Contrato com correspondentes

Bancas se cercam de cuidados ao terceirizar serviços

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28 de março de 2011, 9h23

A defesa de clientes de abrangência nacional no contencioso de massa é implacável ao exigir a onipresença das bancas nas centenas de varas espalhadas pelos estados. Tamanha tarefa jamais poderia ser feita sem a ajuda dos pequenos escritórios e advogados autônomos que prestam serviços em locais afastados ou de difícil acesso. Mas os chamados correspondentes demandam cuidado redobrado. Distância e falta de entrosamento com as "matrizes" podem comprometer a qualidade do serviço oferecido.

Um erro no recolhimento das custas judiciais de um processo foi suficiente para tornar o escritório Siqueira Castro Advogados alvo de uma Ação Civil de Improbidade Administrativa. Como noticiou a ConJur na última segunda-feira (21/3), a banca contratou o pequeno Eliel de Mello & Vasconcelos para auxiliar nas demandas contra a Companhia de Estadual de Águas e Esgotos em todo o estado do Rio de Janeiro. Contratado pelo poder público para a tarefa, o Siqueira Castro repassou parte dos processos ao correspondente para o comparecimento a audiências e a juntada de peças. No entanto, a falta do chamado "preparo" levou o Tribunal Regional do Trabalho do Rio a desconfiar e encaminhar uma das ações ao Ministério Público estadual, que por sua vez abriu inquérito contra o escritório, alegando terceirização indevida.

Embora a bola de neve decorra do envolvimento do poder público na relação, o risco de erros, que podem acontecer em qualquer processo, também preocupa escritórios que contam com representantes em demandas de clientes privados. Com 180 mil causas por ano e mais de 800 correspondentes em todo o país, incluindo desde bancas até advogados autônomos, o escritório Fragata e Antunes Advogados, especializado em contencioso de massa cível e trabalhista, confia na sua rede, mas mantém um expensivo seguro-garantia contra deslizes. "Quem paga o seguro somos nós, e não o cliente. A responsabilidade por qualquer erro é nossa, independentemente de quem tenha cometido", diz o advogado Francisco Fragata Jr, que ressalva nunca ter precisado usar a garantia.

O mesmo faz a boutique Sanchez Madriñan Advogados Associados, dedicada a causas tributárias no Judiciário e nas instâncias administrativas dos fiscos federal, estadual e municipal em nível nacional. Com 77 correspondentes cadastrados para acompanhar 3,2 mil processos em cada um dos estados brasileiros, a banca apelou ao seguro para garantir o pagamento de qualquer possível prejuízo decorrente de falhas de seus 20 advogados ou dos subcontratados. "Mesmo assim, mandamos os processos prontos, já grampeados, para não dar chance para equívocos", explica a sócia Marissol Sanchez Madriñan. "O correspondente trabalha como uma espécie de despachante."

No Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados, a subcontratação de escritórios exige a satisfação de critérios previstos em uma cartilha. "Não usamos terceiros para questões técnicas, mas mesmo assim avaliamos a estrutura, a quantidade de advogados e a titulação dos membros, além de buscarmos referências", afirma o advogado Rodrigo de Mesquita Pereira, um dos seis sócios. Para ajudar os 60 advogados associados, a banca, com clientes nas áreas de telefonia, construção civil e bancária, conta com 300 correspondentes em todas as regiões do Brasil.

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Paulo Sérgio João - fgv.br

Graças aos cursos ministrados na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o professor de Direito do Trabalho Paulo Sérgio João (foto) conseguiu montar uma verdadeira rede de confiança para defender clientes longe de seu escritório. Alunos e ex-alunos, com quem o prefessor criou laços mais próximos, garantem o seu sono quando pede providências em comarcas distantes, principalmente no Sul do país. "É uma rede não de correspondentes, mas uma continuidade do meu escritório, tamanha a sintonia", conta. Pelo menos dez bancas fazem parte do grupo, e trabalham em conjunto com os quatro advogados e três sócios do Paulo Sérgio João Advogados em São Paulo, Rio de Janeiro, Natal e nos estados do Sul.

Segundo o professor, esse tipo de relação evita os problemas característicos dos substabelecimentos. "Às vezes, o correspondente não tem o mesmo envolvimento que os advogados do escritório, por não conhecer o cliente", afirma. Segundo Marissol Madriñan, a dificuldade está na contratação. "Antes de passarmos o serviço, nos cercamos de informações, mas é difícil fazer isso à distância. O profissional é conhecido durante o trabalho", diz. Apesar disso, ela garante contratar apenas com indicação, e acompanhar via e-mail e telefone a realização de cada tarefa.

Devido às complicações, o Fragata e Antunes prefere abrir sede própria em cada local, quando o volume de processos justifica. São 11 unidades em nove estados, e há planos para chegar a mais dois. "Nossos advogados trabalham com cultura de escritório maior, têm mais conhecimento dos casos e estão preparados para fazer sustentações orais", afirma Francisco Fragata Jr.

Como não é possível fazer o mesmo em todas as comarcas, o escritório submete os terceirizados a constantes treinamentos, ministrados tanto à distância quanto pessoalmente pelos sócios da banca, que percorrem os estados. "Temos uma diretoria só para cuidar dos correspondentes", diz.

Por outro lado, a proximidade de escritórios com as varas locais pode fornecer informações importantes até mesmo para a estratégia de defesa. "O correspondente conhece a cultura do estado", observa. Ele cita exemplo dos Juizados Especiais Cíveis do Sul, que costumam não julgar questões ligadas a juros, e mandá-las para varas comuns. "Uma peculiaridade como essa pode tornar toda a estratégia equivocada."

Mínimos detalhes
Em geral, o cuidado começa nas conversas com o cliente, que diz, no próprio contrato, se admite ou não o uso de correspondentes. Essa decisão, é claro, influencia nos honorários. A terceirização normalmente é feita pelo substabelecimento, com reserva de poderes, das procurações. "Isso quer dizer que se nós renunciarmos a algo, está renunciado", afirma Rodrigo Pereira. Geralmente, os subcontratados não podem "quarteirizar" os serviços, nem ter contato direto com os clientes. Também não elaboram peças.

O modelo foi reafirmado pelo Tribunal de Ética da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil no ano passado. Segundo os conselheiros, "advogados terceirizados ou quarteirizados têm relação profissional com o advogado ou escritório que os contratou, não podendo relacionar-se diretamente com o cliente sem a autorização do advogado ou sociedade de advogados mandante do trabalho de busca, extração de cópias ou realização de audiências", diz a ementa do acórdão no Processo E-3.918/2010, lavrado em agosto pelo relator Cláudio Felippe Zalaf.

Os ganhos dependem do contrato firmado com o escritório sede. No Mesquita Pereira, em que os correspondentes são fixos, a maioria dos acordos é de remuneração mensal por número de processos acompanhados. O acerto pode ou não incluir despesas, mas jamais há pagamento de sucumbência. No Fragata e Antunes, a remuneração é por ato. Quanto maior o pacote repassado, menor é o valor pago por cada um. "Mas também há casos de valores pagos por processo inteiro", afirma Fragata.

Acerto de contas
Quando não se consegue evitar erros, o escritório contratante arca com o prejuízo diante do cliente, mas divide a fatura com o responsável. "Podemos cobrar até no encontro de contas", afirma Rodrigo Pereira. No Fragata, o custo dos deslizes pode até ser parcelado, mas é pago pelos correspondentes.

Obviamente, as bancas só conseguem financiar consequências pecuniárias. Os advogados respondem pessoalmente por falhas profissionais. "A responsabilidade técnica perante a Ordem dos Advogados é de quem erra, que pode inclusive perder a licença por falta de capacidade profissional", explica Rodrigo Pereira. "Em casos mais graves, o próprio escritório contratante pode formalizar a representação."

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Carlos Mateucci - Divulgação

Segundo o presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP, Carlos Roberto Fornes Mateucci (foto), casos de desídia ou imperícia, como abandono de causa ou equívoco reiterado, podem impedir de vez o profissional de trabalhar, caso seja punido em processo disciplinar. "A responsabilidade do correspondente é pessoal. Se ele for uma sociedade de advogados, é subsidiária e ilimitada", explica. Segundo ele, que também é vice-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), mesmo que a banca contratante tenha um seguro contra falhas, a apólice deve incluir os nomes dos correspondentes. "O que se aconselha sempre, mas poucas vezes é feito, é a formatação de um contrato claro."

Prazo de validade
O papel do correspondente, porém, pode mudar em breve. "Hoje, com a virtualização dos processos, a presença do advogado para praticar atos é cada vez menos necessária", avalia Paulo Sérgio João. "Ajuizamentos, juntadas e acesso aos autos e às deciões podem ser feitos à distância em alguns casos." Segundo ele, a tendência é que só o comparecimento às audiências dependa desses profissionais.

A previsão pode preocupar quem vive de terceirizações. "Há localidades em que existe uma briga pela reserva de mercado, principalmente no interior, onde se resiste à entrada do advogado de fora", diz o professor. "Entendo esse lado, mas do ponto de vista ético-profissional, qualquer advogado pode exercer sua função em todo o país." Além da resistência das bancas locais, a integração teria de passar também pela burocracia da classe. A OAB exige uma inscrição — e uma anualidade — diferente para cada estado em que o profissional deseja atuar.

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