Caminhos opostos

Presença de juiz em homenagem irrita advogados

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14 de maio de 2011, 8h06

Wikimedia Commons
Clarence Thomas - Wikimedia CommonsO juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Clarence Thomas voltou aos holofotes da mídia americana esta semana. Em fevereiro, ele assistiu a imprensa comemorar — entre o escárnio e a curiosidade genuína — seu silêncio de cinco anos nas audiências de argumentação da corte. Agora, o juiz se vê envolvido em um mal estar em seu estado natal, a Geórgia. Desta vez, ironicamente, o motivo é a sua presença na inauguração de um tribunal que leva o nome de um ativista dos direitos dos negros.

Thomas foi convidado como orador de honra para inaugurar um tribunal na cidade de Augusta, Geórgia, onde na próxima quarta-feira, 18 de maio, o edifício que abriga a corte será batizado com nome do advogado militante dos direitos civis, John Ruffin Jr.. Ruffin foi o primeiro juiz negro a ser nomeado para uma corte de apelação naquele estado sulista onde há um amplo histórico de segregação racial.

Ruffin morreu em 2010. A homenagem reunirá juristas, juízes e a advocacia local, que está ligeiramente constrangida com a presença do juiz Clarence Thomas no evento. Embora seja natural da Geórgia e de origem negra assim como o homenageado que dá nome ao tribunal, Clarence Thomas é um dos principais nomes da ala conservadora da Suprema Corte. Ele ocupou cargos em estrita colaboração com figurões do Partido Republicano e militou abertamente contra causas clássicas dos movimentos por direitos de afro-americanos nos EUA. Ou seja, é tido como força contrária aos ideiais pelos quais John Ruffin Jr. lutou a vida toda.

Foi o jornal local The Augusta Chronicle que deu início à polêmica ao publicar uma entrevista com um amigo próximo do juiz John Ruffin Jr. em que este declarou que a presença de Thomas representa uma afronta. “Não posso conceber como desonrar mais a memória de John Ruffin Jr. do que ter Clarence Thomas discursando na ocasião”, disse o amigo de John Ruffin.

O mal estar chegou a Washington D.C. quando o blog vinculado ao tablóide semanal The National Law Journal, que cobre os bastidores da Justiça na capital federal, reproduziu outro depoimento publicado pelo The Augusta Chronicle. Dessa vez, de um juiz estadual da Geórgia, David Watkins. “Não é culpa dele [juiz Thomas] mas sua filosofia jurídica é o antônimo da do juiz Ruffin e da advocacia local que milita pelas minorias”, disse Watkins ao periódico.

Tensão racial
O que começou como uma rusga provinciana parece ter mobilizado amplamente advogados que militam a favor dos direitos dos negros na Geórgia. Muitos desses profissionais trabalharam com John Ruffin Jr. e prostestaram por não terem sido consultados se o convite era, de fato, uma boa ideia. “Augusta é uma cidade em constante tensão racial”, declarou Ken Foskett, biógrafo de Clarence Thomas, consultado pelo blog The Legal Times sobre a polêmica.

Para os que formalizaram o convite a Thomas, a escolha parecia “lógica e legítima”. Clarence Thomas é natural do estado da Georgia, é um dos nove juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos e ainda é o juiz responsável, no alto tribunal, pelo Décimo-Primeiro-Circuito de Cortes Federais de Apelação dos EUA, que inclui a Geórgia.

Não é a primeira vez que a presença do juiz Clarence Thomas em eventos oficiais em seu estado de origem gera polêmica. Tanto em 2002 quanto em 2008, professores de Direito e alunos da Universidade da Geórgia organizaram prostestos durante conferências e discursos do juiz no estado.

Clarence Thomas é um crítico assumido da política de ações afirmativas, como as cotas raciais para o ingresso em universidades, semelhante ao que ocorre também no Brasil. Apesar de representar um clássico exemplo do chamado “sonho americano” ao superar uma infância pobre e um passado de segregação racial até a ascensão à Suprema Corte, Thomas jamais foi considerado um modelo adequado para as organizações que militam a favor dos direitos dos negros nos EUA.

Ele é tido como uma espécie de “traidor da causa”, sobretudo pelos que advogam a favor da política de ações afirmativas. “Ele é considerado um desgosto para a causa dos afro-americanos. Eles não podem aceitá-lo e tampouco perdoá-lo por isso”, afirmou o biógrafo Ken Foskett ao The Legal Times.

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