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Especialistas debatem projetos de mudanças no CPP

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7 de maio de 2011, 5h34

“Em face de o Direito Administrativo não resolver de forma eficiente algumas questões, está se levando para o Direito Processual Penal situações que não deveriam estar na área criminal.” A afirmação é do advogado Eduardo Reali Ferrari, feita em debate sobre o novo Código de Processo Penal no II Encontro Regional de Direito da AASP, que ocorre neste fim de semana no Guarujá (SP).

Ferrari acredita que é necessária uma reformulação do Direito Administrativo para que questões tributárias, por exemplo, não sejam tratadas na Justiça criminal. “A sanção administrativa, por não ter independência e autonomia financeira, acaba levando questões que eram meramente administrativas para a área criminal”, disse.

Segundo ele, também não faz sentido a prisão preventiva nos casos onde o ordenamento jurídico permite a transação penal. Além disso, a situação gera um duplo problema: não resolve a questão no administrativo e gera maior custo para o Estado.

O advogado respondeu a questionamento levantado pelos colegas Antonio Fernandes Scaranse e Flavia Rahal Bresser Pereira, que dividiram a mesa para elencar aspectos positivos e negativos do novo projeto de Código de Processo Penal.

Scaranse afirmou que o novo CPP demonstra evolução. Segundo ele, a legislação, num primeiro momento, foi mais rigorosa, com a publicação de leis pesadas, como a dos Crimes Hediondos. Depois, porém, trouxe normas mais interessantes para a defesa de acusados, como a que instituiu os Juizados Especiais Criminais.

Ele também destacou que o novo texto deixa expresso que o advogado de defesa tem garantido o acesso aos autos do processo, de forma mais clara que a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal. De outro lado, como lembra a criminalista Flávia Rahal Pereira, a regra consagra o Inquérito e seu conteúdo como sigiloso, prevendo punição para quem descumpri-la. Segundo ela, o novo texto preza o direito de intimidade dos investigados. “A autoridade não pode expor os investigados para a mídia”, diz.

Ponto considerado positivo é a distinção clara que o novo CPP faz entre indiciado e investigado. “Ele define uma situação jurídica”, explica. Segundo o defensor, isso garante ao acusado todos os direitos constitucionais, como acesso aos autos da investigação, exceto os das diligências que ainda não foram concluídas.

Para o advogado, a inclusão do juiz de garantias no ordenamento é vantajosa. “Há grande vantagem de não ser o mesmo juiz. É uma forma forte de dizer que o juiz deve ser imparcial”, afirma. Para ele, é importante colocar o juiz que irá julgar distante da produção de provas.

"Hoje o que se vê são juízes se colocando como combatentes da criminalidade, o que mostra a perda da sua imparcialidade", concorda a criminalista Flávia Rahal Pereira. "O juiz precisa ficar protegido, mas o perigo é que o juiz das garantias não consiga ter essa equidistância”, avisa.

Segundo Scaranse, se o texto for aprovado, a defesa poderá produzir provas com limitações, como funciona na Itália. “É bom porque hoje, quando o advogado sugere alguma produção de prova para a polícia, é visto como alguém que só quer atrapalhar a investigação.”

Nesse quesito, Flávia lembra que o trecho do novo CPP que trata das diligências traz um artigo que chama a atenção. O dispositivo prevê que as provas sejam colhidas em qualquer local, e de maneira informal. "A norma abre espaço para abuso, sendo complicada e perigosa."

Pelo novo CPP, o juiz pode declarar de ofício sua incompetência par julgar um caso. “A importância do território foi diminuindo ao longo do tempo devido à globalização”, opina Scaranse. "No caso de Júri popular, ainda é possível o desaforamento. Basta o advogado pedir."

Uma das mudanças que o advogado considera mais interessantes é a possibilidade de acordo entre a acusação e a defesa. “Ela pressupõe a confissão e a dispensa de provas”, explica. Mas isso só se aplica aos crimes com pena máxima de oito anos. A medida não é aplicada atualmente no país. Segundo o advogado, apesar de ser favorável a acordos e conciliações, a situação dos presídios não colabora para este tipo de negociação.

De acordo com a nova norma, o juiz, depois da prisão em flagrante, deverá substituí-la por prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória com ou sem fiança. Para Scaranse essa a nova regra é boa, mas as regras da fiança devem ser observadas atentamente, já que a fiança ficou mais cara e pode variar de um a cem salários mínimos, ou de dez a 200 salários mínimos, dependendo da pena aplicada ao crime. O valor não será devolvido se o crime prescrever.

A criação de banco de dados do Conselho Nacional de Justiça também foi elogiada por centralizar os pedidos de prisão. Atualmente, para se checar se existe algum pedido semelhante entre um estado e outro existe demora.

Os prazos para as interceptações telefônicas foram bastante criticados pela advogada Flávia Rahal. O novo prazo para a duração dos grampos será de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, até o limite de 360. Em comparação com o prazo atual, de 15 dias prorrogáveis por mais 15, chegando ao máximo de 60, ela aponta uma elevação desnecessária. “Ele me parece extenso e excessivo”, diz. Além disso, ela aponta que não há uma relação de crimes que estariam sujeitos a interceptação. Para ela, essa lista deveria estar no novo CPP.

A norma também alterou a forma de recebimento das denúncias. Antes de recebê-la, o juiz deverá intimar a defesa para uma manifestação. Segundo Flavia, o texto deixa claro que a denúncia só poderá se tornar um processo após a defesa fazer suas manifestações, e o juiz fundamentar sua decisão.

Sobre os argumentos que fundamentam a prisão preventiva, Flávia criticou o conceito de garantia da ordem econômica. Para ela, há uma confusão com o montante das operações investigadas. “Isso representa o desvalor do bem jurídico para alardear um valor. É uma distorção”, assevera. “Há uma presunção de que apenas pelo valor envolvido na investigação a prisão poderia ser decretada.”

Novas cautelares
O novo texto dando alternativas para a prisão preventiva foi bem recebida pelos criminalistas. É unanimidade que a prisão não cabe para todos os casos. Para o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a situação carcerária do país exige medidas alternativas à prisão. “Agora o juiz tem um elenco enorme de medidas cautelares. As prisões com mais discernimento terão o efeito acessório de esvaziar as prisões”, afirmou. De acordo com Bastos, 30% dos presos são privisórios.

O advogado Antonio Ruiz Filho comentou que tudo que é possível fazer para evitar a prisão é um bom passo em termos de Justiça. “A prisão não regenera, e por não ter esse efeito, não atinge seu objetivo prático. A nova lei é uma medida de melhoria para a sociedade porque só colabora para que a Justiça seja mais efetiva no Brasil, mantendo preso quem efetivamente deve estar fora do convívio social”, disse.

O também criminalista Sérgio Rosenthal defende que a prisão esteja sempre fundamentada em argumentos relevantes. “A prisão antes do trânsito em julgado é abominável, a não ser que tenha como justificativa preservar testemunhas ou a tramitação regular do processo”, critica.

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