Divisão de poderes

Fixação do mínimo pelo Executivo é constitucional

Autor

  • Luiz Alberto dos Santos

    é advogado consultor legislativo do Senado mestre em Administração doutor em Ciências Sociais professor colaborador da Ebape/FGV e ex-subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil-PR (2003-2014)

2 de março de 2011, 10h22

Um grande debate – político e jurídico – foi aberto a partir da discussão pelo Congresso Nacional da Lei 12.382, que fixa o novo valor do salário mínimo a partir de 1º de março em R$ 545 e define a política de valorização do mínimo para o período 2012-2015. A Oposição questiona a previsão legal de que os reajustes e aumentos fixados na forma da Lei – variação real do PIB do segundo ano anterior mais a variação acumulada do INPC no ano anterior ao do reajuste – serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto.

A alegação é de que se trata de delegação legislativa, vedada pela Constituição. O artigo 7º, IV da Carta Magna, ao referir-se a "salário mínimo, fixado em lei" – e não em decreto – "com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo", impediria que o salário mínimo fosse estabelecido por meio de qualquer ato que não mediante lei, aprovada pelo Congresso.

Todavia, não há, sequer, inovação na esfera legislativa e, menos ainda, inconstitucionalidade. Desde a vigência da Carta de 1988, em vários momentos o salário mínimo teve seu valor estabelecido em decreto. A primeira lei pós-Constituição que dispôs sobre o mínimo foi a Lei 7.789, de 3 de julho de 1989, que no parágrafo 2º do artigo 2º dizia que "a partir de novembro de 1989, inclusive, e a cada bimestre, o salário mínimo será calculado com base no disposto no caput deste artigo e acrescido de 6,09%".

Com base nessa regra, foram publicados, até abril de 1990, 9 decretos e uma portaria, estabelecendo o valor do mínimo. Em 1990, a Lei 8.030, revogando a anterior, atribuiu ao Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento estabelecer, por meio de portaria, mensalmente, o percentual de reajuste para o salário mínimo.

Dizia o artigo 5º da Lei que , a partir de 1° de abril de 1990, o salário mínimo seria reajustado, automaticamente, sempre que a variação acumulada dos reajustes mensais dos salários fosse inferior à variação acumulada dos preços de uma cesta de produtos, acrescida de um percentual de incremento real definido por ato do próprio Ministro.

Desde então, e até 1995, a regra foi a fixação de um valor "de partida", por lei, e um critério de reajuste, seja pela inflação, seja mediante a reposição da inflação mais um percentual de ganho real, sempre por meio de ato infra-legal, até que nova lei dispusesse sobre a matéria. Assim dispuseram, por exemplo, as Leis 8.419 e 8.542, de 1992, em cuja vigência o salário mínimo era estabelecido por ato do Ministro do Trabalho, observada a metodologia de reajustes fixada na lei.

Em 1995, a Lei 9.032 fixou o salário mínimo em R$ 100, e, a partir de então, até 2010, anualmente, medidas provisórias fixaram o seu valor, ora incorporando, ora não, percentual a título de aumento real ao valor decorrente do reajuste para manutenção do poder aquisitivo.

Desse modo, o que a Lei 12.382/2011 faz é, com periodicidade anual, adotar solução que, no plano legislativo, é igual à adotada em outras épocas, mas que, agora, terá efeitos muito mais benéficos aos trabalhadores, aposentados e pensionistas.

A nova legislação assegura, efetivamente, uma política de valorização do salário mínimo, materializando o que a Lei 12.255, de 2010, exigia: uma revisão das regras de aumento real do salário mínimo a serem adotadas para os períodos nela previstos, entre eles o período 2012-2015. Assim, a atual Legislatura meramente cumpriu a determinação legal, ou seja, que lei futura fixasse regras para assegurar ganhos reais ao salário mínimo.

A solução ora adotada depende, tão somente, de dois fatores, nenhum deles sob o pálio ou discricionariedade do Governo: o índice de inflação ocorrida nos doze meses anteriores ao reajuste, medido pelo INPC; e o índice de variação real do PIB do segundo ano anterior, que é reflexo do comportamento da economia como um todo e das riquezas produzidas no País.

O Decreto terá, como das demais vezes em que tal solução vigorou, a mera função de declarar qual o valor resultante dessa equação, uma vez que a fórmula para a fixação do valor terá sido definida em lei, e somente por lei pode ser modificada ou revogada. Paradoxal seria, por outro lado, que o Congresso aprovasse uma regra matemática e, mesmo assim, tivesse, a cada ano, que ratificar, por outra lei, o resultado dessa regra. Com efeito, ao fixar a regra, o Congresso fixa o valor do salário mínimo, cabendo ao Governo efetuar o cálculo e divulgá-lo, por meio de decreto.

Inexiste, na regra, qualquer inconstitucionalidade, direta ou indireta. O Congresso permanece titular da competência legislativa e, a qualquer tempo, pode alterar a regra por ele mesmo aprovada e definida. O que parece existir, sim, é uma compreensão limitada do que seja a delegação legislativa, sob o pálio da Constituição de 1988, situação em que o Congresso, efetivamente, apenas define a matéria a ser legislada, deixando o seu conteúdo integralmente ao arbítrio do Poder Executivo que recebe a delegação.

Regulamentar as leis, expedindo decreto para sua fiel execução, não caracteriza, em nenhum caso, delegação legislativa, mas mero exercício de uma capacidade administrativa que é própria do Executivo.

Autores

  • é advogado, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Enap) e mestre em Administração e Doutor em Ciências Sociais (UnB). Consultor Legislativo do Senado Federal. Subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República.

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