O sagrado e o jurídico

Lei anti-islâmica provoca tensão política no Tennessee

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8 de março de 2011, 7h08

Nos EUA, as eleições legislativas de meio mandato ocorridas em novembro do ano passado, além de mudarem a composição da Câmara dos Representantes e do Senado, também promoveram consultas populares em nível estadual. Como o sistema eleitoral americano não é padronizado e unificado nacionalmente como ocorre no Brasil, cada um dos 50 estados, além de organizarem a eleição de acordo com regras próprias, promoveram também plebiscitos sobre questões diversas, como mudanças nas legislações locais. As questões sobre as quais a população foi consultada foram incluídas nas cédulas de votação.

Em novembro, no rastro do estado de Oklahoma que, mediante referendo popular, aprovou uma lei que proíbe que juízes considerem aspectos da lei islâmica (Sharia) em julgamentos, inúmeros outros estados também aprovaram projetos de lei de caráter semelhante, que envolvem a cultura muçulmana e Direito Internacional.

Em alguns dos estados, entidades pró-direito dos muçulmanos têm promovido protestos e tentam embargar leis como estas. As entidades ganharam o apoio de juristas em todo o país, que criticam a relevância de projetos de lei desse tipo e afirmam que, em alguns casos, estão sendo criados entraves jurídicos em questões de tratados comerciais internacionais.

No estado sulista do Tennessee, o projeto de lei não foi incluído na cédula de votação, mas, sim, proposto pelo senador estadual republicano Bill Ketron, e sua aprovação é considerada iminente. Em nenhum outro estado, o conflito entre aqueles que apoiam e rejeitam a nova legislação se tornou tão intenso como no Tennessee.

O vice-governador e líder do Senado estadual do Tennessee, Ron Ramsey, frente à tensão que o caso tem gerado, teve que se comprometer, nesta semana, em encontrar e ouvir os líderes de organizações islâmicas antes que o projeto de lei seja aprovado e sancionado.

O político é um dos defensores da adoção da norma que proíbe que juízes considerem aspectos da Sharia e elementos do Direito Internacional nos tribunais estaduais. O vice-governador afirmou que está preocupado com relatos de que a Sharia tem sido citada em decisões judiciais por todo os EUA. Contudo, não há evidências nem registros de qualquer decisão ou veredito que tenha sido amparado na lei islâmica.

Projetos de lei como este estão sendo contestados judicialmente em todos os estados que os aprovaram mediante referendo popular, entretanto, no Tennesse, a repercussão do caso tem sido maior em razão do amplo apoio dado ao projeto por políticos conhecidos.

Outro ponto que faz do caso do Tennessee distinto é o rigor e a retórica de certos parágrafos do projeto de lei que se referem a conceitos do islamismo e a organizações muçulmanas sediadas no estado.

Os opositores da norma, mencionam um parágrafo que, de acordo com eles, além de vincular a religião, de modo irrestrito, à prática do terrorismo, limita o livre exercício da mesma. O que é proibido pela Constituição dos Estados Unidos.

Diz o parágrafo do projeto de lei: "A ameaça do terrorismo em nosso país, inclusive dentro de nosso próprio estado, conhecida por ‘terrorismo doméstico’, é principalmente fruto de uma doutrina jurídico-político-militar e responsabilidade daqueles que aderem ao seus preceitos ou que advogam minimamente a seu favor. A doutrina é seguida por dezenas, senão centenas de milhões de pessoas em todo o mundo e é conhecida como Sharia. Seus adeptos são os dirigentes e estudiosos dos seus conceitos".

Filosofia de vida
O risco, de acordo com os defensores do projeto de lei, é que a Sharia sirva aos propósitos de juízes ativistas."É meu entendimento que há tribunais em todo o país que estão baseando suas decisões em elementos da lei islâmica", declarou o vice-governador Ron Ramsey, na sexta-feira (4/03) à Nashville Public Radio, a rádio estatal do estado. "Há relatos de que réus ou atores de ações que seguem seus preceitos têm exigido que as normas da Sharia sejam consideradas pelos juízes. E eu tenho um problema com isso. Se você passa a viver nesse país e deseja se tornar cidadão americano, então você vive sob as regras de nosso Direito Constitucional. Eu não sei como isso funciona exatamente, mas penso que a lei islâmica não pode ser integrada em nosso sistema judicial", declarou.

O teor e a linguagem empregados no texto do projeto de lei têm provocado um forte debate no Tennessee. Os defensores da adoção da lei dizem que se trata apenas de legislação antiterrorista. Porém, juristas e comentadores de Direito, além de apontarem incongruências no projeto, insistem na absoluta falta de evidências de que qualquer decisão judicial nos EUA tenha sido amparada, mesmo que parcialmente, por elementos da Sharia.

Grupos de direitos humanos também têm se oposto à aprovação da lei. De acordo com representantes de entidades do gênero, há um equívoco em relação à natureza da Sharia, que corresponde mais a uma filosofia de vida e a regras de conduta, do que a um sistema jurídico formal.

Segundo representates de grupos que defendem os direitos de religiosos, a Sharia não pode ser confundida com o que ocorre em governos muçulmanos totalitários. Em sua concepção mais simples, é semelhante a regras como a Chalaha (as diretrizes que orientam a dieta, as normas de modéstia e os ritos dos judeus); ou ainda a comportamentos como não comer carne vermelha durante a Semana Santa, como fazem alguns católicos, ou também ao voto de silêncio e pobreza em mosteiros budistas.

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