Nova Justiça

Integração entre Direito e matemática é promissora

Autor

  • Pablo Cerdeira

    é advogado e professor de Evolução Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

21 de setembro de 2011, 17h06

Spacca
Matemática e Direito são, aparentemente, duas áreas muito distintas. Mas que nos últimos 10 anos vêm estreitando suas relações. Nesta última década, empresas desenvolvedoras de softwares para escritórios de advocacia agregaram a suas ofertas serviços de relatórios que, ainda que simples, são de grande importância. Engana-se quem pensa que esses dados servem apenas para o controle do número de processos e para a elaboração de faturas. São usados pelas grandes empresas para a medição de um importante aspecto de sua saúde financeira: o passivo judicial. É com base em tais informações que essas empresas sabem quanto devem deixar de dinheiro reservado para os próximos meses e anos. Essa informação não é apenas importante. Ela é obrigatória para empresas com ações no mercado. Dependendo da empresa, o passivo judicial tem forte participação na formação do preço de suas ações.

Esta última década é marcada também pela massificação dos processos. Não por acaso Direito e números se aproximaram. Experimente conversar com qualquer diretor jurídico de grande empresa. Perguntado quais suas expectativas ou metas para os próximos anos, ele certamente responderá: ver julgado dois ou três grandes processos de matéria tributária, sobre os quais ele conhece toda a tese jurídica e o histórico dos casos. Na sequência dirá que espera reduzir em x% o número de processos cíveis sobre a matéria y, em z% os processos cíveis cujo objeto do pedido é w, em k% os processos trabalhistas com assunto m etc.

A realidade é essa. Diretores jurídicos de grandes empresas não conhecem mais seus processos individualmente — e nem seria possível, salvo alguns processos especiais. O que se faz é agrupar casos semelhantes para tentar, a partir daí, definir grandes teses e estratégias para cada um desses grupos. É também com base nesses agrupamentos que se faz a expectativa de custo desses processos para a empresa: custos internos (advogados, deslocamentos etc.) e custos externos (condenações, multas, custas judiciais etc.).

Essa mentalidade, já adotada por empresas, precisa ser desenvolvida também na administração do nosso Poder Judiciário. Os primeiros passos já foram dados, basta ver os estudos recentes baseados em números: Justiça em Números, Supremo em Números, Custo dos Processos de Execução Judicial, Os 100 maiores litigantes do Poder Judiciário etc.

Entretanto, até agora, tanto as empresas quanto o Poder Judiciário têm desenvolvidos relatórios de estatística meramente descritiva. São muito úteis, é verdade. Mas são apenas a ponta de um iceberg de possibilidades. Com a aproximação entre matemática e Direito pode-se ir muito mais longe.

Desenho de bancos de dados apropriados, ontologia e normalização dos dados, mineração de dados, identificação de clusters complexos, modelagem e simulação de cenários futuros, desenvolvimento de algoritmos de interpretação de linguagem natural, novos modos de visualização, aplicação de tecnologias de inteligência artificial. Tudo isso é possível hoje, apesar de não ser utilizado.

Com a expectativa de dar um passo adiante nessa área, a FGV Direito Rio estabeleceu uma parceria com a recém criada EMAp — Escola de Matemática Aplicada, também da FGV, em torno do Supremo em Números. O objetivo do projeto não é apenas analisar o Supremo Tribunal Federal, mas sim desenvolver novas metodologias de análise de dados jurídicos que nos permitam conhecer melhor nosso Judiciário, tanto em seu lado público — administração dos tribunais — como em seu lado privado, a gestão do passivo judicial de grandes empresas.

Não é um trabalho fácil, mas diversos métodos e tecnologias novos estão sendo desenvolvidos. E já que estamos falando de inovação metodológica, vou exemplificar com dois vídeos, ao invés de palavras. Ambos demonstram recursos ainda embrionários, mas com grande capacidade de nos trazer mais clareza ao que chamamos de Direito.

Este primeiro vídeo mostra diversas relações entre normas (Constituição, leis, súmulas) no Supremo Tribunal Federal. Ele foi elaborado a partir de um sofisticado algoritmo desenvolvido pela Escola de Matemática Aplicada, que reconheceu e organizou cada uma das normas citadas nas mais de 300 mil decisões do Supremo disponíveis entre 1988 até 2009. Depois as relacionou de acordo com a quantidade de vezes que eram citadas nas mesmas decisões. O resultado pode ser observado abaixo:

Esta outra ferramenta exibida abaixo permite a identificação de clusters com base em diversas variáveis. No exemplo do vídeo a seguir, os galhos principais são os estados da federação, as primeiras ramificações são os tipos de decisão (monocrática, presidência, pleno etc.), as segundas ramificações representam as classes processuais (agravos de intrumento, ADIs etc.) e as folhas (os círculos ao final) representam a quantidade de decisões proferidas. Com isso torna-se possível visualizar quais os estados que mais crescem, a cada período, em cada tipo de decisão, em cada classe processual. Essa grande quantidade de informações é quase impossível de ser percebida em visualizações tradicionais de gráficos.

Esta integração entre Direito e matemática parece bastante promissora para os próximos anos. Ela nos permitirá enxergar um mundo do Direito que não vemos hoje. E assim, olhando para o quadro todo e não apenas para problemas pontuais, será possível pensar em novas soluções também mais globais para os problemas tanto de nosso Judiciário quanto das grandes empresas.

Autores

  • é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

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