Desligado da União

Constituição deu competência eleitoral a juiz estadual

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15 de março de 2011, 13h26

Nos últimos meses, tem-se discutido se a jurisdição eleitoral deve ser reconhecida ao ramo estadual, como historicamente sempre foi, ou ao ramo federal da magistratura, como querem os defensores da nova tese. Passados mais de vinte anos de vigência da Constituição Cidadã, e mais de cinco anos da Reforma do Judiciário, estabeleceu-se o debate, embora não haja crises na Justiça Eleitoral; ao contrário, ela representa o modelo eleitoral brasileiro, que é aclamado no mundo civilizado por sua segurança e agilidade. De reconhecer que a nomeação de comissão de reforma eleitoral, por ato do presidente do Senado Federal, em agosto de 2010, ensejou oportunidade para o surgimento e discussão de ideias, embora a manifestação da diversidade de opiniões ocorra sem que se tome o cuidado que a matéria exige e merece.

Nenhuma reforma eleitoral séria e duradoura, especialmente no que condiz com a definição do ramo judiciário a que se reconhecerá a jurisdição, se fará sem que se poste o legislador a verificar necessária congruência das propostas com a forma de governo adotada, a forma do Estado e com a definição do papel das forças políticas nas perspectivas dos municípios, dos estados e da Nação. Três, portanto, são os critérios que observaremos para aquilatar a definição do ramo judiciário (federal ou estadual) a que deve caber a jurisdição eleitoral: forma de governo; forma do Estado; concerto das forças políticas nas três esferas.

Embora elementar, fixemos que a forma de governo adotada no Brasil, desde 15 de novembro de 1889, é a República. Disso extraem-se consequências para todo o serviço público, incluindo o serviço judiciário, porque inadmite-se acesso hereditário aos cargos públicos, especialmente os que materializam o poder estatal, devendo aferir-se o mérito para ingresso, permanência e movimentações no evoluir da carreira. Sob esse critério, o direito brasileiro prevê, em aparente contradição (o que é natural da obra humana), que os juízes federais são promovidos aos Tribunais Regionais Federais pelo presidente da República, enquanto os juízes estaduais (aos quais a Constituição Federal reiteradamente denomina “juízes de Direito”) são promovidos pelo presidente do tribunal a que estiverem vinculados. Curiosa a distinção, que reserva ao chefe do Poder Executivo Federal a promoção dos juízes federais, vinculação que não se vê no âmbito do Judiciário estadual.

No que pertine à forma do Estado, somos uma federação que não pode ser abolida, por se tratar de cláusula pétrea (artigo 60, parárafo 4º, inciso I da Constituição de 1988). Do que se extrai a impossibilidade de afastamento dos estados federados da ativa participação nos destinos da vida política nacional, por intermédio dos poderes reconhecidos constitucionalmente. Noutros termos, na federação, não é a União que se fragmenta em estados, mas são os laços políticos entre os estados que constituem a União.

Sob o prisma das relações entre os poderes, nas esferas municipal, estadual e nacional, a jurisdição do juiz federal tem por critério central os interesses da União (artigo 109 da Constituição de 1988), ou eventual conflito de tais interesses com os dos estados e dos municípios, sendo-lhe estranha matéria que refuja a estes termos. Já a jurisdição do juiz de Direito abrange competência sobre interesses dos estados e municípios, assim como os conflitos decorrentes.

Acrescente-se que, onde não houver vara federal instalada, será competente o juiz de Direito para conhecer e julgar certas causas da jurisdição federal (artigo 109, parágrafo 3º da Constituição de 1988), inexistindo regra de reciprocidade na hipótese inversa.

Do conjunto passado ao crivo dos três critérios, mantida a especialização eleitoral da jurisdição, resulta: I – politicamente inconveniente à nossa República, que caminha nos trilhos da democracia há tão pouco tempo, que o titular da jurisdição eleitoral tenha sua carreira vinculada ao chefe do Executivo, o que não atinge o juiz de Direito, que é promovido pelo presidente do Tribunal de Justiça; II – a subtração da jurisdição eleitoral do juiz de Direito, ou sua concentração em mãos do juiz federal, afasta os estados de sua participação judiciária nos destinos políticos da Nação, descaracterizando, por via transversa, a própria federação, o que nem mesmo o regime autoritário instalado em 1964 ousou fazer; III – sob o ângulo das relações entre as esferas de poder, suposta alteração da jurisdição eleitoral, afastando-a do juiz de Direito, comprometeria a autonomia estadual e municipal, cujos interesses são conhecidos pelo juiz federal quando conflitantes com os da União.

Seja qual for o ângulo de visada, uma reforma eleitoral séria e duradoura, no interesse da cidadania e do desenvolvimento institucional dos entes federados, não se fará com alteração na jurisdição tradicionalmente reconhecida aos juízes de Direito.

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