitoral pelo Twitter.

O jurista angolano-português Eduardo Vera-Cruz Pinto, que recebeu o título de cidadão honorário da cidade de São Paulo em fevereiro passado, está coberto de razão. Esse equívoco de entender o uso do Twitter como “propaganda” é uma bela amostra de que os juristas precisam se aprofundar um pouco mais sobre certas particularidades do campo da comunicação social. Segundo a decisão divulgada pela ConJur, o Plenário do TSE decidiu por quatro votos (dos ministros Aldir Passarinho Júnior, Marcelo Ribeiro, Arnaldo Versiani e do presidente, ministro Ricardo Lewandowski) a três (os de Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilson Dipp) que os candidatos e partidos políticos só poderão utilizar o Twitter para fazer campanha após o dia 6 de julho de ano eleitoral. Antes disso, a “propaganda” é ilícita e passível de multa.

Com isso o TSE entendeu que o Twitter é um meio de comunicação social no mesmo patamar que a TV e o rádio, tratados nos artigos 36 e 57-B da Lei das Eleições, que abordam as proibições de propaganda eleitoral antes do período eleitoral.

Propaganda é um espaço publicitário pago de acordo com tabelas de preços estabelecidas pelas empresas de comunicação. Uma contracapa (ou quarta capa) da revista Veja, com uma circulação que passa de 1,2 milhão de exemplares, gerando em média algo em torno de 5 milhões de leitores, custa R$ 427 mil – e as últimas contracapas capas desta revista foram compradas pelos bancos HSBC e Itaú para reforçar suas imagens, não para vender algum de seus produtos. Poucas vezes gigantes da indústria automobilística como Toyota ou General Motors compram esse espaço, preferindo investir R$ 300 mil na compra do espaço da segunda capa somado com o da página 3.

Em um programa jornalístico de televisão como o Jornal Nacional, uma veiculação comercial de 30 segundos chega a preços como R$ 478 mil. A cota mensal de patrocínio do JN com veiculação nacional custa R$ 8 milhões. Isso é propaganda. E é lance para players de alto cacife. Não é para um candidato a vereador ou a prefeito de uma cidade do interior.

A decisão do TSE de proibir o uso do Twitter fora do período eleitoral foi tomada na sequência do julgamento de um recurso do ex-candidato à vice-presidência Índio da Costa, companheiro de chapa de José Serra, do PSDB, nas eleições de 2010. Índio da Costa recorria contra a multa de R$ 5 mil aplicada pelo ministro Henrique Neves, ao julgar representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral. O companheiro de chapa de Serra havia tuitado uma mensagem pedindo votos para o tucano no dia 4 de julho de 2010, dois dias antes do limite estabelecido.

Ou seja, temos envolvidos nesse imbróglio uma representação de bacharéis e juristas do Ministério Público Eleitoral e do TSE, todos discutindo sobre um tema em que a maioria demonstrou profundo desconhecimento do campo da comunicação, o que traz à mesa o comentário do professor Eduardo Vera-Cruz Pinto. Desconhecem a definição de “propaganda”, que é informação paga, preparada e produzida quase sempre por agências de publicidade, com a participação de profissionais de alta competência na criação de efeitos sonoros, captação de imagens de carros deslizando em cenários paradisíacos ou paisagens agrestes que transmitem a sensação de alta adrenalina. O custo dessas produções alcançam cifras ainda mais elevadas do que os preços de veiculação já descritos.

Só por esse motivo a “propaganda” recebeu uma regulamentação altamente restritiva na legislação eleitoral, pois a ideia do legislador foi a de criar isonomia entre os candidatos e não a de restringir a veiculação da informação. Ao limitar a propaganda (espaço publicitário pago) evita-se que o concorrente de um partido sem robustos financiadores de campanha saia prejudicado em uma luta de armas desiguais.

Muitos de nossos juristas confundem uma reportagem ou entrevista com qualquer político em jornal ou revista com “propaganda”. A presidente Dilma, capa recente da já citada Veja, ao conceder uma entrevista não faz propaganda, ela fornece informação e presta contas aos leitores, que são também eleitores. Seria o caso de perguntar se o Twitter do Tribunal de Justiça de São Paulo pode ser considerado “propaganda” ou é uma ferramenta de comunicação na esfera pública? Sem dúvida esse tema merece outros desdobramentos.

Mas o certo é que no caso concreto da decisão, os ministros do TSE confirmam o acerto do comentário de Eduardo Vera-Cruz Pinto, pois demonstram não entender corretamente o que é o Twitter. Chegariam à mesma conclusão se Índio da Costa, em vez da mensagem de 140 caracteres, tivesse postado um texto mais alentado no Facebook? Devo refletir sobre o valor da multa caso a mensagem tivesse cerca de 7,3 mil caracteres como este texto que escrevo?

Se não pode tuitar, será permitido escrever no blog ou no Facebook? E se o Índio da Costa tivesse enviado (coisa que seguramente fez) e-mails de igual teor? E o que dizer dos telefonemas que muitas vezes recebo com gravação de candidatos pedindo meu voto?

Há uma grande diferença entre a comunicação de massa (um fenômeno que no meu entender apenas o rádio atingiu, sobretudo nas décadas de 1930 a 1950) e a comunicação restrita. No rádio, todos recebem a mesma mensagem e no mesmo momento. Ao ler um jornal, três compradores ou assinantes não leem os mesmos cadernos e tampouco o fazem no mesmo instante. Há ainda outra diferença entre massa e público. A massa é indeterminada: não se sabe exatamente com quem se está comunicando. O público tem características definidas: quem vai ao teatro paga um ingresso, se veste de uma forma mais ou menos semelhante, tem um horário para entrar. A comunicação nesse âmbito se reveste de um ritual diferente do que ocorre com a de massa.

No Twitter – e estou utilizando conceitos da fala do ministro Gilson Dipp, voto vencido na decisão do TSE – não há divulgação de mensagem para receptores indiferenciados, imprecisos e indefinidos como ocorre no rádio ou na televisão. Mas destinatários certos e definidos, como acontece com o público do cinema ou do teatro. “Não há no Twitter a participação involuntária ou desconhecida dos seguidores. Não há a passividade das pessoas nem a generalização, pois a mensagem é transmitida a quem realmente deseja participar de um diálogo e se cadastrou para isso”, como afirmou o ministro Gilson Dipp.

Seria bom que as escolas de Direito seguissem a recomendação do professor Eduardo Vera-Cruz Pinto e promovessem cursos de extensão ou semanas de debates sobre comunicação social. Evitariam esse tipo de saia-justa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!