Saúde para todos

Lei Obamacare chega à segunda instância nos EUA

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7 de maio de 2011, 8h44

 A batalha legal por trás da lei que reforma o sistema público de saúde dos Estados Unidos chega pela primeira vez a um tribunal de apelação, na próxima terça-feira (10/5). É uma nova fase do embate legal que cerca o chamado Obamacare, até então contestado apenas por ações em tribunais federais de primeira instância. Nem bem o presidente Barack Obama colheu os louros pela operação que matou Osama Bin Laden, sua administração tem pela frente a audiência judicial decisiva para o futuro do principal feito de seu governo, a mais significativa mudança do sistema de saúde pública na história dos Estados Unidos.

A nova lei que regulamenta o sistema público de saúde nos Estados Unidos determina que até 2014 todos os cidadãos americanos disponham de alguma espécie de cobertura médica — pública ou privada — sob pena de pagamento de multas fiscais se não o fizerem.

Ações foram levadas à Justiça logo após a aprovação da lei pelo Congresso Federal em 2009. Na próxima terça-feira, um passo novo será dado em direção ao destino inevitável da contenda: a Suprema Corte dos Estados Unidos. O estabelecimento de um sistema público de saúde universal no país, capitaneado pelo presidente Barack Obama, teve sua constitucionalidade questionada em tribunais federais de todo o país por conta da cláusula que obriga o cidadão a ser beneficiário do programa caso não disponha de cobertura médica privada. A lei passou a vigorar em 2010 e fez de cerca de 32 milhões de americanos aptos a receber assistência médica gratuita.

A Corte Federal de Apelação do 4º Circuito, sediada em Richmond, estado de Virginia, que acolheu o primeiro recurso sobre a constitucionalidade da nova lei, vai avaliar duas decisões judiciais distintas: uma julgou a nova lei inconstitucional e a outra entendeu que o Obamacare não fere a Constituição.

Cidadãos, entidades comerciais, religiosas e de classe, além de políticos do Partido Republicano estão por trás das ações ajuizadas contra a nova lei. Nos tribunais de primeira instância, as decisões foram distintas assim como os argumentos que serviram de base para elas. Em Richmond, avaliam os comentadores de Justiça nos EUA, começa agora uma fase de “mata-borrão”, “de filtro” para o caso Obamacare. É quando as questões centrais que envolvem a discussão sobre a constitucionalidade da nova lei serão pinçadas e o terreno será preparado para que a Suprema Corte se atenha ao essencial.

Nunca antes
Trata-se da maior batalha judicial envolvendo a administração Obama, por isso a chegada do processo à Corte de Apelação do 4º Distrito é aguardada com forte expectativa por juristas e políticos. De acordo com o jornal USA Today, pela primeira vez na história, o 4º Circuito (que abrange os estados de Virginia, Virginia Ocidental, Maryland, Carolina do Sul e Carolina do Norte) irá disponibilizar um link online na internet com o áudio dos argumentos para que o público acompanhe a audiência.

É esperado ainda que os 125 lugares disponíveis ao público sejam todos ocupados e, portanto, quem não conseguir entrar na sala de audiência poderá acompanhar o julgamento em um telão, no segundo andar do prédio histórico que abriga o tribunal desde 1850.

Num país onde a escolha dos juízes é feita por políticos, a expectativa para saber quem irá compor o painel de magistrados responsáveis por julgar a ação também é grande. Os nomes só serão conhecidos na terça-feira pela manhã, um pouco antes das 9h30, hora marcada para o início da audiência. Apenas duas outras cortes de apelação nos EUA não antecipam informações sobre quem participa dos julgamentos.

São 14 juízes que compõem a Corte Federal de Apelação do 4º Distrito. Metade indicada por políticos republicanos e metade, por democratas. No entanto, as afiliações partidárias estão longe de serem óbvias. Ainda de acordo como o USA Today, há casos como o do desembargador que preside o tribunal, William Traxler, nomeado para o circuito federal pelo presidente George Bush, mas alçado à Corte do 4º Distrito pelo democrata Bill Clinton.

Dois em um
Na terça-feira, a corte de apelação irá julgar a constitucionalidade da lei a partir de dois casos distintos. O primeiro deles corresponde à ação movida por funcionários do governo do estado de Virginia contra a secretária de Estado de Saúde, Kathleen Sebelius, uma das mentoras do Obamacare. A outra ação foi movida por uma universidade cristã chamada Liberty University contra o secretário de Estado do Tesouro Timothy Geithner.

Cada uma das partes — autor da ação e defesa — de ambos os processos terão 20 minutos para fazer suas apresentações. Em março, a Liberty University entrou com pedido na Suprema Corte para que o caso do Obamacare fosse julgado diretamente pelo alto tribunal sem passar por cortes de apelação. Contudo, a Suprema Corte não acatou o pedido, o que faz do julgamento da próxima terça-feira mais do que um mero estágio rumo à mais alta instância da Justiça americana, e sim um momento crucial para o futuro da nova lei de saúde pública do país.

A decisão da Corte do 4º Distrito, mesmo que não possa ser considerada uma antecipação do veredicto da Suprema Corte, irá estabelecer sob quais parâmetros a constitucionalidade do Obamacare será avaliada pelos nove juízes do mais alto tribunal de Justiça dos EUA. Será quando os argumentos presentes nas diferentes ações que contestam a lei ganharão foco, coesão e unidade, afirmam especialistas. Daí então, a história é com a Suprema Corte, que pode até mesmo acatar a decisão do 4º Distrito automaticamente ao se recusar a avaliar o caso. Se aceitar julgá-lo, o alto tribunal o fará com base no julgamento que começa nesta terça-feira.

O procurador federal Neal Katyal, o principal advogado que defende os interesses do governo na Suprema Corte, irá argumentar a favor da constitucionalidade da lei em ambos os processos na terça-feira em Richmond. Na ação movida por funcionários públicos do governo da Virginia, o procurador-geral do estado, Duncan Getchell, irá apresentar as acusações, e, no processo movido pela Liberty University, o advogado da instituição, Mathew Staver, assume.

Separação de poderes
O cerne da discussão é se a decisão do Congresso Federal a favor da nova lei não extrapola os limites do Poder Legislativo ao determinar que todos os cidadãos disponham de alguma espécie de cobertura médica. A base para o debate se encontra na Cláusula de Comércio do Artigo 1º da Constituição americana, umas das passagens consideradas mais evasivas do texto e, portanto, sujeita a inúmeras leituras e interpretações ao longo dos últimos 200 anos.

Contudo, é a Cláusula de Comércio da Constituição que determina a extensão das responsabilidades do Poder Legislativo quando este faz leis que interferem em interesses comerciais. A decisão de uma pessoa de não pagar por um plano de saúde, em outras palavras, de se abster de tomar parte de atividades comerciais não pode ser impedida, de acordo com os opositores da nova lei.

O embate tem gerado discussões entre juristas e políticos. O prêmio Nobel de Economia e articulista do The New York Times, Paul Krugman, publicou um artigo em 21 de abril intitulado “Pacientes não são consumidores, atacando a visão dos que se opõe à nova lei. O título é um trocadilho com um texto clássico de Krugman, “Um país não é uma empresa”, publicado na revista acadêmica Harvard Business Review em 1996 e hoje relançado como livro.

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