Vespeiro diplomático

EUA discutem se Jerusalém faz parte de Israel

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12 de novembro de 2011, 7h53

A Suprema Corte dos Estados Unidos iniciou seus trabalhos, nesta semana, com a audiência preliminar do caso Zivotofsky contra Hillary Clinton, sobre a lei federal de 2002 que determina que passaportes de cidadãos norte-americanos nascidos na cidade de Jerusalém acusem o país de nascimento do portador do documento como sendo ‘Israel’, caso seja da vontade do titular.

Entretanto, a repercussão provocada pelo caso acabou se estendendo por toda a semana e, mesmo na alta corte, o assunto se desdobrou em um tema jurídico mais amplo, que envolve a separação de poderes em questões de política externa.

O reconhecimento de Jerusalém como capital ou mesmo como território de Israel é controverso. Cidadãos americanos de origem israelense nascidos na cidade milenar sempre pleitearam o direito de serem reconhecidos como naturais de Israel, inclusive no texto do próprio passaporte.

Contudo, Jerusalém é a capital declarada de Israel, mas não dispõe de reconhecimento pela comunidade internacional. O status de Jerusalém é contestado pelas Nações Unidas, que não aceita a soberania do país sobre a cidade. A Autoridade Nacional Palestina reivindica que Jerusalém seja considerada a capital dos dois Estados e grupos mais radicais, do lado palestino, rejeitam a presença israelense na cidade em quaisquer termos. Dessa forma, a ONU condena a anexação de Jerusalém empreendida por Israel em 1967.

A questão é uma fonte de dor de cabeça para cidadãos americanos nascidos em Jerusalém, sobretudo os de origem judaica e/ou israelense, quando têm de pedir passaportes. Cidadãos norte-americanos nascidos fora do país têm o lugar de nascimento acusado na página de rosto do passaporte. E, no caso de naturais de Jerusalém, a questão complicava um pouco. Em vez do país de origem, a orientação era indicar apenas “Jerusalém” no item “lugar de nascimento”.

Finalmente, em 2002, o Congresso Federal dos Estados Unidos aprovou uma lei que dava ao cidadão o direito de escolha. Se o titular do passaporte preferisse indicar como lugar de nascimento ‘Israel’ ao invés de ‘Jerusalém’ cabia ao órgão responsável pela emissão acatar a vontade do portador do documento.

O presidente George W. Bush sancionou a lei em 2002, mas emitiu um parecer declarando que o Congresso dos Estados Unidos havia excedido suas atribuições, pois parte do conteúdo da lei “interferia, de forma não aceitável, na autoridade constitucional do presidente ao conduzir a política externa do país e assim preservar a unidade do poder Executivo”.

Além de dar aos titulares do documento o direito de decidir sobre como se referir ao lugar de nascimento, a lei previa a transferência gradual da embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém. O parecer de Bush foi reiterado por juristas de orientações políticas diversas.

Quando a administração federal mudou, em 2009, o Departamento de Estado tratou de apenas ignorar a controversa lei, em outras palavras, “deixou o tema quieto”, tentando não comprometer a sólida relação com Israel e nem minar a possibilidade de negociar a paz com interlocutores palestinos.

O caso é uma batata quente tanto para Republicanos quanto para Democratas. A controvérsia envolvendo a lei acabou levando a uma situação que contraria as expectativas e o senso comum quando o tema considerado é a política externa americana. Surpreendentemente para alguns, o presidente Bush expediu um parecer juridicamente correto em 2002, contrariando os interesses de Israel, enquanto a administração Democrata tratou de abafar a lei para preservar a relação com país aliado. No fundo, tanto Republicanos quanto Democratas, quando na condição de chefes do Executivo, concordam que a lei é, do ponto de vista da divisão dos poderes constituídos, complicada.

Caso ‘trivial’
A lei andava esquecida até que os pais norte-americanos de um garoto nascido em Jerusalém resolveram processar o Departamento de Estado depois que o consulado americano na cidade se recusou a indicar “Israel” no espaço respectivo ao lugar de nascimento do titular do passaporte. Nascidos em solo americano e de origem judia, os pais de Menachem Zivotofsky exigiam o direito do filho de ser reconhecido como natural de Israel uma vez que o garoto é de Jerusalém.

O primeiro tribunal que avaliou o caso, em Washington D.C., julgou que este era um tema essencialmente político, o qual competia ao Poder Executivo dar a palavra final. Não cabia, portanto, ao Judiciário se manifestar. Os pais de Menachem não se deram por vencidos. Porém, a Corte Federal de Apelação do Distrito de Columbia também se recusou a emitir um veredito. Dois dos três juízes que compunham o painel entenderam que a ação tocava em uma questão política que devia ser definida pelos poderes Executivo e Legislativo. O terceiro juiz concordou com a impossibilidade de julgar o caso, mas discordou sobre a atribuição de poderes, afirmando que a questão era “claramente subordinada apenas à decisão do poder Executivo”.

Como não poderia ser diferente, cabe agora aos nove juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos decidir sobre o direto do garoto de ter o lugar de nascimento reconhecido em seu passaporte.

Ocorreu, contudo, que um “processo mundano” sobre preenchimento de passaporte converteu-se em um debate sobre a extensão e o relacionamento dos poderes Executivo e Legislativo em relação à política de relações internacionais.

Uma das mais conceituadas revistas semanais dos EUA, a The Atlantic, deu destaque ao tema, nesta semana, em seu site, em uma reportagem intitulada “Como uma decisão ‘trivial’ pode conduzir a Suprema Corte para o inferno diplomático”.

“A secretária de Estado Hillary Clinton, o líder da maioria no Congresso, John Boehner, e o presidente da Suprema Corte, John Roberts Jr., entram em um bar… Você sabe como a piada começa, mas desta vez é sério: ‘O que devemos escrever neste passaporte?’, questionam os três”. Assim satiriza o caso a reportagem publicada pela The Atlantic.

Atribuições dos poderes
Em frente aos nove juízes da Suprema Corte, nesta semana, o promotor federal Donald Verrili Jr. endossou a posição do parecer assinado pelo presidente Bush há quase dez anos. Verrili criticou a lei aprovada pelo Congresso Federal e sancionada a contragosto pelo Executivo em 2002. “A lei infringe o poder assumidamente exclusivo de um presidente de reconhecer governos e receber embaixadores. Nem tribunais, nem o Congresso podem violar este entendimento”, disse Verrilli na audiência ocorrida na segunda-feira (7/11).

De acordo com reportagem do semanário The National Law Journal, o promotor não nega o direito do Congresso de legislar sobre política externa, mas que a primazia do Executivo sobre o tema tem de ser reconhecida. “Desde os tempos de George Washington, o estrito poder de reconhecer governos estrangeiros é de competência do presidente. Um passaporte é um documento público que expressa a escolha do presidente”, afirmou Donald Verrili aos juízes da Suprema Corte, segundo o The National Law Journal.

A representação da família Zivotofsky, na audiência ocorrida na Suprema Corte, nesta semana, ficou a cargo do sócio veterano Nathan Lewin da banca Lewin & Lewin, de Washington. O advogado tentou orientar seus argumentos apelando para o fato de que a decisão sobre o preenchimento de um passaporte tem de ser feita sob aspectos mundanos e não devia envolver uma discussão política de tal calibre. Lewin ainda invocou uma decisão lendária da Suprema Corte, do ano de 1952, quando então o juiz Robert Jackson afirmou que “o mais baixo que uma decisão presidencial pode chegar é quando ela contraria deliberadamente a vontade expressa e implícita do Congresso”.

Os juízes não facilitaram para o advogado, criticando sua estratégia. Alguns deles chegaram a dizer que Lewin estava advogando em favor da superioridade do Congresso na gerência da política externa do país. “O senhor advoga em favor de um poder Legislativo superior”, disse, durante a audiência de segunda-feira, o juiz Antonin Scalia.

O advogado insistiu, argumentando que se o portador tivesse nascido antes de 1967, o passaporte provavelmente indicaria a nacionalidade do titular como ‘palestina’, e que portanto deveria ser uma questão de escolha pessoal dado o impasse em relação àquela região. De acordo com a reportagem da The Atlantic, Lewin ainda disse aos juízes que a designação de um passaporte é uma questão de identificação e não implica necessariamente em “poder de reconhecimento”.

Ainda segundo a revista, os argumentos de Lewin foram considerados frágeis pelos juízes do alto tribunal. A revista citou casos em que a mera referência em um passaporte pode gerar uma cadeia de reações, como questões de vistos concedidos por certos países, por exemplo. A publicação ilustra a discussão mencionando alguns países árabes que não permitem a entrada, em seu território, de americanos que tenham carimbo que indique estada em Israel. Outro exemplo referido pela revista é a de cidadãos americanos nascidos em Taiwan impedidos de entrar na China porque a palavra ‘Taiwan’ está escrita no espaço referente ao ‘lugar de nascimento’ no passaporte. “Nascido em Taiwan” denota a existência de “duas Chinas”, algo inaceitável para as autoridades daquele país.

O caso seguiu repercutindo ao longo de toda a semana nos EUA mesmo com o julgamento referente à morte do cantor Michael Jackson polarizando as atenções. A publicação The Jewish Week, ligada à comunidade judaica em Nova York, observou que mesmo em ações relacionadas ao conflito entre Israel e palestinos, organizações judaicas costumam, muitas vezes, se colocar em lados diferentes quando ajuízam pedidos para atuar como amicus curiae na ação. Desta vez, contudo, a maioria esmagadora da comunidade judaica americana apresentou pedido para ser amicus curiae em favor da família de Menachem Zivotofsky.

“Não é surpreendente encontrar organizações judaicas americanas em lados opostos de uma ação.[…] Mas, no caso Zivotofsky, o alfabeto inteiro de entidades judaicas nos EUA, de A a Z, entrou como amicus curiae em apoio à reivindicação da família e do princípio de ter Jerusalém como capital eterna de Israel”, diz o The Jewish Week.

A decisão do caso deve sair até o encerramento do atual mandato da Suprema Corte no fim do primeiro semestre de 2012.

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