Globalização econômica

País pode sofrer sanções por reserva de mercado

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19 de maio de 2011, 13h11

*Editorial do jornal O Estado de S. Paulo publicado nesta quinta-feira (19/5).

Com a suspensão por quatro meses do exercício profissional de dois advogados acusados de se associar irregularmente a um grande escritório americano, determinada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a abertura do mercado de serviços legais para escritórios estrangeiros voltou a ser objeto de discussões. Foi a primeira vez que o Conselho Federal da OAB tomou uma decisão tão dura. Segundo o jornal Valor e o site Consultor Jurídico, os conselheiros entenderam que o escritório dos dois advogados funcionava como fachada para uma banca de Miami. Nas seccionais da OAB, porém, os Tribunais de Ética e Disciplina já analisaram vários casos semelhantes.

O caso julgado pelo Conselho Federal da OAB teve origem em São Paulo. "Estava ocorrendo uma advocacia por estrangeiros dentro de um escritório nacional", diz a conselheira Márcia Melaré. A atuação de escritórios estrangeiros é regulamentada pelo Provimento 91 da OAB, baixado em 2000 com o objetivo de preservar a "soberania da advocacia brasileira". O Estatuto do Advogado também considera nulos os atos praticados por advogados não inscritos na entidade.

Por essa legislação, os escritórios estrangeiros só podem atuar no Brasil como consultores em matérias relacionadas ao direito de seus países de origem. Segundo Melaré, os escritórios brasileiros que firmarem parceria com firmas de outros países precisam manter independência. "Eles não podem ocupar o mesmo local e um não pode estar vinculado ao outro — ou seja, o estrangeiro não tem o poder de comandar ou de influenciar a gestão do escritório nacional".

Atualmente, há 16 escritórios estrangeiros registrados na OAB. Mas, por causa do alto número de fusões de empresas brasileiras, dos investimentos do governo em gás e extração de petróleo na camada pré-sal e da chegada de empreiteiras multinacionais interessadas em participar das licitações para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, várias firmas estrangeiras de advocacia querem operar no País.

Para contornar as restrições, algumas delas optaram por usar o nome de advogados brasileiros — do ponto de vista formal, seria uma associação, mas, na prática, a banca local nada mais é do que mera "barriga de aluguel". Foi isso que levou a OAB a aumentar o rigor do controle das parcerias. A entidade também alega que os escritórios brasileiros pertencem a advogados militantes, enquanto muitas firmas internacionais admitem bancos e fundos de investimento como sócios — e isso estaria levando à substituição de valores morais por interesses financeiros na prática da advocacia, comprometendo a lisura da profissão.

Ao impedir a entrada de escritórios estrangeiros, a OAB garante a reserva de mercado para seus filiados, cumprindo seu papel. O problema é que a abertura do setor de serviços legais é o desdobramento natural da globalização econômica e da proliferação dos centros de arbitragem vinculados às câmaras mundiais de comercio. Além disso, a abertura do mercado de serviços legais é prevista pela OMC. Em 2002, o Itamaraty convocou uma reunião com os representantes dos escritórios brasileiros, lembrou as regras da OMC e os estimulou a se preparar para concorrer com as firmas estrangeiras. Em 2010, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, que representa os grandes escritórios nacionais, encaminhou uma consulta sobre o alcance do Provimento 91 e o Tribunal de Ética da OAB/SP reafirmou a proibição para associações, uniões e parcerias entre escritórios brasileiros e estrangeiros.

Para assegurar o respeito ao Provimento 91, a OAB ameaça recorrer à Justiça. Mas, pelo Acordo de Serviços da OMC, do qual é signatário, se não abrir o mercado de serviços o Brasil pode sofrer sanções comerciais. Se o País decidir manter a reserva de mercado para advogados brasileiros, as retaliações comerciais afetarão as empresas exportadoras nacionais. Se quiser ampliar sua presença no comércio mundial, o preço a se pagar é o fim da reserva corporativa da OAB. Cabe à sociedade discutir o que é melhor para si.

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