Trabalho sem legislação

Correspondente bancário é regulado por resolução do BC

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26 de novembro de 2011, 9h22

Cada vez mais encontrados em casas lotéricas, supermercados e até farmácias, os correspondentes bancários podem prestar uma série de serviços também encontrados fora dos postos onde atuam. O leque de serviços oferecidos pelo profissional vai da abertura de contas de depósitos até a análise de crédito e cadastro. Apesar dos pontos de convergência entre as duas profissões, correspondentes e bancários estão separados pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Às voltas com a greve do setor bancário, as queixas vêm das duas categorias: enquanto os trabalhadores diretos das agências reclamam da terceirização e apontam que o fenômeno precariza a classe, correspondentes alegam justamente o oposto. Eles pedem a equiparação a esses trabalhadores, incluindo os mesmos direitos. Mas, nesse ponto, nem o ponto de vista de advogados trabalhistas coincide.

“Os correspondentes bancários são pequenos estabelecimentos comerciais que, atuando em nome dos bancos, oferecem alguns serviços bancários e de pagamentos inclusive em locais não atendidos pela rede bancária convencional, permitindo a expansão geográfica do sistema de meios de pagamento. Normalmente são casas lotéricas, farmácias, supermercados e outros estabelecimentos varejistas que agregam o serviço bancário”, explica acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo).

Outro acórdão, do TRT-12 (Santa Catarina), diz que “as atividades dos empregados de casas lotéricas não podem ser equiparadas às dos bancários, visto que a loteria é atividade que se desdobra em serviço público executado por particulares, em decorrência de concessão delegada pela Caixa Econômica Federal. Nesse diapasão, não há falar em terceirização de serviços bancários por parte da Caixa Econômica Federal”.

De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (ContrafCut), hoje, a remuneração dos correspondentes é dois terços menor que a dos contratados. “No caso da Caixa e dos lotéricos, que são os correspondentes exclusivos, os trabalhadores lotéricos ganham 18% da remuneração média dos empregados da Caixa. As lotéricas são hoje responsáveis por mais de 70% do volume de atendimento de alguns serviços da Caixa, realizando o mesmo tipo de tarefa”, detalha Miguel Pereira, secretário de organização da entidade.

Bancários possuem direitos como jornada legal de 6 horas diárias, com folgas aos sábados, domingos e feriados, tíquetes refeição e alimentação e planos de saúde e odontológico. Para Pereira, “os bancos têm lançado mão deste artifício, que é uma forma de terceirização de mão de obra, para reduzir seus custos com mão de obra e aumentar seus lucros”.

Respeito ao contrato
Maria Angélica Wagner, do Moreau & Balera Advogados, contou à reportagem da Consultor Jurídico que o Tribunal Superior do Trabalho vem entendendo que correspondentes possuem as mesmas funções dos contratados. “Esse entendimento está se tornando pacífico”, explica. Ela explica que, muitas vezes, a loja onde os correspondentes bancários prestam seus serviços é uma perfeita filial. “É cômodo manter esse tipo de serviço”, conta, “porque os custos são bem menores”.

Advogado do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, Daniel de Lucca e Castro conta que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não reconhece os direitos dos bancários aos correspondentes. De acordo com ele, “no caso dos serviços de encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança e de recebimentos de pagamentos de contas de depósitos, bem como aplicações e resgates em fundos de investimentos, o correspondente bancário não poderá ter em seu contrato social referida prestação de serviço”.

Na falta da CLT, é uma resolução do Banco Central que rege o regime de trabalho da categoria, formada por qualquer pessoa jurídica, que, entre suas atividades, também atue como agente intermediário entre os bancos e instituições financeiras. De acordo com a Resolução 3.110 e 3.156, as duas de 2003, os correspondentes estão autorizados a prestar apenas alguns dos serviços oferecidos nas agências bancárias, como recebimento e pagamento de contas, aplicação e resgates em fundos de investimentos; ordens de pagamentos; pedidos de empréstimos e financiamentos; serviços de cobranças; pedidos de cartões de créditos e atividades de processamento de dados.

Além disso, os correspondentes estão proibidos de realizar outra gama de serviços: efetuar adiantamentos de recursos a serem liberados pelo banco ou instituição financeira; emitir a seu favor carnês ou títulos relativos aos serviços que este preste; cobrar qualquer tarifa, por sua conta, pelos serviços de intermediação prestados; e dar garantia nas operações prestadas.

Ou seja, os limites são claros. “O enquadramento sindical das empresas que atuam como correspondente bancários, e seus trabalhadores difere daqueles dos bancos e seus respectivos empregados, pelo que não há como enquadrar àqueles como bancários, e assegurar-lhes os mesmos direitos”, entende o advogado Daniel Castro. “Tal fato somente seria possível naqueles casos em que se verifica fraude ao contrato de trabalho, e mesmo assim após uma análise pontual das provas existentes em um processo”, complementa.

A distinção pode ser identificada, segundo ele, no contrato de trabalho firmado entre o empregador e o prestador de serviços. O documento deverá conter, impreterivelmente, três cláusulas: uma que garanta a total responsabilidade da instituição autorizada pelo Banco Central pelos serviços prestados pelo correspondente bancário, outra que assegure o total acesso do Banco Central do Brasil a todas as informações, dados e documentos relativos à empresa contratada e à suas operações e, finalmente, uma que determinando que o subestabelecimento do contrato a terceiros, ou seja, se ocorrer o repasse do contrato à outra prestadora de serviços deve depender da autorização expressa do banco ou da instituição financeira.

A função de corresponde bancário foi criada sob o argumento de oferecer à população acesso mais simples ao Sistema Financeiro Nacional, “como forma de propiciar a melhoria das condições de obtenção de crédito, de realização de poupança e de aquisição de produtos financeiros, além da maior comodidade para pagamento de contas por parte das pessoas de menor renda”, justifica a Resolução 3.156 do Banco Central.

A especialista em Direito do Trabalho Carolina Benedet Barreiros, do Lobo & de Rizzo Advogados, diz que é preciso levar em conta o conjunto fático para conceder ou não a equiparação entre terceirizados e contratados. “Existem bancos que usam, sim, o trabalho dos correspondentes para reduzir os custos”, afirma. Mas, ainda assim, reitera: “A pessoa que trabalha na lotérica, por si só, não é considerada bancária.”

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