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"Ações coletivas podem ser a solução para a Justiça"

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6 de março de 2011, 6h17

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Marcus Vinícius Rodrigues Lima - Chefe da Defensoria Pública da União de SP - Spacca - Spacca

As ações coletivas são a melhor saída para evitar a enxurrada de processos iguais e evitar também decisões discrepantes que não são satisfatórias para nenhuma das partes, de acordo com o novo chefe da Defensoria Pública da União em São Paulo, Marcus Vinícius Rodrigues Lima. A Lei de Recursos Repetitivos, aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, e a Repercussão Geral usada pelo Supremo são soluções que, de fato, trazem agilidade ao Judiciário, mas, na opinião do defensor, podem fazer injustiças ao deixar de lado as peculiaridades de cada caso. “Tenho a tendência de maximizar a ideia de que cada caso é um caso.”

A conciliação pré-processual também é uma das bandeiras defendidas por Marcus Vinícius Lima, que tomou posse do cargo em janeiro deste ano. Nos pedidos de medicamentos, que são representativos, a DPU em São Paulo recorreu a parcerias com a Secretaria de Saúde do estado, “que tem resolvido vários casos com o procedimento administrativo”, contou ele durante entrevista concedida à revista ConJur.

A Defensoria Pública da União em São Paulo conta com 60 defensores para atender o estado mais populoso do país e 78.096 processos em tramitação em todas as áreas, exceto a trabalhista. “Somos poucos”, explica. Atuar também na Justiça trabalhista seria uma forma de inviabilizar o atendimento que hoje é oferecido. Embora o número seja insuficiente, é maior do que nos outros estados, já que ao todo o Brasil tem 460 defensores.

Outra deficiência da instituição, de acordo com o Marcus Vinícius Lima, é a sua vinculação ao Executivo. Um dos motivos trazidos pelo defensor para desvinculação é que em alguns momentos a DPU em São Paulo atua em muitas demandas contra a União. "Nós somos um órgão que litiga contra o governo, não podemos ficar na dependência do próprio governo. Acho que isso é uma questão de prioridade", assevera.

Marcus Vinícius Lima graduou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro, estado onde nasceu. Ele é defensor público federal desde 2006 e foi titular do 10º Ofício Criminal na capital paulista. Também já foi coordenador do núcleo de acompanhamento processual cível na DPU do Rio de Janeiro. Lima foi também chefe substituto das unidades de Guarulhos e São Paulo.

Além da experiência na Defensoria, ele acumula ainda a vivência de delegado federal no Amazonas, onde chefiou a Delegacia de Tabatinga, na fronteira com Peru e Colômbia, e a Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev) da Superintendência Regional da Polícia Federal, em Manaus. Antes, foi tenente da Marinha de 2003 a 2004.

Durante a entrevista, o chefe da DPU em São Paulo também criticou a ilegitimidade da instituição para propor Ação Direita de Inconstitucionalidade no Supremo. "A DPU pode propor a criação de súmulas vinculantes e a revisão delas, mas não tem a legitimidade para propor ADI". Ele também falou sobre o sistema criminal no país e a força política do Ministério Público.

Leia a entrevista:

ConJur — Como é a estrutura da Defensoria Pública da União em São Paulo?
Marcus Vinícius Rodrigues Lima —
Em São Paulo, são 60 defensores público para dar conta de, exatamente, 78.096 processos em tramitação. A DPU-SP atua na primeira instância nas áreas nas áreas Criminal, Cível e Previdenciária, Direitos Humanos, Tributário e Militar. E, na segunda instância, nas áreas Previdenciária, Criminal, Cível. No país todo, somos aproximadamente 460 defensores.

ConJur — Uma das reclamações da Defensoria Pública da União é a falta de autonomia financeira. Como essa situação atrapalha na administração da Defensoria da União em São Paulo?
Marcus Vinícius Lima —
Todos os nossos projetos e compras mandamos para o Ministério da Justiça aprovar. Qualquer projeto que tivermos que implementar, ainda que atrelados às nossas atribuições, dependem também do aval da Casa Civil e da Advocacia-Geral da União. Uma alternativa seria tornar a Defensoria Pública da União em São Paulo uma unidade gestora, ainda que não tenhamos independência financeira e orçamentária, para ao menos podermos tomar decisões com base nas nossas peculiaridades e diminuir essa dependência estrutural.

ConJur — Existe alguma proposta legislativa para dar independência às unidade da Defensoria da União?
Marcus Vinícius Lima —
A alteração da Lei Complementar 132, a Lei Orgânica da Defensoria Pública, foi alardeada como uma conquista, mas, na verdade, produziu efeitos mitigados para a Defensoria Pública da União. A norma regulamentou a autonomia financeira e orçamentária apenas nas Defensorias Estaduais e não tratou do assunto para a Defensoria Pública da União.

ConJur — E quais são os benefícios da autonomia financeira e orçamentária para a instituição?
Marcus Vinícius Lima —
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro é um ótimo exemplo. Atualmente, tem 900 defensores, número maior do que a União em todos os estados do país. A nossa prima rica exerce um papel relevantíssimo e está em pé de igualdade com todas as outras instituições. Não se pensa no estado do Rio de Janeiro em uma regressão de direitos, em suprimir a evolução da Defensoria. Pelo contrário, a ideia é evoluir cada vez mais. E ela é a mola propulsora de inúmeras conquistas das Defensorias como um todo, inclusive em termos salariais. É comum a Defensoria perder profissionais para o Ministério Público e o Judiciário, que pagam mais. No início da carreira, o defensor da União não chega a ganhar R$ 15 mil.

ConJur — Qual é o perfil da população atendida pela Defensoria Pública da União?
Marcus Vinícius Lima —
A maior parte tem problemas na área previdenciária, por isso, dos últimos dez defensores que chegaram, quatro foram designados para atuar nessas demandas. O grau de escolaridade daqueles que nos procuram é proporcional à renda. Pelo critério que usamos de isenção do Imposto de Renda, lidamos com pessoas que possuem o ensino fundamental e médio. A maioria chega à Defensoria encaminhada por órgãos que atuam na área federal. A pessoa vai até o Juizado porque pode ajuizar a ação sem advogado, mas em dado momento do processo ela é orientada a procurar a Defensoria Pública.

ConJur — Em um determinado momento os defensores da União acabam enfrentando ações contra os advogados federais da Advocacia-Geral da União? Sendo os dois vinculados ao mesmo órgão.
Marcus Vinícius Lima —
Sim. Essa influência faz com que eu defenda a desvinculação administrativa e um orçamento próprio. Nós somos um órgão que litiga contra o governo, não podemos ficar na dependência do próprio governo. Acho que isso é uma questão de prioridade. Na área tributária, por exemplo, atuamos em todos os casos em que o cidadão sofre execução fiscal nos conselhos regionais.

ConJur — Quais são os critérios para uma pessoa poder ser atendida pela Defensoria Pública da União?
Marcus Vinícius Lima —
A Resolução 13 do Conselho Superior da Defensoria faz uma avaliação objetiva da hipossuficiência: isenção do Imposto de Renda. Muitas vezes, entretanto, temos que fazer uma avaliação subjetiva. Uma pessoa que é isenta do Imposto de Renda, mas paga três quatro pensões, também tem direito de ser atendida pela Defensoria.

ConJur — A DPU também tem convênio com a OAB?
Marcus Vinícius Lima —
Não. E também não tenho legitimidade para dizer se há qualquer tratativa, porque eventual convênio seria celebrado diretamente pelo defensor público-geral da União. Na deficiência dos quadros da DPU, o juiz está autorizado a nomear um advogado dativo. Mas os juízes enfrentam dificuldades na manutenção desse cadastro.

ConJur — Quando o senhor listou as áreas de atuação da DPU, não incluiu os processos trabalhistas. A Justiça do Trabalho não está entre as suas competências?
Marcus Vinícius Lima — Não temos estrutura material e nem de pessoal, apesar de ser uma atribuição legal. Todas as Justiças têm audiências, e com as reformas do Código de Processo Penal e Civil aumentaram o número de audiências. Somos poucos. Há uma decisão do Conselho Superior da Defensoria para que em São Paulo a área trabalhista não seja atendida, porque a quantidade de processos somada à falta de defensores poderia tornar inviável o atendimento que nós oferecemos.

ConJur — Quer dizer, há interesse em atender essa demanda, mas não há meios de se fazer isso?
Marcus Vinícius Lima — Sim, é uma frustração. Somos pessoas vocacionadas e gostaríamos que em São Paulo a Defensoria alcançasse o status da Defensoria do Rio de Janeiro. Lá, há uma cultura de conhecimento da instituição, que é fruto do crescimento homogêneo e continuo de todas as instituições, e ela está estruturada para chegar nesse ponto. É isso que pretendemos em São Paulo, que a cada ano registra aumento na demanda.

ConJur — Na área criminal, quais são crimes mais comuns?
Marcus Vinícius Lima —
Todos os crimes da Justiça federal, inclusive aqueles contra o sistema financeiro. Nessa área, atuamos independentemente da renda. Consideramos também a hipossuficiência jurídica. A Constituição assegura a todos a ampla defesa e o contraditório. E a ampla defesa, por parte do Estado, é feita também pela Defensoria Pública. Quando o réu não tem advogado, o juiz indica um defensor, como se fosse uma defesa dativa. O problema é que o CPP prevê que toda defesa dativa seja remunerada. E apenas recentemente tivemos a criação de um fundo com uma conta na Caixa Econômica Federal, que tem a finalidade de reestruturação, de capacitação dos servidores e dos defensores.

ConJur — Sempre que acontece um crime bárbaro, o legislativo faz menção de aumentar a pena daquela conduta penal. Qual a saída para combater crime, o senhor acredita que é aumentando a pena?
Marcus Vinícius Lima —
Acredito que temos que trabalhar muito para melhorar a educação, conscientização e cidadania. A população, em geral, tem uma tendência a bater palma para atuação da Polícia. Mas, Polícia é voltada exclusivamente para aquela população mais humilde que gosta de espetáculo.

ConJur — O senhor acredita que o sistema Penal desfavorece as pessoas mais pobres?
Marcus Vinícius Lima —
Sim, desde o começo. A atuação da Polícia é mais ativa nos lugares onde as casas são mais simples, com os negros e pobres. Essas pessoas tendem a ser mais abordadas, mais encaminhadas para a delegacia e para o Ministério Público. As pessoas que estão presas foram escolhidas pelo sistema. Nosso sistema penal é seletivo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre penas alternativas? Os juízes as têm aplicado em detrimento da prisão?
Marcus Vinícius Rodrigues Lima —
O que se quer com a prisão é afastar esse sujeito da sociedade, como um castigo. Mas, um dia, essa pessoa sai da prisão e aí a questão é saber se ela sai melhor ou pior do que entrou. Esse questionamento começa a contaminar a mente dos juízes e, principalmente, aqueles que têm familiaridade com a realidade carcerária no Brasil. Eles começam a trabalhar com a Justiça restaurativa. Os juízes adotam a substituição da pena inclusive em pequeno tráfico.
A mula, para citar um exemplo, é uma senhora mãe de três filhos, que foi cooptada pelo tráfico, sem ter outra forma de ganhar dinheiro cedeu e começou a traficar. Essa é a regra, mas midiaticamente não é passada.

ConJur — O Congresso Nacional equiparou o tráfico com os crimes hediondos e endureceu a lei de tráfico.
Marcus Vinícius Lima —
Tentou-se recrudescer, mas não se chegou a fazer a diferenciação necessária para essa figura da mula. Existe uma redução da pena no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06 que prevê uma tolerância com a pessoa primária, de bons antecedentes, que não se dedica à atividade criminosa e nem compõe organização criminosa. No início havia um acolhimento pelos juízes da manifestação do Ministério Público Federal de que toda mula, pelo simples fato de compor a organização criminosa, não poderia ser beneficiada, ainda que fosse falha do sistema. Mas percebo que essa interpretação é afastada agora. Existe uma evolução.

ConJur — O que gera a sensação de impunidade na população?
Marcus Vinícius Lima — O papel que a imprensa desempenha. A frase que escuto em relação a essa sensação, é de que rico se dá bem porque pode pagar por um bom advogado. Li muito isso no caso do Daniel Dantas. A Defensoria Pública, enquanto instituição, leva o processo do réu até o Supremo Tribunal Federal.

ConJur — Para controlar a demanda, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal criaram filtros para a subida de processos, como a Lei de Recursos Repetitivos e a Repercussão Geral. Qual a sua avaliação sobre esses mecanismos?
Marcus Vinícius Lima — A comunidade jurídica caminha para isso, já que a sociedade civil exige respostas às suas demandas. Em contrapartida, eu, como defensor público, tenho a tendência a maximizar a ideia de que “cada caso é um caso”. Sou receoso em relação às regras fechadas, e defendo mecanismos de exceção que possibilitem alternativas.

ConJur — Qual outra forma pode ser usada pelos tribunais para julgar tantos recursos de forma célere?
Marcus Vinícius Lima —
Eu defendo as demandas pela tutela coletiva. O ideal é evitar enxurradas de demandas individuais que vão assoberbar o Judiciário, criar discrepâncias e talvez decisões que não são satisfatórias para ninguém. Elas propagam um sentimento de injustiça nas pessoas que estão na mesma situação e recebem decisões diferentes. Outra ideia é evitar a judicialização da demanda, trabalhando com o cidadão antes de entrar na Justiça. Na DPU em São Paulo, trabalhamos sempre com a prevenção. Independentemente disso, nos casos de medicamentos, que são muitos, buscamos sempre o apoio da Secretaria de Saúde do estado, que tem resolvido vários casos com o procedimento administrativo.

ConJur — Em quais outros casos existem parcerias?
Marcus Vinícius Lima —
Foram criados recentemente grupos de trabalho na Defensoria Pública da União para atuar em câmaras de conciliação nos casos previdenciários. Também um grupo de trabalho com moradores de ruas, esse fruto de um acordo feito recentemente com a DPU. E ainda, um grupo de trabalho com deficientes. Todos de forma administrativa para tentar resolver os casos em uma conciliação preliminar, mesmo nas questões que são coletivas e poderiam dar ensejo a uma Ação Civil Pública, por exemplo.

ConJur — O Ministério Público, desde 1988, conquistou espaço e força política para influenciar nos projetos de reforma legislativa. O senhor acredita que a Defensoria Pública caminha no mesmo sentido?
Marcus Vinícius Lima — O Ministério Público está bem estruturado em todos os estados, inclusive na esfera federal. Com dispositivos funcionais, atribuições constitucionais e a atribuição de fiscal da lei. Enfim, essa estruturação faz com que ele tenha influência. E a influência é diretamente proporcional ao seu poder.

ConJur — Recentemente, a pedido da DPU-SP, o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, decidiu reorganizar a sala de audiências para que defesa e Ministério Público sentassem um de frente para o outro, no mesmo nível, e também retirou o tablado que o deixava mais alto. Na prática, qual é o resultado dessa mudança?
Marcus Vinícius Lima — O Ministério Público é fiscal da lei. Houve recentemente uma alteração da Lei Complementar 80 pela Lei Complementar 132, na qual o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ficar no mesmo plano. Não estamos falando em ficar no mesmo plano do juiz. A reforma que houve na sala da 7ª Vara foi feita a partir do princípio de paridade de armas. Para a testemunha ou o réu é diferente responder uma pergunta da pessoa que está ao lado do juiz e da pessoa que está sentada na frente do seu advogado. Na Justiça Estadual já é assim: defesa e acusação sentam no mesmo patamar.

ConJur — A Defensoria Pública da União tem legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal?
Marcus Vinícius Lima —
Não. O que é inexplicável. Nós canalizamos as pretensões da Justiça Federal e de massa, e não cabe à Defensoria Pública ingressar com ADI porque ela está no controle concentrado. A DPU pode propor a criação de súmulas vinculantes e a revisão delas, mas não tem a legitimidade para propor ADI. É nesse tipo de situação que se reflete a nossa falta de força política, que está ligada à falta de estrutura. Hoje, não temos cargos de apoio, nem plano de carreira. Os servidores que hoje prestam serviços na Defensoria Pública são do Ministério do Planejamento, requisitos através da Lei 9.020/95, que dá o poder requisitório dos servidores públicos. É complicado, porque muitas vezes fazemos a entrevista com ele, mandamos o pedido de requisição para Brasília, mas há um impedimento como a falta de pessoal ou um impedimento político e ficamos sem o servidor.

ConJur — Qual sua opinião sobre a Proposta de Emenda à Constituição 525/10, que cria o Conselho Nacional da Defensoria Pública?
Marcus Vinícius Lima —
Da forma como está, o projeto é uma incongruência. Cria um Conselho com a presença de integrantes do Ministério Público, do Judiciário. No entanto, hoje, não há qualquer representante da Defensoria Pública no Conselho Nacional do Ministério Público nem no Conselho Nacional de Justiça.

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