Evento futuro e incerto

Não é cabível ação declaratória de direito eventual

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25 de março de 2011, 7h30

No presente trabalho será analisado o cabimento ou não de ação declaratória de direito eventual, de existência condicionada à improcedência de ação ordinária que a autor move contra terceira empresa, da qual é acionista. O objetivo de tal ação, de cunho declaratório, seria haver o reconhecimento do direito da interessada de, no futuro, caso julgada improcedente demanda em andamento, exercer o direito de retirada da companhia da qual é acionista e contra a qual litiga judicialmente, nos termos dos artigos 109 e 137 da Lei 6.404/1976.

Depois de prolongado estudo e meditação sobre o tema, reiteramos, com a devida licença, nossa convicção acerca do descabimento da propositura de ação declaratória, tal como aventada. Neste momento a interessada tem em andamento ação ordinária contra a terceira empresa, da qual é acionista, perante uma das Varas Cíveis da Capital de São Paulo, onde pede seja:

(…) proclamada a nulidade de todos os atos praticados pela ré, circunstanciadamente expostos na inicial, em violação do texto e espírito dos contratos e ajustes firmados com a autora, em todos os aspectos em que de maneira direta e/ou indireta causaram prejuízo a empreendimento em comum e/ou implicaram na condução do resultado da fórmula para a substituição de ações a valor inferior ao que seria apurado se efetivamente cumpridos os contratos firmados pelas partes em todos os seus termos e na conformidade de seu espírito, para o efeito de que a r. sentença determine que a incorporação do negócio comum pela ré, seja feito pelo valor real e efetivo das ações das suas ações, tal como resultar apurado em regular perícia, valor a ser expurgado de todas as medidas, atos e providências ilegais e ilegítimas tomadas pela ré, seus representantes legais e prepostos, em descumprimento do texto e espírito dos contratos e demais ajustes firmados pelas partes.

Caso julgada procedente a ação, a interessada terá o direito de receber muito elevada quantia em dinheiro representada por ações. Posto que estas foram consideradas inexistentes, na medida em que a terceira sociedade já declarou terem valor “zero”, estará essa terceira sociedade na obrigação de indenizar à companhia autora pelas ações que são objeto do ajuste, mediante a conversão do direito de receber as ações, em indenização por perdas e danos.

A ação declaratória que se pretende ajuizada tem por pressuposto a improcedência da ação anulatória em andamento perante uma das varas cíveis da capital de São Paulo, de tal sorte a apenas restar para a interessada, como uma última medida, o exercício do direito de retirada ou recesso, sendo reembolsada pelo valor patrimonial das ações a que teria direito.

Sem nos atermos a maiores preocupações doutrinárias, segundo Washington de Barros Monteiro[1] para nosso direito, "o titular de direito condicional é titular de um direito eventual (artigo 121), havendo sinonímia entra as duas expressões. Temos que concluir que, para fins práticos, tanto o direito eventual como o direito condicional devem ser tratados de maneira idêntica”.

Nos termos do vigente Código Civil, “ao titular de direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”.[2] A questão está no descabimento de ação declaratória até o trânsito em julgado da decisão que apreciar a ação anulatória em andamento perante uma das varas cíveis da capital.

Em primeiro lugar se trata de direito eventual, condicional, submetido a evento futuro e incerto. Em tese, haveria cabimento jurídico e apoio doutrinário para o ajuizamento de ação declaratória, pois o artigo 4° do CPC não distingue entre os diversos tipos de direito que possam ser seu objeto. Entretanto, a jurisprudência anotada por Theotonio Negrão (CPC, 42ª ed., artigo 4°, nota 11, página 109) vai no sentido de que:

A declaração de existência ou inexistência de relação jurídica deve versar sobre situação atual, já verificada, e não sobre a existência de futura relação jurídica (RTFR 147/55). No mesmo sentido: RT 710/119, Lex-JTA 146/354.
No último v. precedente se colhe a ementa:
“Incabível pretensão declaratória de mero fato ou de simples questão de direito”.
Não há divergência no posicionamento da doutrina.

Para Celso Agrícola Barbi[3]:

Delimitado, assim, o objetivo da ação, conclui-se que não pode ela versar sobre uma simples questão de direito, como se o arrendamento é rústico ou urbano. Nem sobre a existência futura de uma relação, como a declaração sobre direito sucessório em testamento de pessoa ainda não falecida. Igualmente, não se pode usar da ação para declarar sobre lei em abstrato, nem sobre simples fato, como para declarar se houve coabitação entre Caio e Tício. Da mesma forma, segundo Kisch, o fato, ainda que juridicamente relevante, não pode justificar a ação, como no caso de declarar sanidade mental, ou de que a mercadoria entregue é igual à amostra, que o trabalho está de acordo com as regras de arte ou que foi executado pelo autor.

No mesmo sentido, Nelson Nery Júnor e Rosa Maria de Andrade Nery:[4]

1. Interesse na ação declaratória. É inadmissível a utilização da ação declaratória como forma de consulta ao Poder Judiciário, motivo pelo qual não cabe ação declaratória para simples interpretação de tese jurídica ou de questão de direito (RTJ 113/322, RJTJSP 94/181). Daí ser condição para o ajuizamento da ação a necessidade de ser ir a juízo pleitear a tutela jurisdicional, com força de coisa julgada, sobre a existência ou inexistência de relação jurídica ou sobre autenticidade ou falsidade de documento. (…) Mas se não houver dúvida ou incerteza sobre a relação jurídica descabe ação declaratória (RTTJSP 107/325, 107/83).

Aqui, em verdade, se trata de simples questão de direito e de direito em tese, ainda não concretizada a necessidade de sua submissão ao Poder Judiciário, firme a jurisprudência sobre o descabimento de ação declaratória para mera interpretação do direito em tese (RTJ 113/1.322, RJTJESP 94/81, JTJ 174/18).

Ação declaratória. Objeto. Trata-se de ação que não se presta para atender a mera pretensão à interpretação da lei em tese, mas a afastar estado de incerteza objetiva acerca da existência ou não, de relação jurídica. Caso em que essa circunstância não foi demonstrada pela recorrente, a quem incumbia a prova de que a dúvida não reside puramente em sua consciência, traduzindo-se ao revés, em atos exteriores que acarretam ou podem vir a acarretar, prejuízo ao seu direito.[5]

Trata-se realmente de exame de direito em tese, pois a autora não estará para logo exercendo o direito de recesso, apenas procurando se precaver pelo reconhecimento de sua existência em tese, não em concreto, perante situação a ser definida. Trata-se, não é demais repetir, de direito meramente em tese, em virtude da ação anulatória já em andamento, que, uma vez julgada procedente, conduzirá a resultado inteiramente diverso, isto é, o reconhecimento do direito da autora de ter participação acionária expressiva no capital da ré, a já aludida terceira empresa.

Ademais disso, pela razão mesma de não se referir a uma situação concreta, mas apenas a uma possibilidade de exercício de direito, direito em tese, portanto, aplicar-se-á o entendimento pretoriano de que o Poder Judiciário “não é órgão de consulta. Com essa finalidade, não cabe ação declaratória” (RJTJESP 105/91) ou ainda, “impossibilidade de a sentença emitir comandos genéricos, não referidos a uma situação concreta, perfeitamente identificável” (RTFR 164/119).

Sob diverso aspecto, a ação declaratória pura não atenderia às necessidades eventuais da interessada, motivo pelo qual da mesma seria tida como carecedora, por falta de interesse processual. Como acentua João Batista Lopes, desembargador aposentado e professor de Direito Processual Civil[6], louvando-se na posição de Donaldo Armelin, de igual qualificação:

‘Sugere-se conceituar o interesse de agir, como resultante da idoneidade objetiva do pedido, para o autor, de provocar uma atuação potencialmente útil da jurisdição. Esta idoneidade pressupõe uma causa petendi também idônea, sem o que o pedido careceria de condições de provocar aquela atuação útil da jurisdição’.
Em síntese, acrescenta o autor ora sob comentário:
‘Por outras palavras, o interesse de agir não reside na violação de um direito (matéria de mérito) mas simplesmente na narração de fatos idôneos e concretos que, em tese, caracterizam a necessidade e utilidade da tutela jurisdicional’.

A tutela jurisdicional pleiteada na hipótese, em ação meramente declarativa, seria desútil, por isso que não solucionaria o conflito de interesses, declarando apenas – se pudesse ser admitida – a existência de um direito em princípio, tão somente em tese, sem a indispensável concreção. Nesse sentido, é insuperável a opinião de Cândido Rangel Dinamarco[7], quando pontua:

Considerado o elemento adequação da tutela jurisdicional, falta interesse legítimo a obter a tutela declaratória quando a situação lamentada é em tese suscetível de ser corrigida mediante uma modificação e não mera declaração. Essa relação entre a situação descrita e a solução adequada é em princípio ditada pelo direito material e não pelas leis do processo.

E exemplifica:
 

Se se alega que um ato jurídico é nulo, o que significa que não produz efeitos desde sua realização, é apropriado e útil pedir a mera declaração de sua nulidade, porque ela será sempre suficiente para dirimir as inseguranças geradas por ele – especialmente quando se trata de atos ou provimentos da Administração Pública, que gozam da chamada presunção de legalidade. Quando se alega que o contrato é anulável, não basta declarar sua anulabilidade: para melhorar a situação do demandante é preciso remover a eficácia que o ato tem e terá enquanto não lhe for retirada (e isso se faz mediante tutela constitutiva, não meramente declaratória).

Trazendo essas noções para o caso presente, o ajuizamento de ação declaratória agora, enfrentaria obstáculos diversos: (a) se tratar de declaração de direito em tese; (b) da ausência de interesse processual adequado, desde que a eventual procedência da ação não representaria senão isso mesmo, manifestação em princípio de posicionamento do Poder Judiciário – o quanto não se admite – na medida em que a interessada dependerá da solução da ação ordinária, anulatória, já em andamento perante uma das varas cíveis desta capital, para só então eventualmente se revestir do interesse juridicamente qualificado para efetivamente exercer o direito de recesso.

Para isso disporá de ação condenatória, em que será objeto do pedido a condenação da terceira empresa ao pagamento do valor patrimonial das ações da companhia que lhes é comum, pelo menos reconhecendo a sentença, para essa finalidade, como válido e jurídico o exercício do direito de recesso. Do exposto, com renovada vênia, concluímos pela inviabilidade da pretendida ação declaratória do direito em tese ao exercício do direito de retirada.


[1] Curso de Direito Civil, 1977, v. 1:167

[2] Art. 130

[3] A ação declaratória no processo civil brasileiro  – Belo Horizonte, 1962 – Livraria Oscar Nicolai, (páginas 84/85).

[4] Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante – São Paulo, RT, 8a ed. 2004. comentário 1 ao artigo 4º.

[5] STJ, RT 672/228, cfr. Theotonio Negrão, op. cit.

[6] “Ação Declaratória”, RT, SP, 1995, pág. 52

[7] “Instituições de Direito Processual Civil”, Malheiros, SP, 2001, vol. III, págs. 224/225.

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