Fim de carreira

Juiz Casem Mazloum deixa a magistratura

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22 de março de 2011, 11h22

Vítima de linchamento público, o juiz federal Casem Mazloum dobrou e guardou a toga na última sexta-feira (11/3) se despedindo da magistratura depois de 19 anos de carreira. Casem trabalhou nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Em 2003, um fato marcou a vida desse descendente de libaneses. Uma ação pirotécnica da Polícia Federal o envolveu na chamada Operação Anaconda, investigação que apurava atuação de juízes, policiais e empresários em suposta venda de sentenças. A notícia é do site Brasil 247.

O Ministério Público Federal o acusou de formação de quadrilha, envio de US$ 9,3 milhões para o Afeganistão, interceptação telefônica clandestina, uso de placas frias do Detran paulista e requisição de agentes federais para a garantia de segurança dos pais do magistrado. Casem ainda respondeu a processo administrativo disciplinar no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que atua nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, e ficou afastado do cargo por mais de seis anos.

A Operação Anaconda foi resultado de investigações conduzidas pela Polícia Federal e a Procuradoria da República em São Paulo. Por meio de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça teriam sido constatados indícios de atos ilícitos entre criminosos e membros do Judiciário. As ações criminais contra Casem Mazloum foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal que as definiu como “bizarras”, “ineptas” e “aventureiras”.

Em maio do ano passado, o STF suspendeu o processo administrativo disciplinar e o juiz reassumiu o cargo na 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, depois de quase sete anos. O advogado Adriano Salles Vanni, que defendeu o juiz no processo, afirmou nunca ter trabalhado em um caso com tantas violações ao devido processo legal e, ironicamente, contra membro do próprio poder Judiciário. “Os processos foram movidos à base de pirotecnia e de distorções mentirosas de conversas telefônicas”, afirmou o advogado.

“Não saio magoado”, garante Casem Mazloum ao comentar a decisão de voluntariamente abandonar a magistratura aos 54 anos. “Deixo o cargo de cabeça erguida”, diz sem esconder o orgulho de quem recuperou a honra e a vida profissional por decisão judicial da mais alta corte de Justiça do país. “Hoje me vejo com experiência que jamais teria sem esse caso”, acrescenta Casem, citando a Anaconda. “Aprendi muito sobre como funciona a cabeça de determinadas pessoas. Acho que a covardia e a hipocrisia são características marcantes em um número nada desprezível de seres humanos”.

O juiz contou que está vivendo uma nova fase de sua vida. Disse que deixa a magistratura para se dedicar à advocacia e a ONG ABC dos Direitos (Associação Brasileira da Cidadania e dos Direitos Elementares). Casem também acabou de concluir um livro sobre a atuação do Ministério Público Federal em São Paulo, entre elas a da Operação Anaconda. O livro com cerca de 300 páginas tem previsão de lançamento para junho.

“O livro já está pronto. Não tem título definido, porém fala sobre erros grotescos do MPF e da Justiça, bem como das ações fúteis exclusivamente marqueteiras, além de ilegalidades propositais praticadas em ações penais”, revela o juiz. Casem conta que o trabalho consumiu cinco anos de pesquisas e leituras e avaliações de processos e denúncias e que o livro aponta, com dados estatísticos, onde está a impunidade.

Paixão pelo futebol
Casem é o terceiro de oito filhos da dona de casa Kadige e do mascate Mohamad Mazloum. O casal saiu do Líbano onde eram lavradores para tentar a vida no Brasil. “A grande frustração do meu pai foi ser obrigado a parar de estudar para trabalhar na lavoura”, conta Casem. Para a aventura de vir morar no Brasil, Mohamad teve de pegar dinheiro emprestado de um tio, o que garantiu pelo menos o valor da passagem. A viagem foi de navio.

Mohamad, então com 27 anos e sem saber português, começou a mascatear no bairro paulistano da Vila Formosa (na zona Leste). Vendia roupas, cobertores e toalhas de mesa e banho garantindo o sustento da família. Da Vila Formosa, esse ramo dos Mazloum seguiu para a Penha e depois para Guarulhos, onde se fixaram. “Na minha infância jogava futebol e o sonho era ser jogador profissional”, revela Casem. “Mas tive que estudar e abandonar o sonho”, lamenta.

Nascido na Vila Formosa, com passagem pelos campos de várzea da Penha, Casem Mazloum virou goleiro e jogou futebol em vários times do município de Guarulhos, na Grande São Paulo. Foi aí que conheceu o Flamengo de Guarulhos, hoje na Série B, onde atuou. Na época, em meados dos anos 70, lembra hoje Casem, o Flamengo estava na terceira divisão. A carreira foi curta e trocada pelos bancos da faculdade de Direito. “A escolha foi influenciada por um colega do colegial”, conta Casem.

O diploma de Direito chegou em 1982, ano em que a seleção brasileira de futebol de Telê Santana, Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo perdeu a copa do mundo nos campos da Espanha. Casem entrou no Ministério Público Estadual em 1984 e por oito anos atuou como promotor de Justiça. Em 1992 entrou na carreira de juiz federal. Trabalhei como promotor nas cidades de São Caetano, Osasco, Guarulhos, Suzano e Atibaia e, como juiz federal, em Santos, Mato Grosso do Sul e na Capital paulista.

“Meu pai veio para o Brasil já casado e com uma filha nascida. Era muito trabalhador e rigoroso com a educação dos filhos”, lembra Casem, que aos 10 anos teve que trabalhar na loja do pai. O casal teve oito filhos, sete homens e uma mulher, essa nascida no Líbano e que hoje vive em Mato Grosso. Os homens tem curso superior: dois juízes federais, três promotores de Justiça estudais e dois empresários que atuam no ramo de comércio.

Ali Mazloum é juiz titular da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo e também foi tragado pelos fogos de artifício da Operação Anaconda. O outro irmão de Casem, Saad Mazloum, é promotor de Justiça estadual. Nadim também é promotor. Omar, que era procurador do Banco Central hoje é promotor de Justiça no interior de São Paulo. Outros dois irmãos administram as três lojas de móveis da família.

As serpentes
Casem conta que não acreditou nas denúncias feitas contra ele por ocasião da Operação Anaconda. Ele lembra que a sua primeira reação foi de achar o teor das acusações engraçado. De acordo com o juiz, ter dinheiro no Afeganistão e acusações do gênero eram risíveis. “Acreditava que algo ridículo não iria longe, mas me enganei”, completa.

Segundo ele, quando um juiz é injustiçado sua visão é como a de qualquer outro cidadão na mesma situação. “Você nunca imaginaria haver julgadores capazes de dar curso a injustiças apenas para satisfazer uma suposta opinião pública, que nada mais é, muitas vezes, que produto da instigação de acusadores interessados em incrementar acusações ocas”.

Na opinião do juiz a Operação Anaconda foi uma farsa, uma ilegalidade até então nunca vista na história do Judiciário. “Sinto-me feliz agora pelo resultado final”, respira aliviado Casem que antes de deixar o cargo entrou na Justiça com ação de indenização contra três procuradoras da República que o denunciaram. “A peculiaridade é sempre a mesma: basta haver espetáculo e muito barulho na imprensa. Nesses casos, alguns juízes parecem esquecer tudo que aprenderam na escola, desde os princípios mais elementares do Direito. Para eles, caracterizados pela covardia, o importante é não ser criticado por eventual postura independente”.

Casem diz que seus planos para criação da ONG são no sentido de defesa dos direitos elementares das pessoas, muitas vezes violados. Como exemplo ele cita o de representar por abusos contra pessoas submetidas a inquérito ou processos e que são exibidas como troféus para as câmaras de televisão, mesmo contra sua vontade. “É possível promover investigações e processos sem espetaculização”, diz o juiz aposentado, afirmando que a ONG poderá ingressar com ações civis públicas para a defesa dos direitos básicos das pessoas.

 

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