Efeitos nocivos

Fazenda pede penhora de recebíveis de cartões

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27 de março de 2011, 8h00

Recentemente se tem noticiado que a Fazenda do estado de São Paulo vem pleiteando a penhora de recebíveis que os contribuintes têm com as administradoras de cartão de crédito. O que se busca com tal prática é basicamente constringir o recebimento dos valores que seriam pagos aos contribuintes pelas administradoras, tendo em vista as compras realizadas por esse meio de pagamento.

A justificativa que é dada para a adoção desse procedimento é a de que os valores a serem pagos pelas operadoras de cartão de crédito aos comerciantes equiparam-se a dinheiro, o que autorizaria o pedido de penhora desses valores, para dar cumprimento à ordem de preferência do artigo 11 da Lei 6.830/80, bem como do artigo 655 do Código de Processo Civil.

Em que pese tal pleito ser de questionável legalidade, além de infringir princípios que norteiam o processo de execução no Direito brasileiro, algumas decisões foram proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo reputando válida tal conduta.

Essas decisões, apesar de aparentemente sinalizarem uma tendência que pode vir a reforçar o empenho das Fazendas estaduais na utilização desse tipo de expediente, não representam a pacificação do assunto, que ainda é polêmico e merece algumas críticas e ponderações, de modo que os contribuintes não se sintam desamparados em relação ao tema e possam ver que existem argumentos de defesa para evitar abusos nesses casos.

Um primeiro ponto que merece maior reflexão diz respeito ao fato de as Fazendas estaduais alegarem que a penhora de recebíveis de cartões de crédito e débito pode ser equiparada à penhora de dinheiro. Em termos práticos, a equiparação pode ser utilizada para colocar essa modalidade de penhora no topo da lista de bens penhoráveis que vem prevista no artigo 11 da Lei 6.830/1980, permitindo assim que seja autorizada a substituição de outras garantias já aceitas no processo ou a recusa dos bens que sejam oferecidos, pois eles sempre estariam abaixo do dinheiro na referida lista.

Essa equiparação, porém, traz em si mesma uma contradição grave. Nesse sentido, é relevante relembrar que recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o precatório, para fins de penhora em execução fiscal, não pode ser considerado como dinheiro, devendo ser classificado como direito de crédito, que é um dos últimos itens da lista anteriormente mencionada, de modo que as Fazendas estaduais podem recusá-los com mais facilidade (RESPs 1.219.034/SP e 1.090.898/SP).

Essa situação é reveladora da assimetria existente entre o que entende o STJ e o que defende as Fazendas estaduais. Note-se que o precatório é um título de crédito que os cidadãos ou empresas têm contra a administração pública em razão de uma decisão judicial. A administração pública, por sua vez, é considerada sempre solvente. Solvência, aliás, que é superior a de qualquer instituição financeira privada que opere os cartões de crédito ou débito.

Desse modo, não é lógico classificar a penhora de recebíveis como dinheiro e os precatórios como simples direito de crédito. Ao agir desse modo, os tribunais estariam oferecendo um tratamento completamente desigual em situações similares e atuando em favor do que for mais conveniente às Fazendas estaduais.

Também merece atenção o fato de que, na forma como a penhora de recebíveis tem sido efetuada, ela pode ser comparada, na prática, à penhora online, na medida em que os recebíveis de cartão são tratados como dinheiro e administrados por instituições financeiras, de forma bastante semelhante aos bloqueios efetuados via penhora online, cuja disciplina está prevista no artigo 185-A do Código Tributário Nacional.

No entanto, referido artigo impõe que se cumpram certos requisitos para que seja autorizada a penhora online na ação de execução fiscal, notadamente os seguinte: (i) é imprescindível que tenha havido citação válida do contribuinte; (ii) o contribuinte não tenha, dentro do prazo legal, nem efetuado o pagamento do quanto lhe é cobrado nem apresentado bens em garantia da execução; (iii) não sejam encontrados bens penhoráveis depois de emissão de mandado de livre penhora.

Somente depois do cumprimento dessas etapas é que pode o juiz/tribunal autorizar a penhora online, sendo de vital relevância que todos estes requisitos estejam comprovados e certificados no processo. Ou seja, trata-se evidentemente de medida excepcional.

É justamente por se tratar de medida excepcional que a penhora de recebíveis de cartões deve ser utilizada com cautela pelos juízes/tribunais, de modo a equilibrar o direito de crédito das Fazendas estaduais com a coerência exigida pelo sistema tributário nacional, devendo ser dada ao contribuinte a possibilidade de oferecer outros bens líquidos que lhe sejam menos onerosos (artigo 620 do CPC).

A falta de cautela na utilização desse instrumento pode gerar efeitos nocivos aos contribuintes e, inclusive, afetar indiretamente os próprios interesses do Fisco, uma vez que a sua utilização sem critérios abala o bom andamento dos negócios das empresas, que vêem seu capital de giro ser restringido e podem enfrentar uma falta de recursos para quitar suas obrigações com os fornecedores, sobretudo diante da relevância que os cartões de crédito e débito têm como forma de pagamento na atualidade.

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