Cultura de pacificação

Fiesp reúne juízes e advogados para tratar de conciliação

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24 de maio de 2011, 14h48

Fazer justiça não é apenas resolver conflitos judiciais. Antes, mais importante, é resolver os conflitos sociais. Por isso o aperfeiçoamento do sistema judiciário não depende principalmente da aceleração do andamento processual, mas da pacificação no convívio social, o que se alcança com a conciliação, onde não há perdedores. É esse o espírito da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Para tratar da implementação da norma, alguns dos mais representativos juízes e advogados do país reuniram-se na Fiesp para saber o que o Tribunal de Justiça de São Paulo está fazendo para encarar o desafio de estimular a solução de conflitos por meios alternativos, com foco na conciliação e na mediação.

Uma comissão montada pelo tribunal, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, vai dirigir os trabalhos de criação de um centro de resolução de conflitos, que já tem sede própria. A Secretaria de Justiça do Estado cedeu um espaço no Centro da capital. O pedido feito era de um imóvel de 1,2 mil m², mas a secretária Eloisa Arruda conseguiu outro de 2,1 mil m² em tempo recorde — apenas 15 dias. A ideia é instalar a primeira central de soluções, com serviços como Poupatempo e Procon. Outros pontos de atendimento devem vir na sequência na capital e no interior paulista. O modelo se pretende como exemplo a todo o país. O encontro aconteceu no Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos (Conjur) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com o objetivo de discutir a Resolução 125, do Conselho Nacional de Justiça.

A Fiesp juntou nomes de proa como a processualista Ada Pellegrini Grinover, professora da Faculdade de Direito da USP e coautora de boa parte dos anteprojetos de lei sobre processo civil e penal no país; Kazuo Watanabe, processualista, professor e desembargador aposentado do TJ-SP de mesmo calibre; o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sydney Sanches; o desembargador Cláudio Caldeira, mentor da criação da Vara de Direito Empresarial em São Paulo; o ex-presidente da OAB, Mário Sérgio Duarte Garcia; o professor Modesto Carvalhosa, um dos maiores especialistas em Direito Societário do país; o constitucionalista José Afonso da Silva, professor aposentado da USP; o advogado Antônio Corrêa Meyer, sócio-fundador do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados; o trabalhista Cássio Mesquita de Barros; e o criminalista Antonio Cláudio Mariz, só para ficar em alguns exemplos. Representantes da OAB-SP, do Ministério Público e da Secretaria de Justiça também marcaram presença.

Segundo o coordenador da comissão, desembargador José Carlos Ferreira Alves, o grupo se reunirá pelo menos uma vez por mês no TJ. O comando é do presidente do tribunal, desembargador José Roberto Bedran, acompanhado por Kazuo Watanabe — presidente de honra e mentor intelectual da proposta —, o vice-presidente do TJ, desembargador José Santana, os desembargadores Paulo Dias de Moura Ribeiro e Maria Cristina Zucchi, e os juízes Glaís de Toledo Piza Peluso, Valeria Ferioli Lagrasta Luchiari e Josué Modesto Passos, além das servidoras Vanesa Cristina Martiniano e Rosemary Andrade Ungaretti de Godoy.

Ferreira Alves também adiantou que o atual procurador-geral de Justiça Fernando Grella Vieira, e o vice-presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcos da Costa (no exercício da presidência), apoiaram a proposta.

A iniciativa dá cumprimento ao que determinou o Conselho Nacional de Justiça no ano passado. Por meio da Resolução 125, o órgão estabeleceu a Política Nacional de tratamento de conflitos de interesses, a ser adotada por todos os tribunais do país com a criação de núcleos de conciliação e solução alternativa de demandas judiciais, treinamento de servidores e conciliadores e levantamentos estatísticos do número de casos resolvidos por acordo. A previsão de criação de centros como o que pretende o TJ-SP está nos artigos de 8 a 11 da norma que, no entanto, nada prescreve em relação a matérias criminais. Até novembro, todos os 56 tribunais do país deverão ter criado suas próprias unidades.

Outra norma do CNJ, a Resolução 106, de abril do ano passado, também contribuiu para incutir a ideia ao insistir na conciliação como critério de promoção de juízes pelo merecimento. São preferidos magistrados "cujo índice de conciliação seja proporcionalmente superior ao índice de sentenças proferidas dentro da mesma média", diz o parágrafo único do artigo 8º da Resolução.

Nas contas do coordenador, se o estado conseguir resolver 70% das ações judiciais por esse método, conseguirá abater nada menos que 14 milhões de processos encalhados. Segundo levantamento feito pelo Anuário da Justiça São Paulo 2010, o Judiciário estadual tem 19,4 milhões de processos tramitando na primeira e na segunda instâncias.

Bandeira branca
A ideia vem sendo difundida há algum tempo pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Cezar Peluso. Em palestras, ele defende uma mudança de mentalidade no Judiciário, que privilegie a pacificação das partes, mais produtiva que a pacificação dos conflitos. Segundo o ministro, é preciso "dar à própria sociedade uma via de se tornar mais pacífica e diminuir, com isso, a litigiosidade, de modo que o alívio ao Judiciário vai aparecer apenas como um subproduto de uma coisa muito mais importante, que é a pacificação social", disse em evento na Associação dos Advogados de São Paulo no ano passado. "Tentar resolver os conflitos de modo pacífico, com soluções que nasçam do diálogo dos próprios sujeitos do conflito é, do ponto de vista prático, extremamente frutífero."

Para Kazuo Watanabe, criador de uma gama de instrumentos processuais, entre elas as medidas cautelares, um dos obstáculos à adoção de métodos não contenciosos é a necessidade de uma mudança de cultura entre os operadores. Por isso, o advogado foi até as arcadas da USP para propor a inclusão de uma nova disciplina no curso de Direito: a de meios alternativos para solução de conflitos. Segundo ele, a ideia foi aprovada, o que deve acontecer também nas escolas paulistas da Magistratura, da Advocacia e do Ministério Público.

"Dos 200 mil advogados paulistas, 40 mil são nomeados como dativos, e ganham pelo número de peças que produzem", afirma Watanabe. "Pela cultura vigente, é proibido conciliar, o certo é judicializar", critica. Oriunda da advocacia, a desembargadora Maria Cristina Zucchi, do TJ-SP, concorda. "Advogados e escritórios entendem que ganharão menos e terão menos serviços com conciliações, quando o que acontece é o contrário", diz. "É possível conciliar antes do processo ad exitum, o que é uma solução mais rápida e barata."

Maria Cristina lembrou que o princípio de solução pacífica está previsto no preâmbulo da Constituição Federal, que insere a ideia de "busca pela paz". "O conceito de paz previsto no artigo 4º da Constituição precisa ser ampliado como direito fundamental, não só no sentido de paz social", complementa o constitucionalista José Afonso da Silva. Para a desembargadora, é preciso descontruir os conflitos para saber suas verdadeiras causas. "É abandonar a ideia do ganha-perde pela do ganha-ganha."

A processualista Ada Pellegrini Grinover lembrou ainda que o projeto de novo Código de Processo Civil, em tramitação no Congresso Nacional, prevê que acordos de conciliação prévia sejam obrigatoriamente tentados no início das ações. "É só a partir do primeiro contato, com a presença de um conciliador, que começa a correr o prazo para a resposta do réu", explica.

Segundo Watanabe, alguns escritórios já assimilaram que o Judiciário deve ser a última solução, ao prever, nos contratos que elaboram para clientes, a mediação e a arbitragem como primeiras alternativas em casos de dúvidas entre as partes. 

Gigante irredutível
De longe o maior litigante, o poder público ainda não ganhou um plano para acompanhar o movimento. Isso porque a lei impede que o Estado transija. Para o advogado Antônio Corrêa Meyer, porém, o país perde com a ineficiência do sistema, já que as agências internacionais que classificam os riscos de investimentos, o que influi nas taxas de spread, levam em consideração a qualidade do Judiciário nacional.

Como o poder público depende de lei para abrir mão mesmo dos processos menos relevantes, o desembargador Ferreira Alves já entrou em contato com o deputado estadual e ex-promotor de Justiça Fernando Capez (PSDB-SP) para trabalhar em  um projeto de lei nesse sentido.

Levantamento publicado pelo CNJ no início do ano mostrou que as administrações públicas federal, estadual e municipal estão entre os cinco maiores litigantes no Judiciário, isso sem contar bancos controlados pelo poder público, que integram o setor bancário, segundo colocado na lista. Kazuo Watanabe lembra que das execuções fiscais ajuizadas, 60% estacionam por não conter sequer o endereço do devedor. "Dos 40% restantes, metade não tem bens listados para penhora", diz.

O resultado são pelo menos 5 milhões de ações ajuizadas inutilmente, segundo o processualista. "Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o débito não pode prescrever nas mãos do procurador, que precisa ajuizar a execução", explica. Na sua opinião, o fisco só deveria entrar com os processos quando tivesse informações sobre endereço e bens do devedor.

A resistência a medidas alternativas tem origem em uma briga que começou no Império, observa Watanabe. O professor conta que a Constituição Imperial de 1824 já previa a conciliação como método prioritário de resolver demandas, ao eleger os juízes de paz como mediadores de conflitos. A ideia, nascida da ala liberal do Parlamento, interessada em soluções extrajudiciais, acabou superada pela insistência dos conservadores, que isolaram os juízes de paz na tarefa de realizar casamentos. Até hoje, nenhum estado regulamentou a remuneração para a função, prevista na Constituição atual.

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