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Camélias brancas e caifazes contra a escravidão no Brasil

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12 de setembro de 2011, 10h12

Spacca
O advogado Nelson Câmara faz a sua estreia no romance histórico com um tema bem familiar para ele — a escravidão no Brasil. A Camélia Branca, com lançamento marcado para a próxima semana, em São Paulo, encerra uma trilogia que mergulha fundo nos capítulos finais de quase quatro séculos de vergonha e exploração no país. "É um desses romances que lemos perdendo o fôlego", define o escritor Ignácio de Loyola Brandão. "Um livro que você vai apanhar e vai te fazer mal, vai te fazer bem", comemora.

Antes de A Camélia, Câmara publicou Escravidão Nunca Mais e O Advogado dos Escravos. No primeiro, traçou um amplo painel sobre o início da escravidão, estendendo suas análises para as consequências e outras formas de exploração social e econômica mais recentes. No segundo, apresentou ao país Luiz Gama, vendido pelo próprio pai, e que depois, já como advogado, viria a se tornar figura importante na luta pela liberdade de quase mil escravos na então Província de São Paulo, um número expressivo quando comparado com a população daquela época.

Com a morte de Gama, em 1882, seis anos antes da assinatura da Lei Áurea, as atenções do autor no novo livro voltam-se para a figura de Antonio Bento de Souza e Castro, que abandonou a vida cômoda de advogado, promotor e juiz de Atibaia, para liderar os Caifazes, uma organização clandestina que reunia vários abolicionistas. Com métodos pouco ortodoxos para um "homem da lei formado nas salas de aulas da Academia de Direito do Largo de São Francisco", Castro comandava invasões de fazendas "na calada da noite" para libertar escravos.

As invasões, cercada de riscos e cuidadosamente planejadas em um velho armazém, "entre sacos de farinha, batatas e peixes secos pendurados em arames",  levavam pânico e representavam um duro golpe nas finanças dos donos de escravos. A lavoura cafeeira, base da economia, começava a dar sinais de enfraquecimento e os fazendeiros assistiam seus lucros diminuírem ainda mais "com a mão de obra que se esvaía pelas constantes fugas".

Alguns dos escravos libertados eram levados para a Travessa da Sé, na região central de São Paulo, onde estava instalado o escritório do advogado Luiz Gama. Mas a maioria tinha como destino os quilombos do Jabaquara, em Santos, e do Leblon, no Rio de Janeiro, então capital do Império. A operação só era possível graças à cumplicidade dos trabalhadores das ferrovias então controladas pelos ingleses.

A busca pela liberdade separou Ana e Manelão, jovens apaixonados, ambos escravos. Levada para Santos, Ana foi acolhida por Sarah e David, um casal inglês, de origem judia. Manelão, resgatado pelos Caifazes em uma fazenda perto de Campinas, foi mandado para o Rio de Janeiro. Na capital, trabalhou primeiro na agricultura de sustento e depois em uma loja maçônica no centro da cidade. Livres, mas distantes, os dois assistem "a roda da história girar cada vez mais rapidamente", enquanto sonham com o reencontro. Sarah e David, Ana e Manelão formam o pano de fundo para o romance de Nelson Câmara, tecido com base em fatos históricos e em uma ampla reconstrução de época.

É saboroso andar pelas ruas do centro de uma província "que começava a despertar", guiado pelo olhar atento do autor. Seus personagens passeiam pelas ruas, navegam pelas águas do Tamanduateí, frequentam igrejas e teatros e visitam até mesmo "os prostíbulos da Rua da Palha". Na narrativa, o leitor, de forma deliberada, deixa-se levar pelos passos firmes de Antonio Bento de Souza e Castro e vários outros abolicionistas.

Advogado experiente, Nelson Câmara não nega a origem acadêmica e aborda o impacto da escravidão no Brasil sob o ponto de vista econômico e social, mas também à luz da legislação vigente no período imperial. Enquanto Souza e Castro opta pela prática revolucionária, Luiz Gama, incansável, recorre à legislação vigente na segunda metade do século XIX com os mesmos objetivos. Ao impetrar um Habeas Corpus em favor de dois escravos, personagem e autor esmiúçam o Código de Processo Criminal do Império para embasar a defesa dos escravos libertados pelos Caifazes.

A origem do nome do movimento liderado por Souza e Castro nunca foi suficientemente explicada, ao contrário de a camélia, que empresta o nome ao mais recente título de Nelson Câmara. Adotada como o principal símbolo da luta pela abolição e historicamente ligada à maçonaria, a flor também é conhecida como a primeira a surgir na primavera. Coincidência ou não, o livro chega ao mercado no início da nova estação.

Serviço:
Título: A Camélia Branca
Autor: Nelson Câmara
Editora: Lettera.Doc
Páginas: 432
Preço: R$ 39,00
Lançamento: Dia 20/09/20011 – A partir das 19 horas
Local: Saraiva Megastore Shopping Pátio Paulista
Endereço: Rua Treze de Maio, 1.947 – 2º piso – Paraíso – São Paulo.

Do mesmo autor:
O Advogado dos Escravos – Luiz Gama – 2010 
Escravidão, Nunca Mais – 2009

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