Questões empresariais

Novo Código Comercial ainda precisa ser debatido

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23 de junho de 2011, 7h33

Em 14 de junho, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei instituindo novo Código Comercial para disciplinar, no âmbito do direito privado, “a organização e a exploração da empresa”.

Segundo a ficha de tramitação, a proposta foi do deputado Vicente Cândido (PT-MG). A iniciativa, porém, é do autor intelectual do projeto, o jurista Fabio Ulhoa Coelho, que o publicou sob a forma de livro no começo deste ano, denominado “O Futuro do Direito Comercial”.

Neste livro, o autor intelectual do projeto de Código Comercial introduz o que julga ser o desafio do Direito Comercial brasileiro, qual seja, a necessidade de “recoser” os seus valores “esgarçados”. Nessa retomada de afirmação de valores, o autor do livro – e do anteprojeto – alerta para o erro de ter sido promulgada em 2003 a codificação civilista que unificou o direito privado das obrigações e propõe como solução para o problema a revogação das normas promulgadas no Código Civil, mais especificamente no livro “Direito de Empresa”.

É fato que os comercialistas se viram em uma situação delicada com a promulgação do Código Civil brasileiro, o qual reúne dispositivos que revogam a maioria dos capítulos do Código Comercial de 1850, ainda que se frise que remanesce a diferenciação entre as matérias de Direito Civil e Comercial, de acordo com suas lógicas peculiares.

Tendo o novo Código introduzido diversas normas de caráter geral, esta autora chegou a publicar trabalho em janeiro de 2008 sob o título “Obrigações Empresariais no novo Código Civil”. Neste, o problema dado era o mesmo, mas a solução apresentada foi a utilização do alargamento dos poderes do juiz e da jurisprudência na aplicação dessas normas de maneira casuística, dando-lhes tratamentos distintos de acordo com os fatos apresentados em juízo, de forma a manter a autonomia das áreas do Direito mencionadas, e garantir aos agentes econômicos o grau de segurança e previsibilidade necessário às suas atuações no mercado.

Em que pese a opinião acadêmica ora expressa, fato é que o problema existe e, à época da publicação do referido trabalho, não havia um projeto de novo Código Comercial tramitando na Câmara.

Segundo as informações da Câmara referentes ao deputado Vicente Cândido, é possível encontrar dois requerimentos datados de 27 e 28 de abril deste ano, por meio dos quais foi solicitada audiência pública para subsidiar o debate sobre um novo Código Comercial.

Em paralelo a essas audiências públicas, é necessário que juristas e advogados iniciem um franco debate sobre os termos do projeto, razão pela qual irei apresentá-lo sem me alongar e sem tecer nenhum juízo de valor, na tentativa de expor alguns pontos que precisam de uma análise mais profunda.  Dois desses pontos, a meu ver, são o tratamento do Direito Societário e do Direito de Recuperação de Empresas e Falências pelo Projeto de novo Código.

O primeiro Livro do Projeto é denominado “Da Empresa” e serve para além de introduzir o Código, definir empresa de forma clássica como “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”, diferenciá-la de outras atividades e dispor sobre os princípios que deverão reger todas as disposições do Código, quais sejam: a liberdade de iniciativa, a livre competição e a função social da empresa.

Já o segundo livro trata das sociedades empresárias e, curiosamente, inclui o tratamento das sociedades anônimas, propondo então não só a revogação das normas de Direito Societário propostas pelo Código Civil, sabidamente problemáticas, mas também a revogação de parte da Lei 6.404/76 e suas alterações, a usualmente chamada Lei das S/A. Digo parte pois o artigo 144, parágrafo único, do Projeto traz a remissão a aplicação subsidiaria de lei especial no que não for regulado naquele Código.

E não há como ser diferente. Afinal, as regras atualmente atinentes às sociedades anônimas abertas e sua atuação no mercado de capitais estão calcadas não só na Lei das S/A, mas em diversas instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de diretivas dos órgãos autorreguladores. Além disso, em que pese a argumentação de que a legislação esparsa em matéria de Direito Empresarial é abundante e isso atrapalha o exercício da atividade do advogado, importa também ressaltar que esse fato existe, pois a atividade empresarial é muito dinâmica, o empresariado é muito criativo e a legislação codificada não dá conta de tutelar todas as situações vividas pela prática empresarial, em constante desenvolvimento

Já o terceiro livro da legislação projetada trata das “obrigações dos empresários” por meio das “das normas específicas sobre as obrigações entre empresários”. O seu artigo 268 define critério subjetivo para classificação da obrigação como empresarial eis que, segundo o preceito, aplicar-se-iam as normas especificas da legislação projetada quando a relação obrigacional envolver, como credor e devedor principal, apenas empresários ou em caso de credor ou devedor sócio ou administrador de sociedade empresária e a outra parte, empresário. O critério objetivo, porém, também foi trazido pelo parágrafo único do mesmo artigo, estendendo a aplicação das normas aos contratos e títulos de crédito disciplinados no Código ou na legislação comercial, deixando margem para o debate sobre a aplicação desses preceitos. Afinal, uma nota promissória é um título de crédito que pode ser utilizado em qualquer contrato de mútuo ou compra e venda não mercantil celebrada entre não empresários e a presença deste, por si só, deveria configurar a obrigação objeto do contrato como empresarial?

Ainda no Livro III, são tutelados diversos contratos em espécie, tidos como “contratos empresariais”, e a referida matéria dos títulos de crédito, incluindo desde as matérias reguladas pela Lei Uniforme de Genebra até os modernos títulos de crédito eletrônicos e suas assinaturas por meio de certificação.

O quarto e penúltimo Livro do Projeto trata “da crise da empresa”, o que levaria a crer que o projeto propõe seja revogada a nova Lei de Recuperação e Falências, promulgada em 2005 após longa tramitação e debates. O artigo 599 do Projeto, todavia, faz remissão a uma “Lei Processual de Recuperação e Falência”, que seria a reminiscência das matérias não tratadas no Código, em especial, as de cunho processual.

Segundo o referido artigo, a Lei Processual disciplinaria os requisitos e procedimento da recuperação judicial, da homologação da recuperação extrajudicial e da falência; o procedimento especial de recuperação judicial de microempresários e empresários de pequeno porte; a ação revocatória, o pedido de restituição, a verificação de créditos e demais incidentes; além das “demais disposições relativas à recuperação de empresa e falência”, não previstas no Código projetado.

Assim, o Projeto tenta fazer o que os falencistas nunca fizeram, ou seja, disseca o Direito Concursal e divide-o em matérias de cunho processual e substancial e pretende que o Código projetado trate, tão somente, da parte de direito material do Direito de Recuperação de Empresas em Crise e Falências.

O último é o Livro V, que cuida “Das disposições finais e transitórias”, delimitando ainda mais o alcance do Código Comercial projetado, indicando legislações esparsas que não devem ser revogadas pelo Código.

Colocados esses argumentos, fica o convite para que os juristas enviem suas considerações para que todos possamos contribuir para o debate do Direito Empresarial Brasileiro.

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