Financiamento de campanha

É a democracia ou a corrupção que custa ao país?

Autor

10 de março de 2011, 8h00

Dias atrás, os jornais denunciavam que o Congresso Nacional havia aprovado sorrateiramente o aumento de mais R$ 100 milhões para o fundo partidário, cujo total será de R$ 301 milhões, agora para 2011. Com tal medida, os “restos a pagar“ de cada partido na campanha eleitoral de 2010 teriam sido zerados.

O contribuinte estranha tal medida, uma vez que, em fins de novembro, foi pelo Tribunal Superior Eleitoral publicada a despesa consolidada oficial da mesma campanha: R$ 2,77 bilhões, suportada pelos próprios candidatos, isto só no primeiro turno (o que dá um custo de R$ 20,41 por eleitor). Pergunta, pois, o irritado eleitor-contribuinte: afinal, as despesas eleitorais dos candidatos e partidos são públicas ou privadas?

Esta é, na verdade, uma velha pergunta, talvez tão antiga quanto à própria democracia, ou melhor, quanto ao uso do voto na democracia (Século VI a.C.), e a resposta não é fácil. Há explicações razoáveis nos dois sentidos. Talvez até a combinação brasileira de um financiamento público/privado encontre honestos defensores.

O próprio presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, em entrevista à Folha de S.Paulo em 12 de julho da ano passado, mostra sua preferência pessoal pelo financiamento público, mas ressalva que o fenômeno do sucesso do financiamento via internet, obtido por Obama nas últimas eleições presidenciais americanas, deixa uma dúvida nesta questão. Penso, no entanto, que cada país deva procurar seu próprio sistema de financiamento eleitoral, baseado em suas características sociais, geográficas, do nível de educação de seu povo e, principalmente, do nível de cidadania atingido pelo seu eleitorado.

O Brasil, infelizmente, ainda está longe do exercício consciente e global da cidadania, em um universo imenso de analfabetos e analfabetos funcionais. Dessa maneira, essa massa iletrada e que muito tarde começa algum tipo de exercício de cidadania torna-se presa fácil dos ardis dos já ricos e eficientes marketeiros. É, pois, evidente, nesse universo de titãs, que o candidato pobre e o bem intencionado sejam arrasados.

Outra notícia recente mostra que as empresas empreiteiras, por meio de suas doações autorizadas pela legislação eleitoral, “acertaram” em suas apostas e contribuíram para eleger 54% do Congresso Nacional. Alguns trabalhos de pesquisa jornalística, bem como de ONGs envolvidas com avaliação de desempenho dos parlamentares, acrescentam que vêem forte correlação entre as doações dos empreiteiros e a paternidade das obras dos políticos que recebem tais doações.

Como as eleições são caras, o político busca fazer seu caixa antes, durante e após as eleições. E, com as reeleições contínuas permitidas para a maioria dos cargos, ninguém, salvo honrosas exceções, considera já ter prestado seu serviço à nação e abandona a vida pública de moto próprio. Recentemente, José Sarney, presidente do Senado, definiu esse estado de espírito do político brasileiro quando afirmou ”a política só tem porta de entrada”.

Assim sendo, parece que o nosso próprio sistema político-eleitoral, nos moldes em que está disciplinado, cria um mecanismo perverso por meio do qual perpetua o político na arena: a acessibilidade consentida a recursos infindáveis para a primeira e para as demais eleições.

Mas as doações realizadas dentro do figurino legal ainda não bastam. Assim, surge o "caixa dois" eleitoral, tão necessário ao político e ao empreiteiro quanto nocivo é ao país. Nesse sentido e em outros similares, também já foi calculado o valor da corrupção global do país. É algo perto dos R$ 41,5 bilhões anuais, como aponta o Departamento de Competitividade (Decomtec) da Fiesp (dados de 2008). Acrescenta ainda que a corrupção representa algo que pode atingir 2,3% do produto interno bruto. Para os efeitos deste artigo, tomo como bons tais números.

A preocupação da Fiesp com a corrupção parece estar mostrando que o sistema concorrencial, tão necessário à sobrevivência do regime de empresa e do próprio capitalismo, está periclitante. O custo crescente dos "por fora", dos "jabaculês", das altas comissões distribuídas para o ganho de concorrências, e a crescente quantidade de esferas que se “manifestam” em dada concorrência, tudo está superinflando o valor da obra e isso acaba contestado, por fim, pelas mesmas "esferas" que endossaram o contrato inicial.

No exterior, o Judiciário e o Ministério Público, saindo em defesa das empresas do seu pais, por sua própria iniciativa ou provocado pelas empresas nativas, promovem ações penais contra aqueles que se utilizam de práticas delituosas nas concorrências. Procuram eles pelos "briberies" (subornos), pelos "bribees" (os que são subornados) e pelo "briber (o subornador).

Notícia recente, publicada no jornal O Estado de S. Paulo no dia 20 de janeiro de 2011, mostra que a francesa Alstom está sendo processada pela Suíça e pelo Reino Unido por suspeita de montar “um sistema mundial de corrupção“ para obtenção de contratos públicos. Brasil, Venezuela e México estão sendo investigados.

Nos Estados Unidos, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), desde 1977, procura no mundo e no próprio país práticas de corrupção empresarial. O mais curioso é que este organismo vai atrás de empresas multinacionais que estejam praticando crimes também em outros países que não os EUA, bastando que tais empresas tenham operações nos EUA, mesmo que lá não estejam sediadas. Obviamente, tais práticas globais de corrupção estão causando prejuízo final às próprias empresas americanas.

No momento, o FCPA processa a Siemens AG por supostos crimes ocorridos na Venezuela, Bangladesh e Argentina. Neste caso, a multa poderá ser de $ 1,6 bilhão. Evidentemente, o que se paga em corrupção destina-se a atores políticos locais (bem como àqueles do país onde está sediada a empresa corruptora).

Respondendo, pois, provisoriamente, à pergunta que fiz no título deste artigo, temo concluir que o preço que pagamos pela nossa democracia é o próprio preço da corrupção. A democracia é, verdadeiramente, um gigante institucional, mas trata-se de um gigante de pés de barro. Sua frágil base é o próprio sistema eleitoral, que, de fato, tem sido o verdadeiro indutor da corrupção generalizada.

Mas creio que possa haver, ainda, uma conclusão melhor e mais esperançosa, acreditando-se na capacidade de aprimoramento das instituições, não obstante a ação contrária exercida pelos empedernidos interessados na manutenção do status quo. Ei-la aqui: a implantação do financiamento público das campanhas, sem absolutamente qualquer recurso privado. Há algum tempo já podem ser sentidos os ventos benfazejos de mudanças profundas institucionais, provêem eles das ações enérgicas corretivas da sociedade civil, e o bem-sucedido movimento pró Ficha Limpa.

Certamente, deverá a sociedade civil unir-se ao TSE e ao Ministério Público Eleitoral, como o fizeram agora, para pleno sucesso desta transformação radical do processo eleitoral. Tal decisão terá ainda o democrático mérito de igualar candidatos ricos e pobres, resultando, finalmente, depois de séculos, que todos serão iguais perante a lei, até os candidatos

Em tempo, há também um subproduto muito esperado: é o alerta para que os empreiteiros cuidem do seu próprio negócio – a obra -, evitando os "achaques" de negocistas e aventureiros (e vice-versa ), e deixando a política seguir o seu rumo independente.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!