Sobre juízes e lobos

CJF invade competência das corregedorias

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27 de outubro de 2011, 15h12

O Conselho da Justiça Federal é órgão central de organização e administração da Justiça Federal brasileira, hoje regulado pela Lei 11.798/2008.  Tem suas obrigações essencialmente definidas nos artigos. 5º e 6º, dentre eles a competência correicional da Corregedoria-Geral sobre membros dos Tribunais Regionais Federais (artigo 5º, IX e 6º., IV).  É das Corregedorias-Regionais destes Tribunais Regionais Federais a competência para apurar a conduta dos Juízes Federais de Primeiro Grau.  O poder de avocação (artigo 5º, VIII) está, como ora em discussão no STF, sob sindicância constitucional.  Assim, não toca ao CJF tomar à frente desse tipo de iniciativa.  Há demandas mais importantes.

Composto pelo Presidente e Vice do STJ, por três outros Ministros eleitos por aquela casa, além dos cinco Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, o CJF discutiu a decisão tomada pela Assembléia Geral Ordinária da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), havida em 14 de outubro último, no sentido de concentrar intimações e citações nos processos envolvendo a União Federal.  Naquela oportunidade, também definiu a AGO pela paralisação conjunta com os Juízes do Trabalho de todo o País, no dia 30 de novembro.  O CJF aprovou o encaminhamento de recomendação às Corregedorias dos Tribunais Regionais Federais para que “fiscalizem o modo como estarão se processando as citações e intimações da União”. Também decidiu notificar a Advocacia-Geral da União de que, caso seja levada a efeito a ameaça propalada pela Ajufe, “notifique as corregedorias regionais ou o próprio CJF”.

A sessão do CJF, que só tratou da concentração das citações e intimações contra a União, foi profundamente lamentável para aquela instituição. Para ela, não para os Juízes Federais!

Com algumas exceções quanto à moderação da linguagem, Ministros do STJ acaloradamente falaram, imbuídos muitas vezes do argumento de autoridade, da “ausência de ética”, da “quebra da parcialidade”, da “ilegalidade” e da, pasmem, eventual “prevaricação” praticada pelos Juízes Federais que procederem da forma ali posta sob censura.  Alguns Presidentes de TRFs, infelizmente habituados a seguirem as posições dos Ministros do STJ, secundaram esse irrefletido discurso.  O Presidente da AJUFE, Gabriel Wedy, esclareceu que as providências a serem tomadas são resultado de um processo mais complexo de melhoria das condições de trabalho.  Destacou, ainda, que as entidades associativas têm um compromisso com uma idéia ao qual muitos membros do Judiciário não têm a exata noção de como funcionam na prática:  a democracia.  E corajosamente se pôs à disposição para responder administrativamente pela dita imputação.

A Magistratura Federal hoje é um mosaico não de ideais figuras alocadas em livros de deontologia de antanho (ou mesmo Códigos de Ética atuais), mas, sim, de seres humanos, com necessidades, expectativas, e, principalmente, famílias, com suas demandas financeiras.  A preocupação com segurança é a meta maior.  Precisam os Juízes de mais empenho (e menos retórica) com relação a um plano maior de segurança dos magistrados.

Outrossim, os Juízes, sempre cobrados em metas cada vez mais inatingíveis ou comprometedoras da qualidade dos trabalhos, exigências  estas absolutamente desconhecidas de Ministros do STJ ou Desembargadores de TRFs, atravessam processo de profundo dilema e desencanto com a carreira.  Pesquisa da ANAMATRA aponta o elevado grau de Juízes em processo de depressão ou com similares problemas de saúde, acarretados pela pressão na profissão.  Além da cobrança, é essencial o fornecimento de suficiente estrutura de trabalho.

Ao lado disso, busca-se o cumprimento do direito constitucional de revisão da remuneração.  Não é uma criação.  Ele é expresso e está claramente na Constituição Federal (inciso X, artigo 37).  Quem se der ao trabalho de ler – sequer é necessário interpretar – terá a exata noção da norma constitucional.  Tramitam, atualmente, no Congresso Nacional três projetos de lei tratando da remuneração de servidores e juízes do Poder Judiciário da União (PLs 6.613/2009, 7.749/2010 e 2.197/2011). Os dois últimos destinam-se aos juízes e buscam apenas repor, ainda que parcialmente, as perdas inflacionárias acumuladas no valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, concedendo recomposição salarial de 14,79%, a partir de 1º de janeiro de 2010, e 4,8%, para 1º de janeiro de 2012, respectivamente.

A remuneração digna não é uma busca menor:  é o reflexo da independência que deve ser conferida a todos os magistrados.  Juízes precisam de segurança e serenidade para decidir a vida alheia.  Todas as profissões precisam disso.  Não há razão séria para negar aos Juízes Federais tal direito.  A Magistratura Federal, por mais dificuldade de discernimento de alguns saudosistas em perceberem isso, é carreira cada vez menos atraente.  O CJF, entidade que justamente deveria refletir os problemas porque atravessam os Juízes Federais, acostou-se na cômoda posição de agradar as opiniões menos informadas ou menos imparciais.

Ministros do STJ que possuem cota aérea de passagens em torno de R$ 50 mil anuais, imóveis funcional ou a percepção de auxílio-moradia em valores da ordem de R$ 3 mil, cota ilimitada para telefones funcionais, carros luxuosos, segurança reforçada, ampla estrutura de trabalho, diárias pagas sem maior limitação de recursos, criticaram os Juízes Federais por legitimamente buscarem o cumprimento de uma plataforma que vem sendo buscada ao longo de muito tempo:  segurança, saúde e uma política remuneratória constitucionalmente assegurada na Constituição Federal.

Quem dera os Juízes Federais do Brasil tivessem todos tais vantagens remuneratórias indiretas, que atenuam as necessidades de custeio cotidiano.  Quem dera o CJF fosse pródigo em reconhecer aos Juízes Federais do Brasil direitos como foi em botar reparo na forma como eles procuram legitimamente melhorar suas condições de trabalho.

Juízes Federais que dedicam sua vida com amor à Judicatura foram chamados, por lutarem por seus direitos, de anti-éticos, de participantes de um movimento ilegal e de prevaricadores por dirigentes que deveriam dar o exemplo de sensibilidade.  Felizmente, o CJF findou por ignorar algo caro a todos os Juízes: sua moral, sua decência e suas vocações.

Essa infeliz conduta demonstrou grande desconsideração para com todos os Juízes Federais. Defendesse o CJF os Juízes Federais com o mesmo ardor, saindo da zona de conforto, talvez estivéssemos melhores.

Ética é um critério sempre discutível.  Lutar dentro dos meios constitucionais é não só ético como legítimo.  Colher os frutos futuros de uma luta, pondo reparos nos meios como os que se dispõem a atingir tais fins, é cômodo e gerador de um discurso fácil.  Ver na conduta futura azo para punição imediata (esquecendo-se, inclusive, de que o CJF só tem natureza correicional originária para os Desembargadores de TRFs), para além de exercício de antevisão, é a mais profunda demonstração de quebra da parcialidade.  Não se pode imputar, porém, prática de crime a quem caminha por tais searas.  Seria igualarmos por baixo o discurso.  O direito de agir dentro da ótica constitucional não é crime.  É algo que as democracias a muito custo conseguiram, mesmo que, ainda hoje, muitos dirigentes de Judiciário não tenham a noção exata disso.

Juízes Federais não serão tutelados pela AGU ou por quem quer que seja.  Juízes Federais que lutam por seus direitos não são prevaricadores. Juízes Federais precisam é de dirigentes institucionais que se mostrem preocupados com a carreira como um todo.  O Olimpo é muito bom.  Mas, a vida dos Juízes Federais do Brasil é na planície, nas cidades pequenas e grandes, lidando diretamente com as pessoas e suas necessidades.  E as contas de padaria, de leite, de feira, de planos de saúde, de combustível e de tudo o mais, chegam na planície.  Talvez não no Olimpo.

Quem associa Juízes Federais a se vergar ante ameaças não conhece ou despreza a história, a dedicação e a seriedade da luta dos quantos compõem essa gloriosa instituição que é a Justiça Federal.

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