Segunda leitura

Novas matérias para ingresso na magistratura

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de maio de 2011, 11h52

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O ingresso na magistratura sempre foi difícil. Cargo de poder e mando, com destacado status social, sempre despertou interesse. Todavia, os desafios para a conquista foram variando com o passar dos tempos.

No Brasil Colônia, para ser juiz ordinário era preciso exercer atividade política, ser vereador, e para ser juiz de fora, era necessário ser nomeado pelo rei. Com a independência, a nomeação passou a caber ao imperador e só se exigia diploma para candidatos ao Supremo Tribunal de Justiça (Constituição de 1824, artigo 163).

Com a República, cada estado passou a disciplinar o ingresso na magistratura, de forma autônoma. Juízes federais eram indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, tal qual nos Estados Unidos da América até hoje.

Muito embora muitos estados já adotassem o sistema de concursos públicos (Santa Catarina foi o primeiro), foi só com a Constituição de 1937 que ele se tornou obrigatório em todo o Brasil (artigo 103, alínea “a”). E a presença de um advogado na banca surgiu com a Constituição de 1946 (artigo 124, inciso III).

Examinando os quase 200 anos de independência, conclui-se que até então tivemos três fases distintas: a) nomeação exclusivamente política (1922 a 1989); b) nomeação política mesclada com concursos (1989 a 1937); e c) concursos públicos com fortes diferenças entre si.

De lá para cá as mudanças foram poucas e, em 1988, mantiveram-se os requisitos básicos (Constituição Federal, artigo 93). Mas, em 12 de maio de 2009, sobreveio uma grande alteração: o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 75, uniformizando os concursos de todos os ramos do Poder Judiciário brasileiro. É verdade que a regra pode trazer alguma burocratização do certame, como por exemplo, a exigência, no artigo 55, que as provas sejam identificadas em sessão pública.

Contudo, o fato é que as novas regras deram mais transparência e garantia de imparcialidade. São muitos os pontos positivos e, somente para exemplificar, cita-se o valor máximo de taxa de inscrição (artigo 17), os percentuais para a aprovação de candidatos para a segunda etapa (artigo 44), a publicidade da prova oral (artigo 60) e a até então pouco explicada reserva de vagas para deficientes (artigo 73).

Uma mudança merece especial referência: as novas matérias obrigatórias. Com efeito, o Anexo I fixa um mínimo de matérias, deixando aos tribunais que as suplementem, atentos à peculiaridade local. Para cada ramo do Poder Judiciário há uma menção específica aos temas da prova objetiva, que é a primeira e a maior seleção.

No Anexo VI vêm as chamadas “Noções Gerais de Direito e Formação Humanística”. As matérias desse item, Sociologia do Direito, Psicologia Judiciária, Ética, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito e da Política, serão incluídas na segunda fase, em perguntas ou sentenças. Permitirão avaliar qual o grau de conhecimentos gerais do candidato e sua formação humanística.

Em poucas palavras, aqui a preferência será por quem demonstre conhecimentos profundos, equilíbrio e sensibilidade e não àquele que tenha maior capacidade de decorar.

Não será fácil a um jovem pretendente saber todo o Direito Positivo, as centenas de leis novas, os microssistemas, as inovações da jurisprudência e, além disso tudo, conhecer Política e Direito, ideologias ou os atuais problemas da Psicologia com reflexos no Direito.

As dificuldades começam quando se constata que parte dessas matérias não costumam estar nos currículos das Faculdades de Direito. Por exemplo, Ética da Magistratura Nacional rara e incidentalmente será analisada na graduação.

Ao candidato, dois caminhos se abrem: desistir (sempre o mais cômodo) ou enfrentar a nova realidade, daí dedicando enorme espaço de tempo de sua vida (quatro anos, em média), dispondo-se a aprender temas novos e perseguir firme o seu objetivo, sem desanimar na primeira (ou terceira) reprovação.

Poucos percebem, mas estamos diante de uma nova realidade, inclusive econômica, que vai muito além dos concursos, pois alcança o mercado editorial, cursos preparatórios e o ingresso de novos partícipes, interdisciplinares, na preparação do aspirante (v.g., nutricionistas e psicólogos). No mercado editorial, novos autores e editoras tiveram espaço garantido, com ampla possibilidade de vendas.

Imagine-se: o jovem concurseiro chega, em um sábado pela manhã, a uma livraria jurídica e, em vez de pedir obras dos autores clássicos do Direito Administrativo, solicita livro de um desconhecido que, direta e objetivamente, dá-lhe todas as respostas de que precisa.

Esses novos autores e autoras passam a ser as novas estrelas, passaporte do sucesso para muitos candidatos. São, regra geral, pessoas com boa formação, jovens mestres ou doutores, professores de cursinhos, dotados de grande poder de comunicação. Conquistam com garra seu espaço e, merecidamente, tornam-se os novos ídolos.

Por sua vez, os pretendentes não têm tempo para os profundos livros tradicionais. O programa é muito grande, cada hora tem que ser bem empregada. A única solução é o livro direto.

Vejamos um exemplo. Para atender às novas exigências dos concursos para a magistratura, Dalton Oliveira escreve sobre Psicologia Jurídica e observa que “a relação entre direito e psicologia se torna necessária considerando que ambos os campos têm por objeto o comportamento humano sob diferentes aspectos. Enquanto a psicologia busca compreendê-lo em conjunto com os processos mentais da pessoa, o direito tem a finalidade de regulá-lo com as relações humanas” (Vade Mecum Humanístico, coordenadores A.A. Gonzaga e N.C. Roque, Rev. Tribunais, p. 391). O autor preenche um claro em uma matéria praticamente desconhecida.

Dificilmente, preparando-se para um concurso, o candidato se aprofundará nessa e em outras matérias humanísticas. Mas, pelo menos, delas terá noções.

E assim estamos iniciando, sem que disso nos demos conta, a quarta fase na admissão de magistrados. A fase em que as exigências são multiplicadas, a disputa é mais acirrada (cada vez mais candidatos) e se procuram pessoas que conheçam algo além dos artigos das leis.

A Resolução 75/2009 do CNJ deu um importante passo no aprimoramento da magistratura nacional. Não é o único, por certo, mas é um avanço considerável.

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