Poder postulatório

Bacharel estagiário pode atuar dentro dos limites

Autor

  • Reynaldo Arantes

    é bacharel em Direito pela Unoeste de Presidente Prudente (SP) e presidente estadual do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direit em São Paulo.

10 de outubro de 2011, 13h59

O Supremo Tribunal Federal deverá julgar em breve — semanas e não meses — o Recurso Extraordinário 603.583 RS que tem relatoria do ministro Marco Aurélio Mello e já tem em seu bojo o Parecer 5.664 do subprocurador geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, indicando as bases da inconstitucionalidade material do Exame de Ordem aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Isto tem levado os líderes atuais da OAB a pensarem em maneiras mil de manter o exame, mesmo mudando e fazendo concessões.

Com as recentes decisões judiciais no Tribunal Regional Federal da 5ª Rehião, pelo desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho, e da 1ª Vara Federal de Mato Grosso pelo juiz federal Julier Sebastião da Silva em todas as 23 ações que tramitavam sobre o exame em sua vara, a OAB rapidamente modificou seu Provimento e os egressos da magistratura e do Ministério Público não precisarão mais fazer o exame para advogarem.

Aliás, assim que Portugal instituiu um Exame de Ordem seguindo exemplo brasileiro, a OAB — sempre por Provimento administrativo — liberou os portugueses de advogarem no Brasil sem fazer o exame de ordem. O exame lá já foi julgado inconstitucional depois do Provedor Geral de Justiça (o MP português) comprar a defesa dos bacharéis portugueses. Aqui não houve mudanças e os portugueses seguem sem precisar fazer o exame para advogarem no Brasil.

Agora, com as conquistas do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito, coordenado pela Organização dos Acadêmicos e Bacharéis do Brasil — tanto em novos Projetos de Lei no Congresso (PL 1.284/11 do deputado federal Jorge Pinheiro e o PL 2.154, de 2011, do deputado federal Eduardo Cunha), como nas ações judiciais já citadas —, os “líderes atuais” da OAB buscam esvaziar a luta dos bacharéis por seus direitos constitucionais, acenando com migalhas.

É o caso da proposta da OAB RS em criar a categoria de estagiários bacharéis. Justifica a invenção com a necessidade de dar mercado de trabalho aos milhões impedidos de trabalhar por causa do exame ilegal e imoral que a OAB aplica.

O que os atuais líderes da OAB não dizem é que não estão propondo nada novo, que agora simplesmente criariam um novo cadastro informatizado em seus computadores, pois o trabalho do estagiário bacharel já está previsto na Lei 8.906, de 1994, em seu artigo 9º, parágrafo 4º de maneira límpida e ampla. Vejam: “O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem”.

O artigo 9º inicia com os quesitos para inscrição como estagiário, dedicando seus três primeiros parágrafos ao estagiário acadêmico. O parágrafo 4º é o único dedicado nominalmente aos já bacharéis.

Observem o lato sensu do parágrafo e a falta de qualquer óbice, de qualquer impedimento, ao exercício profissional do bacharel. O texto legal não exige sua inscrição, mas ela pode ser feita sem obstáculos com esta base legal.

O trabalho desenvolvido pelo bacharel estagiário também não é limitado, ficando apenas cristalino, nos demais artigos da citada Lei 8.906/94, que o mesmo não dispõe do poder peticionário restrito ao advogado inscrito.

Assim, basta o bacharel comprovar sua qualificação com seu diploma expedido por instituição legalizada, para poder exercer todos os trabalhos onde não se requeiram poder postulatório, que, reitere-se, é exclusivo do advogado.

Querendo se inscrever na Ordem e obter carteira de estagiário, para poder ter identificação profissional, a fim de facilitar sua identificação, permitindo acesso nos fóruns e tribunais em horário determinado apenas a estagiários e advogados, poder fazer carga para tirada de cópias, acompanhar audiências onde não é necessário poder postulatório, enfim, trabalhar com as limitações de estagiário, a lei destacada garante este trabalho de forma ilimitada.

Outro ponto que pode ter levado a OAB-RS a imaginar uma nova opção para os estagiários bacharéis, é que as regionais, variando de estado para estado, descumprem em maior ou menor grau a lei que é o Estatuto da Ordem dos Advogados.

Assim, em uma interpretação pecuniária da norma legal, exigem que as carteiras de estagiários, mesmo dos já bacharéis, seja renovada a cada dois anos. É apenas para ganhar dinheiro, pois a norma legal não estabelece tal norma para os bacharéis. Vejam o artigo 11 da Lei 8.906, de 1994, sobre as causas de cancelamento de inscrição de profissional (note-se: não diz se advogado ou estagiário bacharel):

Artigo 11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

I – assim o requerer;

II – sofrer penalidade de exclusão;

III – falecer;

IV – passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia;

V – perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.

Assim, o que a OAB deveria fazer seria apenas cobrar anuidade diferenciada para o bacharel inscrito em seus quadros como estagiário e a carteira expedida ter validade indeterminada até que o bacharel seja aprovado em exame e troque sua carteira pela de advogado.

Como o Estatuto insculpido na Lei 8.906/94 não diferencia o estagiário bacharel do advogado senão no poder postulatório, a inadimplência do bacharel estagiário da anuidade também não seria motivo da cassação de sua inscrição. Tal direito aos advogados — que a OAB também não cumpre — é repetidamente garantido nos tribunais. O advogado inadimplente fica impedido de advogar e, inclusive, é expedido mandato de busca e apreensão para a carteira.

Vejamos o que diz a Ação de Argüição de Inconstitucionalidade 200551010145493, cujo relator é o desembargador federal Antonio Cruz Netto, votação em Plenário do TRF-2, publicado no DOU em 02 de setembro de 2009.

“… II – O mandamento contido no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal, assegura que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. III – O pagamento de anuidades não está de forma alguma relacionado às qualificações profissionais, sendo certo que o inadimplemento do profissional não pode constituir uma barreira ao exercício da profissão de advogado, sob pena de ofender referido preceito constitucional. IV – Não é razoável a aplicação da sanção prevista no Estatuto dos Advogados. A suspensão do exercício profissional do inadimplente, com o objetivo de forçá-lo a quitar o débito, não faz sentido, uma vez que retira justamente os meios que o impetrante dispõe para obter recursos financeiros para quitar sua dívida. Vale dizer que a OAB possui meios legais menos gravosos para a cobrança do débito, sendo possível fazê-lo pela via judicial própria, conforme previsto no artigo 46 da Lei nº 8.906/1994. V – Argüição de inconstitucionalidade acolhida.”

Ora, se o bacharel quiser se inscrever como estagiário, sua carteira só será cancelada dentro dos quesitos elencados no artigo 11 da Lei 8.906/94, exatamente como ocorre com os advogados — também desrespeitados em seus direitos — e não por outros motivos como inadimplência, posição jurisprudencial esmagadoramente majoritária nos Tribunais Superiores, por exemplo, a ação AG 200303000468951, Relator Desembargador Federal Lionel Ferreira, 3ª Turma do TRF-3, publicado no DJU de 31.01.2007, fls. 235:

“… 2. A proibição do recadastramento de advogados por não pagamento de anuidade não se encontra prevista no rol do artigo 11 da lei 8906/94, que disciplina as hipóteses de cancelamento de inscrição. O óbice ao exercício profissional, por princípio, não pode ser imposto por disposição prevista em ato inferior à lei”.

Na realidade, a própria OAB ainda não sabe como agir depois da edição da ADI 3.026 relatada pelo então ministro do STF Eros Grau, que de maneira esdrúxula classificou a Ordem como “entidade sui generis”, nem pública e nem privada, apesar de nenhuma lei prescrever deveres e direitos a “entidades sui generis”.

Interessante registrar, que os Tribunais reconhecem a decisão do Supremo Tribunal Federal sem questionarem as fundamentações – ou falta de – legais para uma “instituição sui generis”, como se observa na Ação 2001.72.00.009221-5, relator Álvaro Eduardo Junqueira, 1ª Turma do TRF-4, publicado em 10 de novembro de 2009:

“… 2. No entendimento do STF, consubstanciado na ADI 3026/DF, a OAB é uma autarquia "sui generis", que presta o serviço público de fiscalizar a profissão de advogado, função esta essencial à administração da Justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, e típica da Administração Pública”.

Assim, a OAB se sente acima das leis e da Constituição, persegue advogados inscritos por inadimplência e não expulsa os bandidos condenados de seus quadros, faz reserva de mercado com seu exame de ordem inconstitucional, cercea o trabalho dos bacharéis já qualificados, difama as faculdades para justificar seu injusto, ilegal e mal aplicado exame com índices de reprovação que demonstram a reserva feita a cada prova, silencia quando juristas como Renato Saraiva afirma que ele não passaria no exame, tergiversa quando se pergunta sobre a destinação dos cerca de R$ 70 milhões ano que os três exames de ordem geram com taxas de inscrição dos examinandos e leva seus líderes a defenderem — mesmo com falta de argumento jurídico — seu exame de ordem ou, a exemplo dos dirigentes gaúchos citados, a “inventarem” um mercado para os bacharéis estagiários, cujo cadastro já deveria existir em todas as regionais da Ordem.

Destarte, os antigos definiam as atuais ações, propostas e atitudes da OAB com a simbologia do “perder-se os anéis para não se perder os dedos”.

Nossa entidade, OABB, apesar de ser vilipendiada por muitos como um agrupamento de reprovados no exame de ordem, tem em todos os seus níveis organizacionais — nacional, estadual e municipal — colegas com carteira da Ordem há anos, colegas que possibilitaram levar a questão da inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal com ações que deram entrada há anos atrás.

Também Associações de Advogados, como o Sindicato dos Advogados da Paraíba, apóiam o fim do exame por sua inconstitucionalidade, demonstrando que o exame só é defendido por líderes da OAB com interesses diretos em sua manutenção e que nada tem a ver com a defesa da sociedade ou da garantia da “qualidade” dos serviços jurídicos prestados pelos profissionais do Direito.

Mais até que a reserva de mercado como proteção aos já inscritos, a defesa do exame é a defesa dos cerca de R$ 70 milhões arrecadados a cada ano com os três exames sem nenhuma fiscalização, já que o Tribunal de Contas da União não pode fiscalizar (a OAB não é pública) e nem a Receita Federal pode fiscalizar (a OAB não é privada) e assim, apenas uns poucos sabem o real destino dos milhões arrecadados e a expectativa de perda destas mega senas acumuladas a cada exame, instigam a imaginação dos interessados em sua manutenção, gerando propostas inovadoras como a gaúcha sobre a criação do estagiário bacharel.

Compete ao STF aplicar a constituição em sua plenitude e acabar com as anomalias.

Com o fim do exame, uma página negra da advocacia será virada, com modificações vislumbradas a beneficiar toda uma nação e vários segmentos. A saber:

a) a OAB terá com certeza reestruturação em suas lideranças, será obrigada a fiscalizar o exercício profissional como é sua esquecida obrigação principal;

b) Seus tribunais de ética serão atuantes com os novos líderes, pois é necessário separar os maus profissionais dos honestos e hoje nem os bandidos são expulsos da ordem, conforme noticias da própria mídia nacional;

c) Os cursinhos que hoje preparam para exame de ordem serão remodelados para cursos de atualizações para os novos profissionais e aperfeiçoamento dos antigos que terão de se adaptar e preparar para os novos padrões de concorrência, com a vantagem que terão alunos que estarão trabalhando e poderão pagar suas mensalidades;

d) Com o mercado acrescido de profissionais, vislumbra-se a aplicação da proposta da OABB de especialidades jurídicas tal qual a Medicina, com registro em carteira da especialidade – civil, penal, trabalhista, tributário, etc – o que levará a especialização dos profissionais, garantindo a qualidade dos serviços que a OAB apregoa como necessários, mas nada faz para garanti-los senão o impedimento do exercício profissional aos recém formados;

d) A sociedade terá maior acesso à Justiça com mais profissionais, o que irá baratear os honorários e possibilitar a contratação de profissionais por todos os níveis sociais. É exatamente o que aconteceu com os dentistas, que em poucas décadas acabaram com a fama de “país de banguelas” que vigia nas décadas anteriores a 1.990. Hoje, nos bairros mais simples há consultórios dentários com preços populares, mantidos os consultórios de alto luxo para quem pode pagar os profissionais ultra qualificados.

e) Com o aumento de operadores do Direito, a nova OAB terá de obter apoio governamental para ampliação, contratação e maior e melhor estrutura para o Poder Judiciário, sendo parceira na busca de melhores salários e condições de trabalho para o Judiciário, o Ministério Público e as Defensorias, da União e dos Estados, acabando com seu silêncio cúmplice, sua inação e seu exemplo de pagar mal seus próprios servidores, que têm de fazer greve – caso da OAB SP – como os servidores públicos, para terem salários dignos. A Justiça Federal e as estaduais (caso do TJ paulista) não tiveram nunca o mínimo apoio em suas justas reivindicações. A Justiça Federal sem reajuste salarial desde 2008 se prepara para nova greve e a OAB fica calada de forma covarde, já que advogados, clientes e a sociedade como um todo precisa de um judiciário forte e com salários justos.

f) Outra proposta da OABB é permitir maior flexibilidade no trabalho do advogado, com possibilidade de publicidade (a exemplo dos Estados Unidos que a OAB gosta tanto de citar com respeito ao exame de ordem) e de planos de atendimento jurídicos (a exemplo dos planos de saúde) para empresas e famílias.

Enfim, os bacharéis barrados nestes 15 anos de Exame de Ordem, esperam a decisão do Supremo Tribunal para recuperarem o tempo perdido pelas “lideranças atuais” da OAB e fazer a instituição dos advogados retomar seu caminho trilhado pelo Instituto dos Advogados do Brasil desde o Império até a década de 1960, quando a OAB passou a deixar sua tradição de defesa da sociedade e dos advogados de lado e passou a ser gerida pelos “novos líderes” que ainda se perpetuam no poder e que descaracterizaram a tradicional e honrosa entidade representativa dos verdadeiros operadores do Direito nacional.

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  • é bacharel em Direito pela Unoeste de Presidente Prudente (SP) e presidente estadual do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direit em São Paulo.

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