Improbidade administrativa

MPF propõe nova ação contra o delegado Ângelo Gioia

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7 de novembro de 2011, 12h08

Por ter rejeitado licença médica para o delegado federal Rogério de Souza Luz, ter determinado a devolução de dois meses de salário e também a abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra o mesmo, o ex-superintendente da Polícia Federal do Rio, delegado Ângelo Fernandes Gioia, atual adido policial na embaixada brasileira em Roma, é alvo de mais uma Ação de Improbidade Administrativa na Justiça Federal do Rio, proposta pelo Ministério Público Federal.

A licença médica acabou garantida por decisão em Mandado de Segurança da 12ª Vara Federal Cível. A juíza Fabíola Utzig Haselof determinou ainda a suspensão da ordem para que os salários dos meses de dezembro de 2009 e janeiro de 2010 fossem descontados do servidor, além de impedir a abertura do processo administrativo contra o delegado Rogério Luz.

Na Ação Civil Pública, o procurador da República Orlando Cunha dá a entender que a rejeição foi por perseguição. O delegado Luz, em agosto de 2009, durante a Operação Roleta Russa, na qual se combateu no sul fluminense os jogos de azar e a exploração de caça-níqueis, foi um dos que questionaram a ordem vinda de Gioia de prender em flagrante comerciantes em cujos estabelecimentos fossem encontradas máquinas de jogos eletrônicos. Entendia que faltava embasamento jurídico para tal. Depois disso, ouviu de um superior que o superintendente queria prejudicá-lo.

De Roma, aonde se encontra, Gioia garante que "não tinha razões para perseguir esse ou qualquer outro policial. Quis e consegui fazer uma administração eficiente, cujos números são inquestionáveis e reconhecidos pelo órgão central". Ele insiste que o delegado tinha outros parentes e seria possível conciliar o atendimento à mãe com o trabalho na delegacia. Afirma também de uma manifestação contrária à licença da Assistência Social da Superintendência e da prática de vários servidores pedirem a mesma licença, o que ele coibiu.

Caso seja aceita pela Justiça Federal, a Ação de Improbidade, será a terceira aberta contra Gioia por conta de sua gestão à frente da Superintendência Regional do Rio de Janeiro do Departamento de Polícia Federal (SR-RJ/DPF), que acabou no dia 5 de maio. Ele já responde, ao lado dos delegados Luiz Sérgio de Souza Goés, então corregedor da Superintendência, e Robson Papini Mota, chefe do Núcleo de Disciplina da Corregedoria, a uma Ação de Improbidade na 18ª Vara Federal Civel e uma Ação Penal na 8ª Vara Federal Criminal), conforme a ConJurnoticiou.

Em ambos os casos, os procuradores acusam os três ex-dirigentes da SR-RJ/DPF de perseguirem delegados e policiais que prestaram depoimentos em outro Inquérito Civil Público aberto para investigar a baixa produtividade daquela superintendência no combate ao tráfico de drogas e contrabando, notadamente de armas. Como a ConJur também noticiou, os três delegados tentaram trancar a Ação Penal através de Habeas Corpus levado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, mas viram suas pretensões serem recusadas pelos desembargadores.

A existência destes processos contra Gioia provoca, inclusive, dentro da superintendência do Rio questionamentos sobre a sua nomeação para o cargo de adido policial na Itália, pela presidente Dilma Rousseff. Tal função é regulada pela Instrução Normativa 40/2010 do DPF a qual, no artigo 16 item V, impede a indicação de policial que responda a processo criminal, processo administrativo disciplinar ou indiciado em inquérito policial, motivos que impediriam o afastamento do país. Ainda assim, a nomeação ocorreu. Já existe na Procuradoria da República do Distrito Federal uma representação para que se investigue se houve casuísmo nesta nomeação, infringindo a norma editada na gestão de Luiz Fernando Correa.

Licença médica
Esta nova Ação de Improbidade, apresentada pelo procurador da República Orlando Cunha, surgiu de representação feita pelo próprio delegado Rogério Luz, “inconformado com o retardamento indevido de ato ofício que atenta contra os princípios da administração pública, configurando ato de improbidade administrativa”. Ele pediu à Procuradoria da República no Rio a “apuração das ilegalidades e abusos cometidos” por Gioia, o que provocou a abertura de um Inquérito Civil Público.

Lotado na Delegacia de Polícia Federal de Macaé (região norte do estado, distante 182 quilômetros da capital), Luz tornou-se órfão de pai, em fevereiro de 2009 e precisou dar atenção à mãe, aposentada pelo INSS por invalidez permanente, pois tem epilepsia, osteoporose e teve câncer de intestino. Ela, porém, reside em Rio Bonito, cidade distante 110 quilômetros de Macaé. Diante da necessidade de operação da mãe, em dezembro de 2009 o delegado pediu licença para acompanhamento de familiar doente, prevista na legislação federal nas normas internas do DPF.

Ao pedido juntou cópia de um laudo médico. Houve a avaliação de uma perícia médica que, em 16 de dezembro, atestou a necessidade da licença. Em janeiro de 2010, uma nova perícia deu parecer favorável à prorrogação da licença por mais um mês. A legislação diz que o servidor público federal pode permanecer até dois meses afastados sem perda dos vencimentos. Foi o que fez o delegado Rogério Luz.

Apesar dos pareceres favoráveis às licenças, em 11 de fevereiro de 2010, Rogério Luz foi surpreendido com uma decisão de Gioia rejeitando a solicitação feito no dia 2 de dezembro. Na decisão, o então superintendente determinava ainda o desconto no contracheque do servidor ao correspondente a 60 (sessenta) dias faltosos, além da instauração de procedimento disciplinar pela Corregedoria, por conta de sua ausência ao serviço.

Restou ao delegado atingido recorrer à Justiça, em março daquele ano, com um Mandado de Segurança, distribuído à 12 Vara Federal. Instado a prestar informações ao juízo, Gioia alegou que o DPF Luz "não teria aguardado a decisão administrativa no exercício de suas funções, bem como não teria apresentado motivos para concessão da licença, instruindo seu requerimento de licença com apenas simples cópia de laudo médico particular".

Por e-mail, Gioia diz que "foram muitos os processos que passaram pelo gabinete, me recordo do episódio vagamente, assim como de outros. Era comum que alguns policiais sempre que tivessem problemas de saúde em pessoa da família se apresentarem para cuidar do parente, ainda que fosse possível conciliar o atendimento familiar com a rotina de trabalho. Esse foi um caso clássico em que o delegado apesar de ter outros irmãos e parentes, antes da decisão administrativa, protocolasse o pedido e entrasse de licença por conta própria, assumindo o risco da sua decisão. Se bem me recordo, existe manifestação da assistente social da SR/RJ que negava que houvesse necessidade de licença a ser concedida ao delegado para que ele cuidasse da mãe. Decidi nos limites de minhas atribuições e em conformidade com o que havia nos autos, nunca deixei processos parados no gabinete, e a demora se deu em razão da tramitação equivocada do mesmo".

Segundo ele, o processo administrativo, assim como o desconto dos dias não trabalhados por falta não justificada foram necessários para que o servidor prestasse esclarecimento. "Imagine se na iniciativa privada, para cada problema de saúde em pessoa da família, o empregado pudesse se afastar do serviço, sem prévia autorização do chefe, era o que alguns vinham fazendo na PF/RJ", conclui.

Todos estes argumentos forsam rebatidos pela juíza Fabíola que, na sua decisão, ao acatar em parte ao pedido, criticou o tempo gasto pelo superintendente para despachar o pedido. A própria juíza esclarece que o delegado ao solicitar a licença um dia depois de começar a faltar agiu dentro das regras, pois a Instrução Normativa do DPF ao estabelecer o prazo de três dias úteis para o requerimento do benefício em questão, acaba, por via indireta, permitindo a ausência do servidor anteriormente ao pedido. Além disto, ela registra que a falta foi comunicada à chefia imediata, tanto que na folha de ponto isto se encontra registrado.

Mesmo reconhecendo que, segundo as normas, o servidor deveria aguarda a decisão, ela não tira razão ao delegado e critica a demora do superintendente em decidir: "Verifico que, não obstante a perícia favorável ao impetrante tenha sido realizada em 16/12/2009, somente em 26/1/2010 foi determinado que a chefia da Delegacia de Polícia Federal em Macaé se manifestasse a respeito da situação do Impetrante. Em 4/2/2010 foram colhidas declarações do Impetrante e somente em 11/2/2010 o Superintendente Regional da Polícia Federal no Rio de Janeiro indeferiu o pedido de licença em tela, mais de dois meses após o requerimento do Impetrante".

Ao criticar a demora, ela registra em sua sentença: "A administração pública deve ser balizada pelos princípios da razoabilidade e eficiência, expressos na Lei 9.784/99, que, em seu artigo 59, parágrafo 1º, fixa o prazo de 30 (trinta) dias para as decisões em recurso administrativo. A autoridade administrativa, no caso, levou mais que 60 dias para decidir o requerimento do impetrante. Não se afigura razoável, agora, o mesmo ser apenado com lançamento retroativo de faltas quanto a todo o período, e devolução da remuneração recebida, especialmente em considerando que a perícia foi totalmente favorável ao seu requerimento, e, ainda, afastada a ausência de apresentação de original de atestado no momento da protocolização do requerimento como causa suficiente ao seu indeferimento".

O único pedido não acatado judicialmente foi o de transferência para a cidade de Niterói, que fica a cerca de 60 quilômetros de Rio Bonito.

Para a juíza, apesar de o delegado ter duas irmãs, era ele quem melhor poderia cuidar da mãe: "Uma delas encontrava-se grávida, em seu oitavo mês de gestação; e a outra residia em Búzios, com o marido e uma filha de seis anos, ficando impossibilitada de prestar assistência contínua, porquanto significaria separação de fato de seu marido, situação que o mesmo não acatara. De qualquer modo, deixar uma filha de tenra idade, mas já em idade escolar, para dispensar cuidados à mãe, também não parece uma solução que possa ser exigida. Assim, diante das circunstâncias, o Impetrante, solteiro, era o filho que melhor poderia prestar a premente assistência, a melhor pessoa embora possua duas irmãs, não poderia contar com as mesmas para auxiliar a mãe".

Foi o próprio Luz quem, na representação à Procuradoria, trouxe à baila a questão da possível perseguição pessoal. Ele relatou que na Operação Roleta Russa foi um dos delegados que discordaram da determinação de Gioia para que os comerciantes em cujas lojas funcionassem caça-níqueis fossem presos em flagrante por crime de contrabando, tipificado no artigo 334 do Código Penal. Eles entendiam que faltava sustentação jurídica para o flagrante, uma vez que o crime de contrabando exige dolo direto, ou seja, os comerciantes poderiam dizer que desconheciam que as máquinas possuíam placas eletrônicas contrabandeadas. Uma tese no mínimo polêmica.

Após esta discordância, ele teria ficado marcado. Tanto assim que, como narrar o procurador na Ação Civil Pública, algum tempo depois, o delegado foi alertado pelo chefe da Delegacia de Macaé, Elias Escobar, que “o superintendente quer te fuder. Eu não sou traíra, mas estou sendo pressionado. Se você deixar o rabo na reta, vou ter que te fuder”.

Com base nisto, o procurador concluiu “não remanescem dúvidas acerca do dolo do agente público demandado para praticar o ato de improbidade administrativa imputado na exordial, consistente no retardamento indevido de ato de ofício no âmbito da concessão de licença médica requerida pelo servidor policial Rogério de Souza Luz".

[Notícia alterada às 19h14 desta segunda-feira (7/11/2011) para acréscimo de informações]

Processo 0004609-08.2010.4.02.5101
Ação de Improbidade 0022641-61.2010.4.02.5101, na 18ª Vara Federal Cível
Ação Penal 0811775-58.2010.4.02.5101, na 8ª Vara Federal Criminal

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