Pro bono

Advogado deve dar efetividade ao valor da solidariedade

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4 de outubro de 2011, 19h15

O primeiro projeto para compra de alforrias pelos escravos, de 1830, foi de Antônio Pereira Rebouças, mulato que, sem condições de cursar Direito em Coimbra, recebeu, como autodidata, autorização para advogar. Esse rábula se autodenominava o Fiador dos Brasileiros e advogou em Ações de Liberdade, ou seja, em processos nos quais se requeria a liberdade de escravos, por via de expediente criado pelos advogados como forma de buscar a concessão de liberdade para cativos utilizando-se dos meandros da lei.

Outro rábula que dedicou sua vida à defesa graciosa dos escravos foi Luiz Gama, que instituiu o fundo denominado Caixa Emancipadora Luiz Gama, para pagamento de alforria e defesa dos escravos, subvencionada pela contribuição de ex-cativos e de homens livres e pela arrecadação obtida na promoção de espetáculos musicais.

Discutiam-se, nessas Ações de Liberdade, as fronteiras legais entre escravidão e liberdade, por vezes sob o ângulo do direito de propriedade, desbravando caminhos em meio ao conjunto de leis escravagistas para romper o cativeiro.

De 1806 a 1888, 300 advogados atuaram em segunda instância nas Ações de Liberdade, promovendo perante os tribunais requisições de concessão de liberdade, e por volta de 600 advogados pleitearam em primeira instância ações coletivas ou individuais de liberdade.

Valiam-se os advogados, especialmente, da lei de 1831, editada por força do Tratado de Aberdeen, com a Inglaterra (1826), pela qual todo africano que entrasse no Brasil a partir de sua vigência seria considerado livre. Foi essa a lei que gerou a conhecida expressão "para inglês ver", pois jamais teve eficácia alguma. Basta lembrar que depois dela, de 1831 até 1850, cerca de 1 milhão de negros entraram no País. Mesmo após concedida a liberdade, em face de provas da chegada do escravo ao Brasil depois de 1831, havia obstáculos a romper na execução da sentença.

Exemplo de Ação de Liberdade está no pedido ajuizado por Joaquim José Affonso Alves, de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Em defesa da liberdade de um cativo, argumentou esse advogado que o escravo acompanhara seu senhor ao Uruguai para buscar gado, entrando então em território livre, do qual retornou depois da data de 7 de novembro de 1831, razão por que devia ser considerado livre.

Por vezes, como lembra Lenine Nequete, recorriam os advogados ao Direito Romano para justificar o pedido de liberdade, em razão de tratamento indigno do senhor, que em Roma era inadmissível. Uma família do Rio de Janeiro, cujo chefe era funcionário público, tinha duas escravas jovens, a quem se autorizava sair de casa depois das 7 horas da noite, o que em geral era proibido, para se prostituírem, de vez que ficaria com o dono o produto do comércio carnal de suas cativas.

O uso imoral do corpo das escravas constituía, segundo o Direito Romano, um tratamento indigno, preceito ao qual se recorreu para justificar a propositura da Ação de Liberdade, que o Judiciário brasileiro, no entanto, raramente acolhia. Considerou a maioria das decisões de nossa Justiça que, tal como coisas, as escravas podiam ser usadas como convinha ao seu dono. De outra parte, o fruto da atividade devia mesmo ser do dono, como do dono da árvore são as laranjas que nela nascem.

Creio que, agora, há outra tarefa a ser realizada pelos advogados no cumprimento de sua responsabilidade social, como múnus, por via da advocacia pro bono, de forma a dar assistência jurídica a entidades do terceiro setor, sem fins lucrativos e de recursos escassos, que prestam assistência aos necessitados, desde pessoas portadoras de deficiência a comunidades indígenas, conforme ditames da Resolução Pro Bono da OAB-SP.

Tal se faz por meio do Instituto Pro Bono, que agora comemora dez anos de fundação, contando com mais de 550 advogados voluntários cadastrados, 33 escritórios de advocacia e 5 departamentos jurídicos corporativos. O trabalho pro bono desses advogados já assegurou assessoria jurídica gratuita com inúmeras demandas em favor de mais de 500 entidades de utilidade pública do terceiro setor.

O Instituto Pro Bono realiza também mutirões em comunidades pobres, quando advogados e estudantes voluntários visitam bairros carentes da cidade de São Paulo, levando orientação jurídica aos cidadãos para promover e compartilhar conhecimentos da área jurídica, contribuindo para a democratização da informação ao conscientizar as pessoas sobre seus direitos e deveres. No mesmo sentido, faz-se a entrega de Cartilhas Pro Bono para facilitar a compreensão de questões relacionadas ao Direito.

Realiza-se, também, trabalho junto à Casa da Mulher da Escola Paulista de Medicina, que presta assistência a mulheres vítimas de violência. Dessa maneira se auxilia a mulher vítima de estupro ou de violência no lar, em especial acompanhando inquéritos policiais contra os violadores que acusam as vítimas de serem prostitutas, ferindo-as novamente por meio de palavras.

A tarefa se faz em cooperação com psicólogas e assistentes sociais, sendo um desafio, doravante, poder vir a atender um número maior de vítimas, pois há cerca de 200 casos de ataques sexuais a mulheres na cidade de São Paulo. Assim, os advogados podem promover a proteção de vítimas da violência doméstica e sexual, para efetiva inclusão dos inferiorizados pelo preconceito ou pelas condições reais da vida.

Se na escravatura lutaram os advogados pela liberdade dos escravos, se nas ditaduras pugnaram em favor dos presos políticos, deve-se também, hoje, batalhar pela efetividade do valor da solidariedade, a partir da assunção de responsabilidade social, que cumpre a todos. Mas muito especialmente aos advogados, para ajudar quem ajuda o próximo e conscientizar as pessoas acerca de seus direitos.

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