Vício processual

Atuação da Abin na Satiagraha foi ilegal, diz relator

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2 de março de 2011, 12h19

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar, nesta terça-feira (1º/3), o Habeas Corpus do banqueiro Daniel Dantas contra a condução das investigações da Polícia Federal na operação batizada pela Polícia Federal com o nome de Satiagraha. O banqueiro questionou a legalidade da participação de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação e pediu a anulação de procedimentos e provas com o argumento de que houve ilegalidade. O relator do caso, desembargador convocado Adilson Macabu, votou pela concessão do HC para anular a ação penal desde o início. Mas o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilson Dipp.

O reltator considerou que o inquérito que gerou a ação contém vícios que “contaminam” todo o processo, incluindo a obtenção de provas de forma ilegal. Macabu concluiu que a participação de 76 agentes da Abin na operação coordenada pelo então delegado Protógenes Queiroz foi irregular, pois foge das atribuições legais da agência criada para assessorar a Presidência da República. Para o desembargador, a contratação direta por Protógenes Queiroz do investigador particular Francisco Ambrósio do Nascimento, agente aposentado do antigo SNI, pago com dinheiro público, é inadmissível.

Além disso, o relator entendeu que pessoas externas ao quadro da Polícia Federal não poderiam ter tido acesso a informações protegidas por sigilo legal. O relator explicou que não se trata da impunidade de mais um caso rumoroso. Segundo ele, as suspeitas de desvio de dinheiro público, corrupção e lavagem de dinheiro apuradas pela PF devem ser investigadas e os responsáveis julgados, se for o caso. Contudo, é preciso observar os métodos legais de apuração e respeitar os princípios da impessoalidade, legalidade e do devido processo legal. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho acompanhou o relator.

Com o pedido de vista, o julgamento fica interrompido até que o ministro Dipp leve seu entendimento sobre a questão à Turma. Além dele, faltam votar a ministra Laurita Vaz e o ministro Jorge Mussi. Não há data prevista para a retomada do caso. A 5ª Turma se reúne às terças-feiras e na primeira e terceira quintas-feiras de cada mês.

O advogado Andrei Zenkner Schmidt, que representa Daniel Dantas, disse à revista Consultor Jurídico que somente vai se manifestar sobre o caso após o julgamento final do mérito do Habeas Corpus.

Protógenes e sua atuação
O juiz Ali Mazloum foi o primeiro a reconhecer e apontar a ilicitude da participação da Abin na Satiagraha. Ele requisitou inquérito por crimes de usurpação de função pública contra o delegado Paulo Lacerda e Protógenes Queiroz. No processo 2008.61.81.011893-2, o juiz afirmou: "Os fatos apurados revelam, em tese, a efetiva ocorrência do crime do artigo 10, segunda parte, da Lei 9.296/96, como também do crime de usurpação de função pública (art. 328 do Código Penal)".

O delegado afastado foi condenado em novembro de 2010 pela Justiça Federal a pena de três anos e quatro meses de prisão pelos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual, depois substituída por restrições de direitos. A sentença acolheu denúncia da Procuradoria da República e também condenou o escrivão da PF Amadeu Ranieri Bellomusto, braço direito de Protógenes. A base da condenação é um inquérito da PF.

Ali Mazloum determinou o envio ao Supremo Tribunal Federal dos autos da Ação Penal que condenou em primeira instância o delegado afastado Protógenes Queiroz, por violação de sigilo funcional e fraude processual. O idealizador da  Satiagraha apelou da sentença ao Tribunal Federal da 3ª Região. No entanto, como passou a ter foro privilegiado após sua diplomação no cargo de deputado federal pelo PCdoB, o recurso será julgado pelo STF.

Com a quebra do sigilo telefônico do então delegado Protógenes Queiroz descobriu-se que ele trocou pelo menos 93 telefonemas com o empresário Luís Roberto Demarco entre julho de 2007 e abril de 2008 — ou seja: o maior inimigo de Dantas participou, de fato, da operação. Agora, a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo examina é se a famosa operação foi arquitetada e dirigida pela iniciativa privada.

No afã de conseguir provas incriminatórias contra o banqueiro Daniel Dantas, Protógenes Queiroz também gravou ligações dos empresários Roberto Irineu Marinho e Eike Batista; do namorado da senadora Marta Suplicy, Márcio Toledo; do jornalista Roberto D’Avila, então namorado da ministra do STF Ellen Gracie; do ex-deputado Delfim Netto; da Editora Abril; e até do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo. O telefone grampeado, registrado na listagem produzida pelo sistema Guardião da Polícia Federal, foi o do empresário Naji Nahas, que é identificado nas listagens da investigação com o codinome de "Jararaca".

A amplitude da curiosidade do hoje deputado pelo PCdoB, Protógenes Queiroz, gerou abertura de inquérito para apurar se em vez de obedecer ao interesse público, o delegado trabalhava para atender interesses privados. A trama, que agora se descortina, é explicada pelo jornalista Raimundo Pereira em seu livro "O Escândalo Daniel Dantas" como uma armação para tirar do ringue o mais ameaçador concorrente no processo de privatização da telefonia no Brasil. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ

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