Jeitinho estrangeiro

OAB discute abertura do mercado de advocacia

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10 de maio de 2011, 12h02

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai analisar este ano se deve ser permitido escritório estrangeiro prestar serviços legais no país sobre legislação brasileira, diretamente, por meio de associação ou acordo de cooperação com escritório nacional.

Os defensores da abertura do mercado dizem que a mudança é um passo inevitável diante da globalização da economia. “Não podemos optar pela estratégia do avestruz”, afirma o conselheiro federal por Sergipe, Cezar Britto. Os contrários argumentam que país nenhum autoriza pessoas não habilitadas a advogar em suas jurisdições. “É natural que em razão do esgotamento de seus mercados, em crise financeira, os estrangeiros queiram vir para um país que está em boa fase econômica”, afirma o conselheiro federal pelo Maranhão, Ulisses César Martins de Souza. “O que não é razoável é que eles queiram aqui uma liberalidade que não oferecem lá”, completa. O secretário-geral da OAB paulista, Braz Martins Neto, compara: “Seria engraçado exigir de um brasileiro que se submeta ao Exame de Ordem e permitir o livre exercício a um paraguaio, por exemplo”.

A Lei federal 8.906 diz que é nulo o ato privativo de advogado praticado por quem não é inscrito na OAB e a Lei das Contravenções Penais prevê prisão para o exercício ilegal da profissão.

Mas não só o esgotamento do mercado de advocacia nos países de Primeiro Mundo explica o interesse das grandes bancas estrangeiras atuarem no Brasil. Outro fator de atração é que nos países emergentes escritórios de advocacia locais têm atuado fortemente na estruturação de operações de fusões empresariais e, também, nas de abertura de capital (IPOs).

Apesar da vedação legal, já há pelo menos 17 bancas estrangeiras operando em São Paulo. A brecha está na autorização para que o advogado de outro país possa atuar como consultor em Direito do seu país de origem. Na prática, vai-se um pouco além, reclamam os concorrentes brasileiros. Há casos em que o estrangeiro opera amplamente, mas em nome dos brasileiros. No papel, firma-se uma associação, mas na vida real a banca local é utilizada como barriga de aluguel.

No final de semana, em encontro promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo, o ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos colocou como desafio fundamental para as entidades que representam a advocacia garantir que o mercado de trabalho não seja invadido pelos escritórios estrangeiros. “Eles falam em globalização, mas preservam seu mercado”, afirmou. Para ele, essa é a luta do momento.

Bastos citou como exemplo a Inglaterra, onde as bancas de advocacia se tornaram bancos de investimento. “Eles admitem sócios não advogados”, destacou. O ex-ministro afirmou que a advocacia não é mais o que era e que o mercado de trabalho se tornou muito competitivo. “Antes, se você estudasse e trabalhasse bastante tinha o sucesso garantido”, lembra. Bastos disse que essa era uma profissão da aristocracia, mas hoje permeia todas as classes sociais.

A direção do Conselho Federal da OAB distribuiu a questão a duas comissões, para dar parecer sobre o assunto — a de sociedades de advogados e a internacional. Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB, estuda se a decisão deverá ser do Conselho Federal ou se do plenário da Conferência dos Advogados, que acontece no segundo semestre.

A discussão começou com uma consulta feita ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB paulista. A turma doutrinária respondeu que advogados estrangeiros podem atuar no Brasil como consultor em Direito do seu país ou como advogado, desde que revalide o diploma e se submeta ao Exame de Ordem. A Câmara Recursal estadual confirmou esse entendimento e o Conselho Federal avocou o caso para discussão em Brasília.

A questão ganhou temperatura na medida em que o Brasil tornou-se um polo de atração interessante no mercado mundial da advocacia. Os grandes escritórios teriam vindo no encalço dos seus clientes que vieram se instalar por aqui.

Disputa por espaço
A migração começou por incomodar apenas os grandes escritórios brasileiros. Mas como em todo ecossistema, os pequenos e os médios perceberam que são os próximos na cadeia alimentar. “Da mesma forma que os supermercados fizeram com as quitandas, sabe-se que quando os estrangeiros tomarem o território dos grandes escritórios nacionais, o destino desses será o de avançar sobre o mercado dos menores”, afirmou um advogado que acompanha a movimentação à distância.

Outro temor é que grandes escritórios do exterior formados por capitalistas se instalem no Brasil e comecem a contratar por salários milionários advogados brasileiros das grandes bancas nacionais, altamente especializados e bem remunerados. Em consequência os grandes escritórios nacionais assediarão profissionais brasileiros de médias bancas e assim sucessivamente.

O conselheiro federal Cezar Britto, que preside a Comissão Nacional de Relações Internacionais da OAB, já tem opinião formada. A depender dele, o Brasil abrirá seu mercado. “Temos que preparar o Brasil para a globalização”, afirma o ex-presidente do Conselho Federal. Ele entende que é um contrassenso permitir ao advogado de outro país atuar como consultor em Direito estrangeiro e vedar a atuação judicial ou a associação com brasileiros. Clique aqui para ler o depoimento.

O advogado Arnaldo Malheiros Filho pensa de modo diferente. Para o criminalista, é um grande equívoco permitir a atuação de escritórios de advocacia estrangeiros no Brasil. “Ao contrário da Medicina e da Engenharia, o Direito não é universal, porque cada país tem seu ordenamento jurídico. Nos Estados Unidos, por exemplo, a habilitação para atuação profissional é estadual, pois cada estado tem suas leis. É preciso que se reconheça o Direito local”.

Para ele, o argumento de que “vivemos num mundo sem fronteiras” não vale para os advogados. Malheiros frisa que a maioria dos países limita a atuação de advogados estrangeiros, porque é necessário formação acadêmica e prática no Direito local, ou seja, do local onde se pretende atuar. No mês passado, durante a assinatura de convênio com a OAB-SP, o presidente da New York State Bar Association (NYSBA), Stephen Younger, afirmou que, nos Estados Unidos, advogados estrangeiros não podem atuar como sócios, ao contrário do que ocorre no Brasil.

“Os advogados brasileiros precisam passar no Exame de Ordem para atuar. Devemos deixar os estrangeiros trabalhar sem esse requisito?”, questiona Malheiros. “O que acontece é que muitos escritórios estrangeiros querem abocanhar os honorários dos clientes de seus lugares de origem que tenham interesses aqui, pagando o profissional brasileiro que faz o trabalho.”

Ele afirma que, como a legislação não permite que os escritórios de fora se estabeleçam no país, e nem que seus advogados atuem no mercado brasileiro, muitos têm buscado constituir sociedades com escritórios nacionais, atraindo advogados brasileiros com salários maiores. “Isso aconteceu na Espanha, o que causou prejuízo, pois caiu o número de escritórios nacionais.”

Já o conselheiro federal maranhense, Ulisses César Martins de Souza, levanta outro aspecto: “Da mesma forma que acontece em outras profissões regulamentadas, a advocacia gera responsabilidades. Se um advogado estrangeiro vem ao Brasil e atua irregularmente, a OAB não tem como fiscalizar sua postura, pois ele não está inscrito na Ordem”.

Ulisses Souza destaca não ser contra a atuação dos advogados de outros países no Brasil, desde que o trabalho se limite à consultoria em Direito estrangeiro. Segundo ele, advogado estrangeiro não é advogado no Brasil: “Aqui, apenas aqueles inscritos na OAB podem atuar como advogados. Se os estrangeiros quiserem trabalhar aqui, terão de validar seus diplomas e se submeter ao processo de inscrição, e não simplesmente se associar a um escritório brasileiro”.

O advogado critica, por outro lado, os profissionais que apoiam a associação com estrangeiros sob o pretexto da “troca de experiências”, principalmente no que diz respeito à gestão de negócios. “Quando falamos em escritórios grandes nos Estados Unidos ou na Europa, falamos de uma equipe com mil, dois mil advogados. Mas nós também temos grandes bancas aqui com expertise em relação à gestão e, principalmente, conhecimento da legislação local. Quem utiliza esse argumento trabalha em grandes corporações multinacionais, que têm interesse em centralizar todo o jurídico na matriz. A lógica deles é simples, se o mundo é globalizado, então o departamento jurídico também tem de ser, o que não tem nada a ver com gestão”. Clique aqui para ler o depoimento completo.

Para o ex-presidente da OAB paranaense, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, que integra a Union Internationale des Avocats e é árbitro brasileiro do Tribunal Arbitral do Mercosul, não se pode confundir a advocacia com outras atividades, quando se fala de globalização. Ao ser indagado sobre as vantagens, na medicina, de ter um grande especialista de outro país operando no Brasil, ele retruca com a consideração de que “enquanto um rim é rim aqui e em qualquer outro país, um casamento no Brasil difere completamente, em forma e efeitos, do casamento que é celebrado na Inglaterra, na China ou no Irã”.

Gonçalves Neto afirma que advogado estrangeiro não pode advogar no Brasil por falta de habilitação. “No entanto, esta vedação não é absoluta, podendo advogar aqui desde que preencha as condições legais estabelecidas para tanto, ou seja, as mesmas exigidas do bacharel em Direito formado no Brasil — dentre elas, a obtenção de diploma de bacharel em Direito conferido por instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação, a aprovação no Exame de Ordem e a inscrição nos quadros da OAB”. Ele observa, ainda, que tanto o estrangeiro como o brasileiro que não tenham cursado Direito no Brasil podem obter a validação do diploma “em qualquer universidade pública brasileira que possua curso de Direito regular”, desde que cumpram as formalidades exigidas. Clique aqui para ler a entrevista na íntegra.

Por sua vez a advogada Ivette Senise, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e ex-diretora da Faculdade de Direito da USP, observa que a entidade ainda não discutiu o tema no conselho, mas afirma que, “pela proteção da advocacia nacional, nós só podemos concordar com a OAB-SP”. Ela informa que não se trata de reserva de mercado. Ao contrário dos outros advogados, a presidente do Iasp afirma que a associação entre brasileiros e estrangeiros deve ser estimulada, uma vez que a internacionalização dos negócios retirou as fronteiras também em relação às questões jurídicas, porém, a atuação dos estrangeiros deve se restringir à consultoria. “O advogado deve preencher requisitos, como idoneidade moral, ter concluído curso superior de Direito e ter sido aprovado no Exame de Ordem, estabelecidos por uma lei federal brasileira. Por isso, é muito plausível que se restrinja o trabalho dos estrangeiros que não preencham tais requisitos.”

Para Ivette Senise, com a internacionalização de todas as áreas do Direito, entre elas a ambiental e a empresarial, “é evidente que os grandes escritórios precisam de pessoas capacitadas a dar informações e solucionar problemas que envolvam a legislação estrangeira. Mas é preciso impor limites. O estrangeiro não pode atuar junto aos tribunais, isso cabe aos brasileiros”.

Professora de Direito Penal da USP, Ivette Senise lembra que até no âmbito acadêmico é necessário que o profissional comprove seus conhecimentos em relação ao Direito local. “A Congregação da Faculdade de Direito da USP analisa muitos pedidos de alunos que querem fazer pós-graduação ou ter seu doutorado estrangeiro reconhecido no Brasil. A não ser no caso de faculdades com que já temos convênio, como a Universidade de Lisboa e a francesa Sorbonne, a USP exige a aprovação do candidato num exame para revalidação de títulos”, conclui. Clique aqui para ler o depoimento.

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