Consequência da decisão

Lippmann associa processo no CNJ a Roberto Requião

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6 de março de 2011, 11h07

O desembargador Edgar Antonio Lippmann Júnior, afastado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, está vivendo o seu inferno astral. Desde o dia 1º de março, por decisão do Conselho Nacional de Justiça, ele responde a um Processo Administrativo Disciplinar. O Plenário do órgão de controle do Judiciário acolheu o voto da relatora do caso, a ministra e corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon — que se baseou num inquérito da Polícia Federal e numa sindicância instaurada após reclamação disciplinar proposta pela 1ª Vara Criminal Federal de Porto Alegre.

O inquérito, feito com base em escutas telefônicas, apontou indícios de favorecimento de advogados próximos ao desembargador. Já a sindicância sustentou que o magistrado teria recebido favores de diversas naturezas, justamente por esta estreita proximidade com os advogados. O caso se refere à liberação irregular de precatórios judiciais no Rio Grande do Sul.

O magistrado está afastado de suas funções desde abril de 2009, quando o CNJ instaurou sindicância para apurar o recebimento indevido de valores — para permitir a reabertura de uma casa de bingo no Paraná — e esclarecer a aquisição de uma série de imóveis, tanto em seu nome quanto em nome de sua mulher. A sindicância apontou, segundo nota do CNJ divulgada à época, que entre 2003 e 2007 sua movimentação financeira teria sido bem superior aos rendimentos declarados ao Fisco no período — o que sinalizaria enriquecimento ilícito.

Edgard Lippmann Júnior hoje divide seu tempo entre uma ação de voluntariado, atendendo jovens carentes numa vila da capital gaúcha, e o trabalho de defesa dos seus processos. Ele suspeita que parte da avalanche de processos e de notícias desfavoráveis que lhe são disparadas pela imprensa do Paraná se deve ao enfrentamento que teve com o então governador Roberto Requião (PMDB). Lippmannn impediu que Requião fizesse uso político da TV Educativa, em janeiro de 2008. A reação foi estrondosa e em cadeia, pois o ato foi interpretado como censura. As entidades de esquerda, por meio de seus representantes, destilaram todo o seu inconformismo na imprensa.

Antes de responder a estas denúncias do CNJ e de se envolver nesta querela com o governador do Paraná, Lippmann era reverenciado como um dos magistrados mais corajosos e de cabeça arejada, principalmente na área da gestão judiciária. Lippmann nasceu em Guarapuava, nos Campos Gerais do Paraná. Cursou a Universidade Federal do estado (UFPR), onde se formou em Direito e em Educação Física. E, em 2008, concluiu o mestrado em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas.

Após dez anos militando na advocacia, foi aprovado em concurso nacional para a magistratura federal. Tomou posse no dia 4 de outubro de 1988, assumindo a 2ª Vara Federal de Porto Velho, em Rondônia — primeiro juiz federal a ser nomeado naquela localidade. Em abril de 1989, foi removido para a Vara Única de Foz do Iguaçu (PR), onde ficou até início de 1991. Daí, foi removido para a 6ª Vara Federal de Curitiba e, entre 1996 a 1998, convocado para atuar no TRF-4, onde chegou definitivamente em junho de 1988. No tribunal, além das funções judicantes, foi coordenador do Programa de Qualidade, do Sistema de Conciliação e dos Juizados Especiais Federais, entre 2004 a 2007.

Em sua gestão, foi implantado o processo virtual em toda jurisdição, nos três estados do Sul; elaborado o planejamento estratégico nos Juizados Especiais; e implantada a técnica de conciliação nos processos em tramitação no tribunal. Desde que criado o TRF-4, em abril de 1989, até fim do ano passado — quando já estava afastado há mais de um ano e meio —, Lippmann figura como o desembargador que mais julgou na corte.

Leia a entrevista exclusiva concedida à ConJur nesta sexta-feira (4/3):

ConJur – O que significa, na prática, este Processo Administrativo Disciplinar? Em que pode redundar e quais as consequências para sua carreira na magistratura federal, caso o desfecho lhe seja desfavorável no final do processo?
Edgard Antonio Lippmann Júnior –
Trata-se de acusação de, em razão de suposta amizade com advogados da empresa Parque dos Alpes, ter favorecido a mesma – seja por possível manipulação da distribuição, seja por ter julgado favoravelmente pedido de imposição de multa processual por má-fé (1%), e de ter elevado os honorários de 0,1% para 3%. O PAD objetiva apurar a prática de possível conduta que possa macular o cargo de desembargador federal. E, em tese, caso julgado procedente, pode levar à pena de disponibilidade ou de aposentadoria compulsória proporcional.

ConJur – O senhor se declara inocente. Provando a lisura dos seus atos, pretende tomar alguma medida administrativa ou judicial de reparo?
Lippmann
– Como tenho a consciência absolutamente segura de minha inocência, quando arquivada esta acusação, examinarei, no momento oportuno, quais as medidas a serem tomadas. Por ora, ainda vejo como prematura qualquer definição neste sentido.

ConJur – Qual o prazo de conclusão do PAD?
Lippmann
– Inexiste prazo determinado para a conclusão de um PAD. Para se ter ideia, o primeiro deles, do qual resultou no meu afastamento, em abril de 2009, ainda está na fase pericial. Depois de ouvido, vem a fase de alegações finais. E, aí, sim, será incluído em pauta para julgamento.

ConJur – Neste tempo todo, o senhor permanece afastado do cargo? Perde prerrogativas?
Lippmann
– Sim, já estou afastado há mais de um ano e meio. Neste período, não posso exercer nenhum cargo ou função. Como, paralelamente ao curso de Direito, graduei-me em Educação Física, presto serviço voluntário numa creche de Porto Alegre há quase dois anos, a Creche Arapeí, no Morro Santa Tereza, ponto problemático quanto ao uso de drogas. Desenvolvi o projeto ‘‘Gota de Esperança’’, no qual, com a ajuda de muitas pessoas, tentamos evitar que crianças e adolescentes venham a se envolver com o crack. Este projeto, agora, está para ser implantado também em Curitiba.

ConJur – O inquérito da Polícia Federal e a sindicância instaurada no CNJ, após reclamação disciplinar proposta pela 1ª Vara Criminal Federal de Porto Alegre, foram determinantes para o acolhimento da denúncia. Em que se baseiam?
Lippmann
– Sim, eles foram determinantes para a denúncia, mas as acusações não têm sustentação. A questão do possível direcionamento ou manipulação da distribuição dos processos para minha relatoria está devidamente esclarecida. O ofício expedido pelo diretor judiciário do TRF-4 afirma que todos os recursos que chegaram ao tribunal foram distribuídos como manda o Código de Processo Civil e o Regimento Interno, sem qualquer interferência deste magistrado. Quanto à acusação de possível favorecimento nos julgamentos, também está comprovado, documentalmente, que houve lisura em todos os procedimentos. O primeiro recurso que chegou ao TRF-4, distribuído para este magistrado, envolvia a sentença de um juiz de primeiro grau. Ele, ao julgar a liquidação de sentença [incidente processual que existe depois de julgada procedente uma ação, objetivando definir o montante do débito], aplicou a multa por litigância de má-fé, que, na ocasião, eu excluí. Trata-se da Apelação Cível 1999.71.017663-1. Na ocasião, salientei que um dos desembargadores que compunham a turma divergiu, entendendo que deveria ser mantida a multa. Todavia, como a União insistia em procrastinar a tramitação do processo, numa segunda apelação — agora que julgados os Embargos à Execução —, entendi que, em razão da renovação de teses já superadas anteriormente, inclusive com trânsito em julgado, era cabível tal sanção de 1%. Quanto aos honorários advocatícios, sempre entendi que devem ser compatíveis com o trabalho desenvolvido. No caso, o juiz de primeiro grau fixou-os em apenas 0,1%. Na minha ótica, no que fui acompanhado pela turma, este percentual deveria ser elevado para 3% do valor controvertido. O CPC manda fixar honorários entre 10% e 20%, mas, se vencida a Fazenda Pública, eles podem ser fixados em percentual menor, como feito. Quanto à acusação de que eu seria amigo íntimo dos advogados do caso — num dos diálogos interceptados, consta que eu teria solicitado ingressos para uma partida de futebol, além de um pedaço de carneiro para confraternização entre magistrados —, há pouco a comentar. Trata-se do advogado e festejado professor Gerson Fischmann e seu sócio Fernando Hackmann. Conheci-os por meio do outro renomado professor e hoje ministro do STJ, Teori Zavascki. Pelo que me consta, estes dois advogados foram absolvidos de quase todas as acusações. Se não me engano, resta a responder apenas a possível prática de exploração de prestígio. Ora, eu sou filho de jogador de futebol, licenciado em Educação Física, logo, um homem do esporte. Não vejo por que ligar tal fato [relação com um conselheiro do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que tem cota de ingressos para distribuir às autoridades] a uma alegada perda da imparcialidade. Até porque, julguei vários feitos em desfavor aos mesmos.

ConJur – Houve algum atropelo legal na fase investigatória?
Lippmann
– Até agora, o processo corre os trâmites normais, sem anormalidades.

ConJur – Qual o desfecho da sindicância instaurada em 2009 pelo CNJ, em que o senhor foi afastado sob suspeita de beneficiar uma casa de bingo e de aquisição irregular de imóveis?
Lippmann
– Conforme comentei no início da nossa conversa, a sindicância está em fase de perícia contábil. Estou tentando comprovar que a alegação de movimentação financeira incompatível com meus rendimentos não se sustenta. Até porque foi utilizado como parâmetro, maldosamente, apenas o montante da CPMF, o extinto imposto do cheque. Ora, como este tributo é cumulativo, incidia sobre todas as operações bancárias. Cada vez que era efetuado um lançamento na conta bancária — seja para pagar água, luz, plano de saúde etc —, a conta ficava no vermelho, pois não havia saldo. Quando eu recebia meus vencimentos, voltava a incidir a CPMF sobre o saldo a descoberto. E assim por diante. Na perícia, estou provando, também, que os imóveis adquiridos, tanto em meu nome como no de minha companheira, estão devidamente cobertos pela suficiência econômica.

ConJur – O senhor tem algum inquérito no STJ? Por que motivos e qual o andamento?
Lippmann
– Sim, paralelamente aos PADs, foram enviadas cópias para o STJ. Hoje, estão em fase de tramitação os Inquéritos de números 583 [bingos] e 584 [vazamento de depoimentos sigilosos].

ConJur – A que o senhor atribui esta avalanche de denúncias e reclamações?
Lippmann
– Curiosamente, todas as acusações assacadas contra a minha pessoa — favorecimento de uma casa de bingo em Curitiba, vazamento de depoimentos de juízes federais contra o desembargador Dirceu Almeida Soares e favorecimento em processo no caso Parque dos Alpes — referem-se aos anos de 2004, 2005 e 2006. E são de amplo conhecimento do Ministério Público Federal. Todavia, somente vieram a público no ano de 2008, quando, em janeiro, proferi decisão proibindo o então governador do Paraná, senhor Roberto Requião, de fazer uso indevido da TV Educativa, inclusive impondo multas pelo descumprimento. Paralelamente a isso, em março do mesmo ano, fui relator em processo do interesse de um subprocurador da República. Neste processo, a 4ª Turma do TRF-4 entendeu por remeter peças para o STJ, a fim de investigar possível prática de crime de prevaricação contra a subprocuradora que assinou várias das acusações antes referidas.

ConJur – É lógica ou coincidência?
Lippmann
– Como antes afirmado, parece que há certa lógica em associar a decisão por mim proferida contra o senhor governador da época com as acusações. Tanto que foi juntado, a pedido de um delegado da Polícia Civil do Paraná, do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), depoimento de um ex-funcionário da casa de bingo Montecarlo, acusando um procurador da República e a mim. O dado curioso é que contra este procurador foi também instaurada sindicância. Todavia, a peça foi arquivada, pois ficou comprovado que o cidadão que fazia a acusação tinha motivos pessoais para denegrir a imagem de seu ex-chefe e a de todos quantos pudesse atingir.

ConJur – Pouca gente sabe que o senhor foi cidadão honorário de todas as comarcas em que jurisdicionou, que combateu a corrupção na Telepar (estatal de telefonia) e o contrabando em Foz do Iguaçu, e que inovou na administração judiciária, com ação decisiva para implantar o processo eletrônico. Estas denúncias abalam sua obra no Judiciário ou o desmotivam?
Lippmann – Estou absolutamente seguro de minha inocência. Além disso, entendo que os homens passam, mas as obras ficam. Nesses quase 23 anos de magistratura, não me arrependo das infinitas horas de sono perdido, dos muitos dissabores. Mas tenho a consciência tranquila. Sei que dei o melhor de mim. Como diz um sábio autor estrangeiro: ‘‘a Justiça é o pão dos pobres’’. Assim, neste período, tentei distribuí-la da melhor maneira possível. Como ser humano, fica, sim, o sentimento de desmotivação. Entendo injusto não só o meu afastamento, mas a maneira como as acusações chegaram ao CNJ e ao STJ, e como parte da imprensa as tem abordado.

ConJur – Agora que o senhor está do ‘‘outro lado do balcão’’, à espera de Justiça, que visão tem do sistema judiciário?
Lippmann
– Ainda confio no Poder Judiciário e na integridade de seus ocupantes. Muito mais, confio na justiça divina, esta sim, infalível. Fatalmente, quando encerradas estas investigações, tomarei a melhor decisão que atenda a meus interesses e a de meus familiares. E volto a afirmar: tenho a consciência tranquila e a cabeça absolutamente em pé. E não é só impressão. Por todos os locais que transito e frequento, sinto o respeito e a admiração por parte de colegas, advogados e de toda a sociedade.

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