Jurisdição internacional

TPI deve atuar na Líbia como em Ruanda e Iugoslávia

Autor

  • Eduardo Viana Portela Neves

    é advogado criminalista mestre em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP) professor de pós-graduação secretário adjunto da OAB-BA (Subseção Vitória da Conquista-BA) e professor da Faculdade de Direito de Guanambi.

5 de março de 2011, 10h29

Como se sabe, o Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional só entrou em vigor no ano de 2002, pois era necessária, no mínimo, a ratificação por parte de sessenta países. Embora possa parecer haver decorrido muito tempo desde a conferência de Roma até a vigência do Estatuto, não é bem assim; em termos internacionais, trata-se de um decurso temporal relativamente pequeno, notadamente se levar em consideração a natureza e envergadura do compromisso internacional.

Como se pode antever, o TPI apenas tem competência para processar e julgar fatos ocorridos após sua entrada em vigor. Mesmo cônscio de que a limitação de competência “ratione tempore” sacou do Tribunal a possibilidade de apurar graves fatos internacionais, a exemplo dos acontecimentos em Camboja e Serra Leoa, isto em nada diminui a sua importância para a comunidade internacional.

Desde a ratificação até o momento, a corte atingiu uma preciosa desvinculação e independência do Conselho de Segurança. Dois fatos específicos já demonstram a sua vitalidade e o amplo desenvolvimento do seu processo de independência: a) relatório emitido por Philip Alston, afirmando que os fatos ocorridos no Quênia deveriam ser levados a Haia. Atualmente as acusações encontram-se em fase de apreciação por parte da promotoria; b) decretação, em marco de 2009, da prisão do presidente em exercício do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al Bashir. Pela primeira vez um chefe de Estado em exercício tem sua prisão decretada e é acusado de crimes internacionais. Esta decisão envia uma mensagem bastante clara e cheia de significados, qual seja: qualquer um pode ser submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Não por outras razões, nos últimos anos, a Corte tem alcançado avanços que denotam o seu estado de desenvolvimento, especialmente se considerar o número de ratificações, 114. Um dos princípios que permitiram esta grande adesão dos Estados foi, sem dúvida, o princípio da suplementaridade (ou, conforme a doutrina, complementaridade).

Com os atuais acontecimentos na Líbia, tem-se cogitado a possibilidade de submeter o caso libanês à jurisdição da corte penal internacional, mas há alguns ajustes e ponderações a serem consideradas.

Inicialmente, é de se destacar que apenas os países que ratificaram o ER se submetem à sua jurisdição e a Líbia não é signatária. Esta circunstância, regra geral, afasta a possibilidade que o TPI intervenha sobre os crimes ali cometidos.

Como se disse, esta é a regra geral, mas o TPI poderá exercer sua jurisdição desde que o Estado a aceite, nos termos do artigo 12, 3, (i); ou, por outro lado, se o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, com base no capítulo VII da Carta das Nações Unidas denunciar ao procurador situações em que haja indícios do cometimento de crime internacional (artigo 5.º do Estatuto de Roma). Nesta segunda hipótese se enquadra a situação libanesa.

O Conselho de Segurança decidiu, à unanimidade, remeter o caso da Líbia ao procurador do TPI (Resolução 1970/2011). Em virtude da resolução, a corte terá competência para investigar a situação da Líbia desde 15 de fevereiro de 2011. Neste caso, é de se considerar que, mesmo tendo sido o caso remetido ao TPI, nenhum inquérito poderá ser iniciado por um período de 12 meses a contar da data da remissão (artigo 16 do Estatuto de Roma). Mas, constatando a ocorrência dos crimes de competência do tribunal, poderá haver a instalação de um tribunal internacional.

Trata-se de uma situação que se assemelha àquela da antiga Iugoslávia e de Ruanda, mas que com elas não se confundem. Ali, verdadeiramente, criaram-se dois tribunais “ad hoc”. Embora a criação destes tribunais tenha encontrado – à época – alguma resistência da comunidade internacional, sua legitimidade reside no capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Além de ser o único órgão da ONU capaz de impor obrigações aos Estados, a Carta atribui ao Conselho de Segurança a responsabilidade pela manutenção da paz e segurança internacionais e foi o que, à semelhança, aconteceu com a Líbia.

Não se permite objetar ou ignorar o fato de que o genocídio em Ruanda e nos territórios da antiga Iugoslávia, bem assim os atuais acontecimentos na Líbia, reforçam a consciência dos chefes de Estado no sentido de que as violações sistemáticas aos Direitos Humanos, ainda que cometidos dentro da base territorial de um Estado, constituem condutas que se convertem em causa de quebra da paz e segurança internacionais, justificando, portanto, a rápida intervenção da corte penal internacional.

Autores

  • é advogado criminalista, secretário adjunto da OAB-BA, professor de pós-graduação, membro da Association Internationale de Droit Pénal e mestre em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). http://profeduardoviana.wordpress.com

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